Francisco Barbosa: uma vida de empreendedorismo

Começou a trabalhar aos 10 anos de idade e nunca mais parou. Empreendedor e sonhador, aos 71 anos, Francisco José Rodrigues Barbosa continua muito ativo na sociedade.

Natural de Paredes, o empresário nasceu em Mouriz, tendo iniciado a sua vida profissional aos 10 anos de idade. Quinze dias depois de completar uma década de existência, foi para Paredes, onde começou a trabalhar na oficina Ruão. Mas a quarta classe sabia-lhe a pouco e o seu desejo era prosseguir estudos. Para os pais, contudo, seria impossível garantir estudos mais avançados aos 9 filhos, pelo que o mais velho não foi exceção. “Eu era o mais velho e os meus pais tinham as dificuldades próprias de quem tem nove filhos”, explica. Os pais possuíam uma carpintaria e, mais tarde, uma fábrica de mobiliário, onde a maior parte dos irmãos trabalhava.
O bom aproveitamento registado ao longo do curto percurso escolar fê-lo sonhar mais alto e, aos treze anos, decidiu voltar à escola. Sem ensino noturno no seu concelho nem nos concelhos vizinhos, aproveitou o facto de começar a trabalhar no Porto para se inscrever na Escola Industrial Infante D. Henrique. Simultaneamente, trabalhava como mecânico na Garagem Ruão.

Trabalhador-estudante empenhado

Conjugar os estudos com o trabalho não era tarefa fácil. Trabalhava até as seis da tarde e, passados vinte minutos, já estava na escola, onde aproveitava o intervalo para jantar. Saía às 11 da noite. Pernoitava no Carvalhido, na casa de uma tia. Como tinha aulas ao sábado, regressava a Paredes apenas no domingo de manhã, altura em que ia à missa com o pai, que o esperava todos os fins de semana, não fosse o filho “perder-se” na cidade grande.

Assim passou Francisco Barbosa a sua juventude até cumprir o serviço militar. Concluiu o curso industrial e frequentou dois anos do SPI, que lhe permitia matricular-se no Instituto Industrial, o que não chegou a acontecer. Note-se que as suas brilhantes classificações motivaram um convite para trabalhar na EFACEC, com a qual a Escola Infante D. Henrique tinha protocolo.

Durante o período em que permaneceu no Porto, não deixou esmorecer a paixão pelo futebol. Começou por jogar nos juniores de Paredes, mas sem possibilidade de realizar os treinos por se encontrar no Porto. Depois do Paredes, seguiu-se o Cete, onde jogou 6 anos, também sem realizar os treinos usuais. Deste período recorda os jogos com o Lousada e algumas “pegas” futebolísticas com os lousadenses.

Bom desempenho no curso do serviço militar permitiu-lhe escapar ao Ultramar

À semelhança do que acontecia com muitos jovens na época, Francisco Barbosa cumpriu três anos de serviço militar, de 1969 a 1972, a maior parte dos quais em Braga. A excelente classificação (3.º lugar) no curso de condutor permitiu-lhe escapar à ida para o Ultramar. Por isso, foram três anos positivos, uma vez que já estava habituado ao rigor das regras de casa e do trabalho.

Regressado da tropa, mudou de profissão. Aproveitando a abertura da Toyota, inscreveu-se como vendedor, tendo sido selecionado. Mas a escolha profissional não agradava ao pai, que não concebia o trabalho sem sujar as mãos. Por isso, o ambiente em casa não era bom. “Para o meu pai trabalhadores eram os que se sujavam. Quando chegava a casa, o meu pai obrigava-me a mudar de roupa e a fazer os trabalhos agrícolas, como alimentar os animais”, conta, acrescentando que o pai era rigoroso e que foi moldado nessa exigência, que fez dele o que é hoje.

Apesar da resistência do pai, Francisco Barbosa ganhava bem, o que não fez com que se acomodasse. Com a intenção de trabalhar na Alemanha, inscreveu-se junto das entidades de recrutamento de trabalhadores. Mas o choro dos pais demoveu-o.

