Suponho que esta belíssima expressão de Fernando Pessoa nunca foi tão fácil de explicar como agora. Na realidade, quase todos estamos, por estes dias, com uma enorme vontade de deixar para trás este episódio trágico da pandemia e com imenso desejo de viver, logo que possível, a próxima etapa das nossas vidas. No fundo, a expressão pessoana “saudades do futuro” traduz exatamente isso: o desejo de nos vermos já num futuro, mais ou menos longínquo, por entendermos que esse futuro será melhor ou mais interessante do que o presente. Se habitualmente é necessária uma dose considerável de otimismo para se ter saudades do futuro, diria, pela mesma lógica, que atualmente é necessária a mesma dose considerável de pessimismo para não se ter essas saudades. Eu, que, por norma e por força de projetos interessantes, já costumava ter saudades do futuro, agora estou, como devem imaginar, completamente possuído pela vontade de nos ver a todos no período pós-pandemia Covid-19.
É sobre esse período pós-pandémico que queria deixar aqui algumas reflexões. A esmagadora maioria dos filósofos/investigadores/ cientistas/ autores têm reconhecido de que o mundo e as sociedades não vão sair iguais desta crise sanitária que estamos a viver, nem da crise económica que se está a desenvolver ao mesmo tempo. O que importa, então, é que, se o mundo e as sociedades vão mudar, que mudem para melhor. Ora, quem vai decidir essa mudança são os atuais líderes políticos nacionais e internacionais. Convém, por isso, que todos eles tenham noção, em primeiro lugar, que estamos a viver momentos dramáticos e decisivos para o futuro das sociedades que lideram e que, em segundo lugar, tenham a coragem de tomar as medidas que impliquem, de facto, mudanças significativas, nas mais diversas áreas, do mundo para melhor. Já todos perceberam, por força das terríveis consequências do Covid-19, que o liberalismo económico só interessa a algumas dezenas de multimilionários e que não consegue responder a questões básicas de saúde, de segurança social e de educação, por exemplo, em situações mais críticas como as atuais. Até o “Finantial Times”, jornal britânico conhecido pelas suas posições liberais e neo-liberais, reconheceu a necessidade de mais e de melhor intervenção do estado nas economias, para que as sociedades sejam mais justas, equitativas e equilibradas. Finalmente, reconheceram que não pode haver empresas, bancos, grupos económico-financeiros que distribuem milhões de euros pelos seus acionistas, quando há lucros, e que necessitam de dinheiros públicos, nomeadamente recolhidos pelos impostos sobre quem trabalha, sempre que há crises ou perigo de prejuízos. É insustentável, do ponto de vista económico e social, que empresas que no ano passado distribuíram milhões de euros de lucros pelos seus acionistas, estejam, neste momento, a depender de ajudas estatais, prestadas com o dinheiro de todos nós, para sobreviverem.
O nosso Presidente da República e o nosso Primeiro Ministro e Rui Rio disseram, no início desta crise, que esperavam dos bancos uma intervenção solidária que nos ajudasse a sair da crise. Outra coisa não seria de esperar, uma vez que nos últimos anos foram injetados cerca de 25 mil milhões de euros de impostos portugueses no nosso sistema bancário para salvar alguns bancos e banqueiros. No entanto, António Costa, que sempre se mostrou contra a receita da austeridade, na última semana já disse que, embora seja “uma má receita”, pode haver necessidade de alguma austeridade para sairmos desta crise. Significa isto abrir a porta para que sejam outra vez os mesmos a pagar a crise: o povo, com especial atenção para os funcionários públicos, como aconteceu na última crise? Significa isto que as/os grandes empresas/bancos/aglomerados financeiros, que poderiam solucionar esta crise em dois ou três anos com os seus lucros, vão ser novamente poupados em detrimento do povo que vai andar mais dez anos a sofrer para que um outro Centeno qualquer possa brilhar com “superavit”?
Recomendo vivamente aos políticos a releitura do “Sermão de Santo António aos Peixes”, do visionário Padre António Vieira: andam nos mares os grandes a comer os pequenos, o que é muito contrário, se as vidas valessem todas o mesmo, ao que deveria ser, já que para alimentar um só peixe graúdo é necessário sacrificar a vida de milhares de peixes miúdos, enquanto um só peixe graúdo bastava para alimentar de milhares de peixes miúdos.
Espero bem que o futuro nos mostre, em Portugal e no mundo, políticos capazes de assumir com coragem as suas responsabilidades e de mudar as sociedades para melhor. Espero bem que os políticos não se continuem a vergar à força do dinheiro, na esperança de obter, depois dos seus mandatos políticos, cargos principescamente pagos. Espero bem que os políticos comunistas, socialistas e sociais-democratas não permitam mais leis fortes para os fracos, nem mais leis fracas para os fortes, até porque isso nega a sua principal matriz ideológica.
É bom que não se esqueçam que duas das classes mais maltratadas, mais desconsideradas em termos salariais, na sequência da última crise em Portugal, médicos/enfermeiros e professores, são duas das classes que estão a contribuir decisivamente, como muitas outras, para que Portugal ultrapasse esta crise pandémica sem colapsar. Os médicos/enfermeiros com uma carga de trabalhos tremenda e arriscando a própria vida, em muito casos, enquanto os professores, com recurso aos seus computadores pessoais e à internet de suas casas, montaram, em poucos dias, um sistema nacional de ensino à distância, que o Governo/Ministério da Educação pelos seus próprios meios não conseguiria assegurar, continuando ainda hoje a suportar esse sistema para que não faltem atividades letivas a mais de um milhão de alunos todos os dias.
Em tempos de olharmos para o futuro com esperança, uma última nota, para desejar as maiores felicidades ao jornal “O Louzadense” neste primeiro aniversário. A minha convicção é que o futuro, também aqui, deve ser encarado com otimismo, uma vez que o trabalho feito, com toda a certeza, já produziu conhecimentos capazes de abrir caminhos seguros e iluminados para muitos e bons anos. Os meus parabéns à equipa diretiva, aos profissionais do projeto e a todos os seus colaboradores!
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