A opinião de Pedro Araújo
Escrevi, em maio, um texto de opinião intitulado “Elogios em tempo de pandemia”, no qual, resumidamente, elogiava toda a gente pelo seu comportamento na primeira fase da pandemia causada pela Covid-19: a população em geral, todos os profissionais que, direta ou indiretamente, tinham contribuído para o bom desempenho do nosso país, os políticos do governo e os da oposição, procurando demonstrar que o envolvimento de todos tinha sido um fator decisivo do sucesso português.
Vejo-me, agora, obrigado a criticar, pelo mesmo sentido de responsabilidade e de justiça, algumas das figuras que elogiei em maio e que nesta segunda vaga da pandemia não têm estado à altura das suas responsabilidades.
Começo por condenar a atitude de todos quantos aproveitaram as exceções decretadas pelo governo/DGS para circular e contactar com outras pessoas muito para além do que era estritamente necessário. No entanto, a população é a mesma que respeitou integralmente o confinamento de março/abril/maio de 2020, que tão bons resultados deu.
Claro que, passados nove ou dez meses, muita gente está já cansada das restrições, ao que deve somar-se o grupo daqueles que entendem que a vacinação rapidamente nos vai devolver a antiga normalidade. É possível que estes dois fatores possam explicar algumas modificações, para pior, no comportamento geral da população em relação às restrições necessárias para enfrentar a pandemia.
Ainda assim, quem tem o poder de decidir deveria ter considerado, em tempo útil, os dois pressupostos que apresentei, prevendo, como é óbvio, que o cumprimento das restrições ficaria muito abaixo do que aconteceu no primeiro confinamento. É mais aceitável que a população em geral tenha abusado das exceções, do que os decisores não terem previsto que isso iria inevitavelmente acontecer.
Mas mais grave ainda, é que perante números/dados estatísticos que apresentam Portugal como o país com mais novos casos de infeção do mundo (por 100 mil habitantes), ainda não se tenha percebido que, apesar dos custos económicos e educativos que possam existir, o país tem de ir já para confinamento total. Hoje morreram 218 pessoas só por causa da Covid-19 em Portugal. Hoje continuamos acima dos 10.000 novos infetados no nosso país. Ontem houve Conselho de Ministros. Estes números estavam anunciados há, pelo menos, uma semana pelos epidemiologistas. Trata-se de salvar vidas!!! Não é hora para pensar em questões económicas ou educativas, que seriam muito válidas em muitos outros contextos, mas neste não. Não há argumento educativo ou económico que justifique as mortes que estão a verificar-se.
Na minha opinião, as decisões de ontem do Conselho de Ministros explicam-se pelo excessivo peso da Economia e das Finanças num governo que se diz de esquerda, em contraponto com a Educação e a Saúde que parecem menosprezadas. E não é de agora. O problema é que agora se nota mais e tem consequências muito mais dramáticas.
Noutro artigo meu, publicado pel´ “O Louzadense” em julho de 2019, afirmava que o governo de António Costa tendia a “desvalorizar as pessoas e a sobrevalorizar os resultados económicos”, o que o aproximava de tendências liberais, contrariando o ideário socialista que deveria nortear a sua atuação.
São precisamente esse mesmo desequilíbrio e essa mesma tendência que explicam as opções tomadas ontem. Sentiu-se o peso excessivo da Economia e das Finanças e a falta de influência da Ministra da Saúde e a subserviência cega do Ministro da Educação. Como é evidente, Portugal é um país pobre e pequeno.
Mas por isso mesmo é que se impunha já um confinamento total e concentrado no tempo (até ao Carnaval, por exemplo), para que depois pudéssemos todos retomar a nossa vida aos poucos e recuperar o país também aos poucos. Aliás, o ensino à distância proposto pelos especialistas nos últimos dias, a partir do sétimo ano e até ao ensino superior, não teria impactos económicos significativos e teria, por outro lado, fortes impactos sanitários e sociais, pois levaria a que milhões de pessoas ficassem em casa.
A questão da Saúde também é dramática. A Ordem dos Médicos divulgou ontem um documento chamado “Grito de Alerta Pelos Doentes”. Onde estão o Ministro da Educação e a Ministra da Saúde?
Como querem que a população em geral perceba as restrições em relação aos passeios ao ar livre ou em relação a pequenos comércios, se nas Escolas continuam a entrar milhares de alunos todos os dias, obrigando, por exemplo, a uma logística de transportes que, entre transportadores e transportados, envolve milhões de pessoas? Como querem que o SNS ou o nosso sistema nacional de saúde aguentem nas próximas semanas, se os últimos números mostram um crescimento gradual dos casos de Covid-19 nos adolescentes e jovens?
Não seria mais avisado passar todos os alunos mais velhos (a partir dos 13 anos) para o ensino à distância e permitir o funcionamento de alguns pequenos negócios de rua que recebem uma, duas ou três pessoas de cada vez? Ou não seria preferível um confinamento total de três ou quatro semanas do que este confinamento parcial por tempo indeterminado?
Até para os propósitos economicistas e financeiros do Governo estas duas alternativas poderiam ser mais interessantes… Parece-me que se utilizam muitos critérios políticos nestas decisões e poucos critérios de racionalidade. Parece-me que há mais voluntarismo na adoção de medidas do que preocupação com a eficácia, com a eficiência e com a efetividade dessas mesmas medidas.
Sou completamente a favor da iniciativa privada no que à produção de riqueza diz respeito. Sou defensor acérrimo do ensino presencial e das suas vantagens em relação ao ensino à distância, que vejo apenas como uma solução de recurso para situações como esta. Mas este não é o tempo para usar argumentos económicos ou educativos. Este é o tempo de tomar medidas drásticas e com efeitos imediatos. Este é o tempo da lucidez e da coragem. Quanto mais tempo demorarem, mais tempo irá durar esta verdadeira tragédia em que a pandemia se transformou no nosso país.