Um passo empreendedor

Em vez de percorrer a longa distância até à Alemanha, decidiu dar uns passos até ao concelho vizinho, Lousada, onde reabriu a Garagem Gatel, no edifício que havia sido do Grande Hotel de Lousada. Os pais ajudaram financeiramente. Tinha na altura 24 anos, quando veio para Lousada, com alguns irmãos e dois ou três funcionários. Francisco Barbosa recorda que os primeiros tempos foram de muito trabalho, pois a Gatel foi a primeira oficina de automóveis em Lousada e muitos dos proprietários de oficinas lousadenses foram seus funcionários.

O empreendedorismo começou nos automóveis, mas não se ficou por aí, tendo abarcado outras áreas profissionais, entre elas a construção civil. “Cheguei a ser o dono da Befebal, com 75 empregados. Cheguei a estar em Moura, a contruir o quartel da GNR, com o MAI (Ministério da Administração Interna), sem perceber nada de construção. Tinha uma vida atribulada”, refere.

Paixão pelo futebol

Desde muito novo ligado ao desporto como praticante, Francisco Barbosa passou pela direção de clubes de futebol. A convite do primo Humberto Ribeiro da Silva, começou na direção do Paredes, onde permaneceu dois anos. Mas um dia apareceu-lhe o presidente do Lousada, Francisco Morais, a pedir jogadores emprestados e reconheceu-o. “A trabalhar em Lousada e na direção do Paredes?”, perguntou. Francisco Barbosa explicou que as suas origens estavam em Paredes. O lousadense não foi embora sem deixar um desafio: “Um dia, vai tomar conta do Lousada”. “Se a equipa não descer, para o ano, estou lá”, foi a condição do proprietário da Gatel, que não voltou atrás com a palavra dada. “A equipa não desceu e tive de assumir essas responsabilidades”, afirma. A responsabilidade era grande, mas o novo presidente do Lousada não concentrava em si as tarefas: “Chegava a ter mais de 20 diretores e delegava tarefas. Fizemos um trabalho notável. Lousada estava nos distritais, passados uns anos, subiu à 3.ª divisão e depois à 2ª”, conta.

A vida suspensa

Foi justamente num jogo de emoções intensas que a saúde o traiu. Um enfarte pô-lo entre a vida e a morte. Foram 8 dias ligado às máquinas, consciente de que as horas que se seguiram eram decisivas e que poderia não sobreviver. Veio-lhe à cabeça o passado, a adolescência que não viveu como viveram os amigos, a vida de trabalho intenso e a inutilidade das conquistas materiais. “Se calhar vou morrer, sem ter gozado nada” foi o pensamento que aflorou ao longo dos oito dias com prognóstico reservado.
Francisco Barbosa encontra no ritmo desenfreado de trabalho e na falta de descanso as causas do enfarte. “Sem me aperceber, comecei a dispersar. Criava em mim um frenesim que só estava bem a investir, a ser empreendedor, sem medir muito bem o que é possível a qualquer humano”, afirma.

Mas o destino quis que continuasse entre nós e com energia para continuar ativamente na sociedade.

Vereador na gestão de Jorge Magalhães

Apesar de alguma resistência em relação à tomada de posições políticas, por ter negócios que poderiam ser prejudicados, Francisco Barbosa acabou por chegar à vereação da autarquia lousadense. O ex-vereador relembra o pós 25 de Abril e as perseguições políticas, que alimentavam os seus receios. “Eu tinha como princípio passar ao lado para não criar inimizades”, conta.
Os anos foram passando e criou laços de amizade com Jaime Moura, que lhe pediu para ser o número dois da sua lista. Estávamos em 1989, numa altura em que o PSD enfrentou uma divisão. Assim, Jaime Moura e Francisco Barbosa foram eleitos pelo CDS. O executivo autárquico era constituído por três vereadores socialistas, dois sociais-democratas e dois centristas. Estando em minoria, o PS teve de governar conjugando as vontades da oposição com as suas: “Jorge Magalhães tinha minoria, mas teve a capacidade de nos mobilizar a todos e entregou pelouros a todos os vereadores”, explica. Depois de uma reunião extraordinária, realizada à noite com os vereadores, para se distribuírem os pelouros, Francisco Barbosa ficou com os armazéns da Câmara e o mercado, que foi reconstruído durante a sua gestão. “Jorge Magalhães teve esta humildade, que acho que perdeu depois. No mandato seguinte, notou-se a diferença de comportamento, o autoritarismo na forma como hostilizava a oposição. A maioria tem o poder de toldar as pessoas”, defende.

