Jeremy Bentham , em 1785 concebe um dispositivo de vigilância em que um vigilante consegue observar todos os prisioneiros , sem que estes percebam que estão a ser vigiados. Os reclusos são isolados uns dos outros, por motivos disciplinares, o pan-óptico (disciplinar).
Hoje temos o pan-óptico digital,ferramenta de exposição e de comunicação intensa, a transparência aparece quase como uma necessidade, um imperativo.
A exigência é a de tudo virar para o exterior , transformando esse tudo em informação que serve essencialmente para dominação. A vigilância é permanente, não é necessário sequer o vigilante do sistema de Bentham, todos se vigiam mutuamente, conducente a um nivelamento do que é aceitável, num igualar que subjuga o indivíduo.
A transparência possui desde logo duas questões , uma em que só interessa se se observa nela o que procuramos ( mesmo inconscientemente), esse algo que se destaca do cenário , por isso as fotos em modo de retrato que nadificam o cenário; outra em que apesar de muitos até já falarem em comunicação tridimensional, a verdade é que só é transmitida o exterior , nunca o interior. Interior , em que a alteridade coloca obstáculos à comunicação contínua.
Numa época de relações líquidas o indivíduo é consumidor e produto de consumo , a liberdade cívica cede perante a passividade do consumo. O consumidor como votante , não tem interesse algum na política, limita-se às queixas e comentários próprios de apreciação a produtos ou serviços. Deste modo os políticos e partidos seguem a mesma linha, basta olhar para as redes sociais, fornecer clientes, limitando as suas queixas, trabalhando para o “branding”.
A transparência exigida pela sociedade aos políticos, serve apenas para os expor , os desmascarar, transformá-los em produto de escândalo e nunca para ter conhecimento dos processos políticos, a tal foto em modo de retrato em que o cenário não interessa.
É todo um processo de desnudamento até pornográfico, que nos nivela pela exposição, que tem como objectivo aperfeiçoar o desempenho, em que nos empenhamos, sem tempo para a contemplação da vida tão necessária à reflexão e concentração que sempre levou o Homem a grandes realizações distinguindo-o do animal irracional , esse sim que tem de ceder à multitarefa como sentido de sobrevivência.
Ao cedermos a este nivelamento, a esta transparência auto consentida, a esta vigilância constante , à hiperatividade , em que o “tudo é possível” se torna quase uma religião, numa angústia permanente pelo fracasso, aproximamo-nos mais do animal ou quanto muito do homem primitivo.
Há que ter tempo e retomar o direito de fazer algo para o qual não haja um fim, um propósito, reganhar a contemplação da vida, reconciliarmo-nos com o nosso interior que nos distingue a todos como indivíduos e seres humanos que somos.
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