Os dias são de luta e esperança. São trabalhadores, contribuem para a Segurança Social, pagam taxa de ocupação e dependem dos compradores que os visitam. São feirantes e desesperam por dias melhores, onde possam trabalhar sem receios do dia de amanhã.
É segunda-feira, dia nove de novembro. O dia começa bem cedo no Largo da Feira, onde os comerciantes começam a preparar o seu dia de trabalho. A chuva parecia não dar tréguas, mas, no dia em que os comerciantes regressam à Feira Municipal de Lousada, o sol acabou por abrir e chamar alguns clientes, ainda que poucos.
Para quem visita a feira, agora limitada a 350 pessoas, não escapa das barreiras que determinam a entrada e a saída. O gel desinfetante é peça da casa e não falta em qualquer mão que por ali passe. A máscara já é o acessório de ordem e fica bem em qualquer roupa, meia, até mesmo sapatos que possa lá comprar.

É filho de feirantes, mora em Lodares, mas foi no ambiente inquieto da feira que nasceu há 40 anos. Bruno Teixeira, trabalhar independente há 11 anos, lembra que nunca viveu numa situação semelhante. “É uma coisa nova para toda a gente e acho que a economia, de uma maneira geral, está a sofrer com o que se está a passar”, lamenta.
A adaptação aos novos tempos tem sido lenta e “com dificuldades em recuperar o tempo em que estivemos parados”, refere Bruno, no entanto, é sempre “melhor estarmos na atividade do que estarmos parados, que era aquilo que o Governo propunha, o encerramento das feiras novamente, e isso é impensável, porque há muita gente com dificuldades e, se voltar a acontecer, não tenho dúvidas que muita gente já não consegue voltar à atividade”.
Em março passado, durante o confinamento geral, as feiras ficaram encerradas, tendo reaberto atividade em junho. Para os feirantes, que vivem, muitos deles, com o agregado familiar completo dependente das feiras, os dias têm sido negros e a perspetiva é de não melhorarem com o passar do tempo.
“Houve uma quebra no negócio muito significativa, embora seja sempre muito melhor estar na atividade e, se não der para ter grandes lucros, pelo menos que cubra as despesas. É o pão nosso de cada dia, se pelo menos formos cobrindo as despesas é sempre muito bom, caso contrário, muita gente, e eu sou um desses casos, vamos passar dificuldades. A economia não pode mesmo parar e temos que trabalhar, pelo menos para ganhar para o pão nosso de cada dia”, refere o feirante.

Do meio das roupas que vende, Bruno vai explicando que “embora tenhamos aqui todas as condições reunidas de segurança, toda a gente entra por uma entrada e sai por uma saída, as pessoas usam máscara e têm álcool gel para desinfetar as mãos” a adesão da população não é muita e até “não é preciso muita preocupação a nível de distanciamento, porque há mesmo pouca afluência e nota-se que há distanciamento mesmo devido a isso”.
Sobre as ajudas, Bruno Teixeira afirma que as câmaras municipais têm sido um grande apoio, facilitando e ajustando o pagamento das taxas de ocupação.
A 31 de outubro, aquando da proibição das feiras, por parte do Governo, o coração dos feirantes congelou. O receio de não poder voltar a trabalhar invadiu todos os comerciantes que protestaram contra esta medida de combate à Covid-19. Assim, o Governo recuou e deixou a decisão ao encargo de cada município.
Feirante durante metade da sua vida, Maria de Lurdes tem 40 anos e vive da venda de meias. Não escondeu a felicidade quando, por decisão do município, viu o seu posto de trabalho reaberto. “Fiquei muito contente com esta decisão. Estivemos muito mal, sem emprego, sem trabalho, embora tenhamos sempre um pé de meia de lado, há colegas que podem não ter. Foram tempos muito difíceis e se agora fechasse outra vez acho que havia colegas, ou mesmo nós, que não conseguiam levantar-se”, lamenta Maria de Lurdes, da freguesia de Silvares.

Permissão para trabalhar foi um alívio
No passado dia dois de novembro, Pedro Machado, presidente da autarquia, anunciou, na sua página do Facebook, que teve “oportunidade de defender junto do Governo que não via razões para que fossem proibidas todas as feiras, uma vez que em Lousada o recinto da Feira está devidamente equipado e seguro, cumprindo as regras e orientações da Direção Geral de Saúde”.
“Em Lousada o recinto da Feira foi vedado, criaram-se entradas e saídas, determinou-se a obrigatoriedade do uso de máscara e foi definida uma lotação máxima que é controlada por vigilância. Com essas regras, o seu funcionamento não constitui maior risco do que as outras atividades comerciais”, defendeu o autarca, acrescentando “Os feirantes foram muito fustigados na primeira vaga e não resistiriam à segunda se não pudessem trabalhar”.
Mas a pandemia não foi o único problema que afetou o negócio. Para Quitéria Camelo, de 71 anos, residente em Nespereira, o negócio tem vindo a piorar a cada dia e o encerramento só piorou. “Tem sido muito difícil, mas depois de abrir começou a vender-se mais e melhorou um bocadinho. Fiquei muito contente, é melhor pouco do que nenhum”, comenta a feirante de flores há 43 anos.