O ex-vereador recorda que foi nos mandatos de Jorge Magalhães que se realizaram projetos de grande envergadura, graças aos fundos da CEE. “Os pojetos da CEE fizeram um grande abanão no concelho. Com o Amílcar Neto não havia dinheiro”, diz.

“Luta difícil” em 2001

Mais tarde, no início no novo milénio, já depois de ter vivido o grave problema de saúde, Francisco Barbosa foi o candidato principal pelo PSD. Convencido de que estava já na pré-reforma, como o próprio refere, foi convidado para reuniões, sem se aperceber de que se tratava de um convite para ser o candidato principal às eleições autárquicas. Numa reunião-almoço, em Caíde de Rei, com a Comissão Política e os presidentes de junta, o convite surgiu finalmente sem rodeios. Depois de lhe pedirem que esperasse para entrar na sala, quando o fez, enfrentou fortes aplausos, seguidos do pedido para que aceitasse mais um desafio político. Sem ter muitos argumentos para fugir, impôs algumas condições, entre as quais a posição favorável do seu médico cardiologista e a não oposição à sua candidatura por parte de nenhum membro do partido ou das juntas de freguesia.

À campanha, “sem condições nenhumas”, não faltou, porém, vontade e grande entrega de todos. Francisco Barbosa recorda que em abril desse ano não tinham candidatos às juntas. No entanto, em julho, as listas candidatas foram apresentadas. Um trabalho desenvolvido em tempo recorde. “Houve juntas que conseguiram candidato mobilizado na semana anterior à da apresentação da lista. Em Nespereira, consegui mobilizar José Nunes, que ganhou no mandato seguinte”, recorda.

Sem hipótese de vencer, a lista social-democrata ficou aquém das expectativas, reconhece o candidato, mas ficaram as memórias positivas de uma luta vivida com uma entrega total.

Se tivesse sido eleito presidente da Câmara, Francisco Barbosa garante: “Sem querer criticar, tenho a certeza de que faria muito mais com muito menos. Tenho a certeza de que se gasta muito dinheiro mal gasto. Há muito desperdício na forma de governar os dinheiros públicos”.

Garante que Lousada estaria “uns passos à frente” e dá um exemplo: “A zona industrial de Caíde de Rei era a minha bandeira. Lousada ainda está a pagar… Se tivessem aproveitado a minha bandeira, Lousada, no campo industrial, estaria melhor. O PS veio, de forma leviana, contestar as bandeiras das zonas industriais dizendo que o que eu pretendida era dar condições aos ricos. Falso… Parece-me que abriram os olhos e mudaram a forma de fazer política e essa zona industrial vai agora para frente”, diz.
Atualmente na reforma, Francisco Barbosa, não abandonou o trabalho associativo, sendo presidente da Assembleia Louzadense. Começou como diretor há cerca de 5 anos, a pedido de alguns sócios. O espaço da associação, propriedade dos seus sócios, é para si emblemático no concelho, sendo a sua história muito rica. O seu presidente conta que o espaço viveu tempos de elitismo, em que a admissão dos sócios não era fácil e “as pessoas mais humildes ficavam à porta”, o que o perturbava. “Entendi sempre que não devia ser assim. A minha luta era abrir a porta a toda a população”, defende. Para conseguir o seu objetivo, fez protocolos com outras associações e, hoje, a porta está aberta a sócios e não sócios. “Faço questão de oferecer o espaço para qualquer evento”, salienta.

A Lousada, está “eternamente agradecido”. “Sempre me apoiou, deu-me tudo o que tenho hoje”, diz. É onde criou os filhos e onde continua a residir há quase meio século.

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