De um dia para o outro, à medida que a Covid-19 se foi espalhando por todo o mundo, a palavra de ordem passou a ser confinamento. Nunca se falou tanto em isolamento, em proteger os mais frágeis, e isolar os idosos do contacto com o exterior pareceu ser a solução mais óbvia para os proteger. Mas que consequências trouxe este isolamento aos idosos? Terá a pandemia provocado outras doenças físicas e psicológicas?
São idosos, vivem sozinhos e viram as suas vidas completamente reformuladas quando, em março, foi declarado o estado pandémico. O encerramento dos Centros de Dia, o fim das visitas e a falta de abraços provocaram um isolamento maior aos idosos que viviam sozinhos e hoje não têm qualquer contacto com o mundo exterior.
Luís Brito tem 64 anos e vive sozinho, em Sousela, há 17. Depois de 28 anos de casamento, divorciou-se e mudou-se, sozinho, para a casa onde vive até hoje. “Ninguém me vem ver. Tenho quatro filhos e ninguém quer saber de mim”, conta. Acredita que o casamento não tem de ser para sempre, mas, que os filhos, “são sangue dos dois” e “custa-me que eles não queiram saber de mim”.
Atualmente, a família do ex-funcionário têxtil são os vizinhos e o Centro Social e Paroquial (CSP) de Sousela. Há 10 anos, um acidente de mota tirou-lhe a independência, obrigando-o a precisar de ajuda para quase tudo. “Não consigo mexer uma perna e todos os dias uma vizinha me vem levantar da cama, eles são a minha família”, afirma.
“O Centro de Dia é um convívio. Fazemos ginástica, praticamos boccia, jogamos às cartas, dominó, temos comida na mesa, mudam a fralda, põem a babete, veem as tensões, não nos falta nada.”
Luís Brito
No Centro de Dia do CSP de Sousela encontrou um lugar onde se sente em casa, mas, desde março, que se vê privado do convívio e da confraternização que criou com os restantes utentes. “Deixa-me saudades, no Centro estou muito bem, ia às oito horas, fechava a porta de casa, às 17/18 horas trazia a sopa e comia em casa”, recorda, referindo que, com a situação atual, tem “medo” de quem possa aparecer.

“O Centro de Dia é um convívio. Fazemos ginástica, praticamos boccia, jogamos às cartas, dominó, temos a comida na mesa, mudam a fralda, põem a babete, veem as tensões, não nos falta nada”, descreve, lembrando a falta que tem sentido deste apoio, “noto uma tristeza. Agora, estou aqui a olhar para as paredes, às 15/16 horas vou para a cama. Se não fosse a televisão já estava no cemitério”.
O sofrimento causado pelo afastamento social afeta pessoas de todas as idades, mas pode ser mais intenso entre as camadas mais vulneráveis, como a população mais idosa. “Sendo a nossa comunidade muito envelhecida, deparamo-nos com várias situações de isolamento que ao longo do tempo fomos tentando combater, mas tem os seus obstáculos e as suas dificuldades”, indica Tânia Magalhães, diretora técnica do CSP Sousela.
Instituições são fundamentais
O isolamento pode ser voluntário, por opção do próprio idoso, ou mais forçado e condicionado por “outras questões de mais difícil resolução”. De forma a minimizar as consequências provocadas pelo isolamento, as instituições têm “um papel fundamental”.
“Somos a família de muitos, porque complementamos as famílias que já existem, os cuidadores que já existem e substituímos, muitas vezes, aqueles que não existem. As instituições têm um papel essencial na melhoria da qualidade de vida das pessoas, no retardar do envelhecimento e, consequentemente, da institucionalização em respostas de longa duração”, garante.

No que diz respeito ao CSP Sousela, oferece Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário, que ajuda a combater o isolamento pelo menos “no momento em que estamos a desenvolver o serviço”. A nível do Centro de Dia, as atividades em que participam são uma mais valia, porque acabam por ser a segunda casa de muitos”, afirma.
“As pessoas estão bastante afetadas quer a nível físico quer a nível psíquico, com a questão da pandemia, pelo facto de não poderem estar presencialmente connosco.”