Também um filho da feira podia considerar-se Duarte Morais, de 38 anos, vendedor de roupa, e que seguiu as pisadas da mãe ao assumir o seu negócio há 20 anos. Residente em Aveleda, recorda que já viveu tempos difíceis, com muitas dificuldades, mas, desde que realiza remunerações para a Segurança Social, “é um dos anos mais complicados”, lembrando as maiores adversidades do trabalho de feirante, “a chuva e o vento”.
“Desde que fechamos foi um grande golpe, o chão desabou. A abertura em junho ajudou a adaptarmo-nos ao sistema, à forma de trabalhar e, com certeza, vamos viver isto mais tempo, mas foram momentos complicados, houve colegas que passaram dificuldades”, lamenta.
O receio que paira no ar não é indiferente a Duarte que admite haver alguma afluência. “Nós fomos os primeiros a ser afetados, mas outros também vão ser afetados, é uma roda, vai ser mau para todos, mas o pessoal está a aderir e até se sentem confortáveis, sentem confiança, sentem-se seguras, porque ao ar livre dá para fugir, só não tem cuidado quem não quer, ou que se distraia”, comenta.

De março a junho, os feirantes aderiram à medida “layoff”, que consiste na redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho efetuada por iniciativa das empresas, mas, refere Duarte, “as verbas são sempre pequenas, a segurança social manteve-se, continuamos a pagar isso tudo. Da parte das autarquias algumas são mais flexíveis, no caso da de Lousada deu-nos meio ano sem pagarmos a taxa, já é muito bom, não pagando é sempre uma ajuda, é sempre bem-vinda. De resto são as ajudas que temos. Também não é dinheiro que queremos, queremos é poder trabalhar, podendo trabalhar o dinheiro aparece, embora os tempos sejam difíceis e a carteira das pessoas também não está recheada, mas vamos com calma”.
Contudo, a esperança mantém-se e, depois de três meses parados, Duarte descreve este ano como “um ano esquisito. Nós dependemos das vendas, para ter dinheiro temos que vender, temos que poder trabalhar”, mas, “a esperança é sempre a última a morrer e temos que ter fé”.
Apoio extra a feirantes
Os feirantes com prejuízo na atividade devido à pandemia podem requerer o pagamento dos seguros dos veículos em prestações, segundo uma regulamentação do regime de apoio à retoma das atividades.
A regulamentação prevê “a flexibilização do pagamento do prémio de seguro das viaturas afetas às atividades da diversão e restauração itinerantes, tais como camiões, reboques, semirreboques e caravanas, desde que comprovada a paralisação da respetiva atividade”, até ao máximo de 12 prestações mensais.
Permite também a “extensão da validade dos seguros e dos certificados de inspeção dos veículos afetos às atividades de diversão e restauração itinerantes, durante o período da suspensão e enquanto as viaturas não estiverem em circulação, sempre que fique salvaguardada a proteção por danos que possam, ainda assim, ocorrer a terceiros”.

Para ter direito a este regime, o segurado tem de realizar um requerimento ao segurador, “podendo ser apresentado a qualquer momento quando referente à anuidade em curso e no prazo de 15 dias úteis anteriores à respetiva cessação do contrato, em caso de prémio relativo à anuidade subsequente, em ambos os casos acompanhado de comprovativo de paralisação da atividade”.
Considera-se que o empresário está em situação de paralisação da atividade quando “esteja em situação de crise empresarial, incluindo quando registe uma quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da faturação nos últimos três meses em face do período homólogo do ano anterior”. Para comprovar que as viaturas não estão em circulação, basta ao tomador do seguro “efetuar a declaração desse facto sob compromisso de honra”. Este regime é aplicável até 31 de março de 2021 e não impede “a adoção de outras soluções de flexibilização do pagamento dos prémios de seguros mais favoráveis ao tomador do seguro se acordadas entre as partes”.
Por outro lado, em caso de nova suspensão da atividade devido a medidas excecionais e temporárias para fazer face à Covid-19, “a validade dos certificados de inspeção dos veículos afetos à atividade de diversão e restauração itinerante é prorrogada por um período idêntico àquele em que a atividade esteve suspensa até ao limite máximo de cinco meses, desde que as viaturas não se encontrem em circulação”.