Tânia Magalhães
Desde que as portas do Centro de Dia se fecharam, para além da perda de utentes, por diferentes motivos, seja por institucionalização noutras respostas sociais, por questões de saúde ou desemprego dos cuidadores, “sentimos que as pessoas sofrem bastante e, ainda que tenhamos a hipótese de prestar todos os serviços em domicílio, não é a mesma coisa”, sinaliza a diretora técnica.
“As pessoas estão bastante afetadas quer a nível físico quer a nível psíquico, com a questão da pandemia, pelo facto de não poderem estar presencialmente connosco, presencialmente em grupo, com as pessoas que consideravam colegas e amigos e passaram com eles grande parte do tempo”, reflete.
Num futuro a curto-prazo, pode mesmo ser prejudicial para os idosos. “Os idosos veem-se mais limitados, e têm noção disso, têm noção que a pandemia lhes roubou muita coisa e os prejudicou de forma significativa”, alerta.
Mais de 42 mil idosos vivem em isolamento
Em Portugal, há mais de 42 mil idosos em situação de isolamento, de acordo com o balanço da Operação Censos Sénior 2020, divulgado pela Guarda Nacional Republicana (GNR).
Embora não viva sozinha, Maria Emília Ribeiro, 82 anos, desde o início da pandemia, passa os dias sozinha com a companhia da televisão. A residente em Cristelos, mesmo com as limitações físicas que se acentuam, ocupava-se a passear pela vila, onde tinha oportunidade de ver amigos e vizinhos.
“Estou sempre todo o dia sozinha, a televisão é a minha companhia. Só à noite é que não estou só, que a minha filha está aqui”, explica. Recebe o apoio domiciliário da Santa Casa da Misericórdia de Lousada (SCML), mas ainda consegue fazer refeições sozinha.
“Desde que faleceu o meu filho é que me sinto mais sozinha. Antes da pandemia ainda ia dar um passeio e dar de comer a uns cãezinhos na minha antiga casa, agora não posso. Tenho de estar sempre aqui em casa”.
Maria Emília Ribeiro
Maria Emília não teve uma profissão, teve sete filhos e dedicou toda a sua vida a cuidar deles e da mãe, que adoeceu. Há 15 anos, quando ficou viúva, ficou a viver com um filho e uma neta. O filho acabou por falecer, tendo acabado por ir viver para a atual casa da filha.
“Desde que faleceu o meu filho é que me sinto mais sozinha. Antes da pandemia ainda ia dar um passeio e dar de comer a uns cãezinhos na minha antiga casa, agora não posso. Tenho de estar sempre aqui em casa”, lamenta.

Sem visitas de forma a protegê-la, a família vai usando as tecnologias, que têm tido um papel relevante para evitar o isolamento. “A minha família vai ligando, só vêm aqui para trazer alguma coisa e sempre de máscara. A minha neta vinha dormir muitas vezes comigo e agora não pode”, recorda.
Movimentos que contrariam o isolamento
Sílvia Alves Silva, atualmente coordenadora do Centro de Apoio ao Cuidador Informal (CACIL) da SCML, já esteve em contacto com diversas realidades. “No âmbito da Ação Social, como é óbvio, aparecia todos os tipos de situação, mas também muitas situações de idosos. Denúncias de idosos em abandono, em isolamento, situações de carência económica, problemas de saúde, ausência de retaguarda familiar e, aí, foi onde tive uma experiência maior ao nível dos idosos”, refere.
No momento atual, na coordenação do CACIL, “também temos contacto com os idosos, porque grande parte dos cuidadores estão relacionados com problemas de saúde inerentes ao envelhecimento”.
Durante a experiência, foi encontrando situações de isolamento sénior, quer na ação social, quer ao nível dos cuidadores. “O que encontramos é o cuidador com a pessoa idosa e o que verificamos são muitas situações que não têm retaguarda familiar. No nosso concelho, e comparando com algumas situações dos contextos mais urbanos, aqui na nossa área geográfica, ainda existe uma boa rede familiar e de socialidade, mesmo de vizinhança, diminuindo as situações de isolamento”, acredita, reforçando que, mesmo assim, continua a existir.
“Os idosos estão mais tristes, precisamente pelo corte de relações de maior proximidade. Mesmo os cuidadores, que alguns deles já são idosos, sentem este isolamento, diminuíram as suas rotinas, as saídas, para proteger a pessoa cuidada. Tem tido um impacto grande em termos emocionais e psicológicos.”
Sílvia Alves Silva
Com a pandemia, “os idosos estão mais tristes, precisamente pelo corte de relações de maior proximidade. Mesmo os cuidadores, que alguns deles já são idosos, sentem este isolamento, diminuíram as suas rotinas, as saídas, para proteger a pessoa cuidada. Tem tido um impacto grande em termos emocionais e psicológicos”, alerta a coordenadora.
Em Lousada, os idosos têm diversas respostas sociais que podem recorrer em caso de isolamento, como é exemplo o Movimento Sénior, Centros de Dia e Apoio ao Domicílio. As situações mais recorrentes de isolamento são aquelas “em que os idosos começam a perder capacidade e funcionalidade, que deixam de estar capazes de viver autonomamente sozinhos”, reflete.
Com o mercado de trabalho “mais complexo”, as vidas dos familiares “acabam por ter vidas mais ocupadas” e “verificam-se algumas situações em que os filhos não conseguem dar o apoio que seria necessário aos pais ou situações em que já havia conflitos na família, há muitos anos, e esses conflitos mantêm-se e não há retaguarda familiar”, lamenta.

Para os mais velhos, a SCML tem a Comissão Integrada para o Idoso e Adulto Dependente (CIIAD), nasceu em 2009 e resultou do trabalho da Rede Social de Lousada e da parceria próxima entres as entidades com responsabilidade social no concelho, que tem como missão apoiar as pessoas idosas e adultos dependentes, com o desafio de envolver a comunidade, numa responsabilidade partilhada.
A CIIAD potencia os recursos existentes na comunidade e dinamiza ações próximas dos cidadãos, privilegiando as áreas de intervenção dos direitos e apoios aos idosos e adultos dependentes. Intervém a pedido de outras entidades no sentido de efetivar os direitos em situações de risco e fragilidade ao nível da segurança, saúde e bem-estar.
Às entidades parceiras desta Comissão pertencem a Segurança Social, a Câmara Municipal de Lousada, o Agrupamento de Centros de Saúde – Tâmega e Sousa III, a Associação de Desenvolvimento e Apoio Social de Meinedo – ADASM, o Centro Social e Paroquial de Lustosa, a Associação de Solidariedade Social de Nespereira, o Complexo Social de Lousada, o Centro Social e Paroquial de Sousela e a AVE Cooperativa Intervenção Psico-social (ACIP).
O que fazer em caso de isolamento:
- Peça ajuda: assegure-se que pede ajuda e fala sobre o que precisa para se sentir seguro e confortável, como medicamentos e compras.
- Tome rigorosamente a medicação: tenha atenção e tome apenas a medicação que lhe foi prescrita conforme a sua situação de saúde
- Mantenha o contacto com familiares e amigos: falar com pessoas de quem gosta ajuda a reduzir a solidão e o aborrecimento.
- Realize atividades de que gosta e relaxe: veja os seus programas preferidos e faça o que mais gosta, sempre em segurança.
- Fale com profissionais: são várias as linhas de apoio disponíveis para conversar. A linha do Cidadão Idoso, da Segurança Social, permite-lhe fazer uma chamada gratuita durante os dias úteis, através do 800 20 35 31.
Se é familiar de um idoso isolado:
- Ligue-lhe regularmente: converse com ele e encoraje-o a ligar também.
- Mobilize pessoas próximas para lhe oferecer companhia: mesmo à distância, podem ser uma forma fundamental de bem-estar para o cidadão isolado.
- Torne disponíveis e acessíveis meios de comunicação: com a situação pandémica, a tecnologia tornou-se fundamental e pode facilitar a manutenção do contacto social entre o cidadão e os seus próximos.