Quebrar barreiras: a luta pela inclusão

Já pensou como seria deslocar-se de cadeira de rodas e encontrar um passeio cheio de automóveis estacionados? Já pensou como seria ser invisual e não conseguir atravessar uma passadeira por falta de sinais sonoros? O respeito e a sensibilidade perante a fragilidade de um deficiente, motor ou invisual, são atitudes nem sempre cultivadas em Portugal. Embora a lei obrigue a criação de acessibilidades físicas, nem sempre acontecem.

São deficientes, residem em Lousada e são desafiados, todos os dias, a lutar contra a falta de acessibilidades, principalmente físicas, que a sociedade lhes impõe. Seja uma passadeira deslocada, um obstáculo no passeio ou uma escada, que chega mesmo a impedi-los de entrar.

Casa nem sempre adaptada, pouco dinheiro para suprir as despesas de saúde, pouca ajuda e barreiras arquitetónicas nos percursos e no interior dos edifícios impedem as pessoas com mobilidade reduzida de usufruírem de uma vida mais plena. As deslocações e a mobilidade no interior de hospitais, de edifícios públicos, de supermercados e de centros comerciais podem tornar-se verdadeiros tormentos ou revelar-se mesmo impraticáveis.

José Marques tem 46 anos, é cego e trabalha num edifício público que já foi adaptado para garantir a acessibilidade de todos. Com apenas um ano, José deixou de ver de um dos olhos, ficando com visão apenas no outro. Aos 12/13 anos, devido à doença, ficou totalmente cego.

Devido às dificuldades no ensino, José foi inscrito no Instituto de S. Manuel, no Porto, durante dois anos. A frequência dessa escola permitiu a José Marques ter uma reabilitação e uma boa adaptação, terminando lá o 4.º ano, com 16 anos.

José Marques

No ano seguinte, regressa a Lousada, onde frequentou o Ciclo e o Liceu. “No ciclo, a adaptação não foi má, porque já conhecia aquele espaço como a palma da minha mão, porque o meu avô morava ali e quando via brincava muito junto àquele lugar”, lembra.

No que diz respeito à via pública, José recorda que “as dificuldades de um cego não são as mesmas de uma pessoa com cadeiras de rodas, de um surdo ou de um daltónico”. Dessa forma, refletindo sobre as suas dificuldades, explica que a “autarquia teve o cuidado de, há uns tempos, colocar sinais sonoros nos semáforos, que ajuda muito”.

As grandes dificuldades estão nos sítios “que são muito movimentados, que não têm sinais sonoros e as passadeiras não estão bem assinaladas ou colocadas, porque junto à minha casa tem uma passadeira que está muito mal colocada e temos de ter muito cuidado para não sermos atropelados”, lamenta.

“Não sinto confiança, porque é complicado atravessar ruas muito movimentadas e há obstáculos que me tiram totalmente a confiança, como é exemplo aqueles passeios em que os arbustos das casas estão a tapar uma parte do passeio e até com silvado.”

As passadeiras, embora pareçam estar bem para as pessoas com cadeira de rodas, “não estão bem para os cegos”, lembra José Marques, referindo que muitas vezes nem sabe onde as encontrar, “porque não há piso tátil nenhum que me indique que ali há uma passadeira”. 

“Não sinto confiança, porque é complicado atravessar ruas muito movimentadas e há obstáculos que me tiram totalmente a confiança, como é exemplo aqueles passeios em que os arbustos das casas estão a tapar uma parte do passeio e até com silvado”, alerta, lembrando que os cegos se guiam pelos muros e que acabam picados ou molhados por esses obstáculos.

A existência de obstáculos nos passeios condiciona a utilização plena pelas pessoas de mobilidade reduzida

José Marques trabalha num espaço público, na Biblioteca, e, aí, sente-se confortável e desloca-se com facilidade. Porém, nos espaços públicos que não conhece, para sua comodidade leva um acompanhante e faz uso da Lei do Atendimento Prioritário.

Um exemplo são os serviços sociais, explica, onde “entramos e aguardamos, tirando um bilhete com o número. Por norma, nesses serviços, não há áudio-descrição, ou seja, tem um ecrã que dá sinal de mudança de número, mas não indica qual é”. 

Existem já algumas ferramentas e aplicações pensadas para ajudar as pessoas cegas a moverem-se de um local para o outro nos transportes públicos. No entanto, por avarias ou até por incomodarem as pessoas que não precisam, não estão em funcionamento.

Vida sobre rodas

O respeito e a sensibilidade perante a fragilidade de um deficiente motor são atitudes nem sempre cultivadas em Portugal. Prova disso, é o lugar de estacionamento destinado a pessoas com deficiência estar ocupado por alguém que não necessita.

Miguel Oliveira tem 43 anos e nasceu com paralisia cerebral devido ao parto. Aos oito anos, teve a sua primeira cadeira de rodas e, hoje, utiliza uma cadeira elétrica. Uma das grandes dificuldades, ao longo do período escolar, foram as barreiras arquitetónicas, uma vez que a Escola Primária que frequentou localizava-se no edifício onde é hoje a Sede da União de Freguesias de Cristelos, Boim e Ordem. Para ir às aulas, Miguel precisava de ajuda para entrar na escola e, explica o pai Paulo Oliveira, tinha de ser levantado “a peso”.

Miguel Oliveira

“A minha mãe precisava de ir à escola oito vezes por dia, ia levar-me, dar-me o pequeno-almoço, ia buscar-me, ia levar uma máquina de escrever adaptada, entre outras coisas”, conta Miguel Oliveira.

Desde muito cedo, Miguel andou em viagens entre o Hospital Maria Pia, no Porto, e Lousada, que, na altura, demoravam cerca de 1:30 horas. Entre os vários tratamentos, até a acupuntura tentaram, em Chaves. “A família fez tudo o que podia. Para resumir: gastamos o que tínhamos e o que não tínhamos”, recorda o pai.

“Há coisas tão simples que podiam ser mudadas. Se quiser ir ao banco na vila, só consigo ir a um.”

Relativamente às barreiras que encontra na rua, considera que os passeios estão “bons”, mas isso não invalida outras barreiras que surgem. “Há coisas tão simples que podiam ser mudadas. Se quiser ir ao banco na vila, só consigo ir a um”, lamenta.

No entanto, Paulo Oliveira considera que o mais preocupante é o que ainda se continua a fazer. “Desde 2004, as autarquias são obrigadas, por lei, a destruir as barreiras arquitetónicas e, ainda hoje, se fazem barreiras. Se fizermos uma visita a estas novas construções que estão a fazer no centro da vila, é uma percentagem mínima os estabelecimentos que têm possibilidade para entrar uma cadeira de rodas. Se formos tomar um café, eu entro e ele fica cá fora, não consegue entrar”, expõe.

Numa ida à Conservatória, Miguel e o pai solicitaram o uso do elevador que, com o peso, parou e Paulo Oliveira teve de transportar Miguel “às costas” o que restava do percurso em escadaria.

“Toda a gente gosta de ir visitar os seus ente-queridos ao cemitério e o Miguel, se quiser ir à campa dos avós, não pode, porque tem um degrau. Já pedimos ao Presidente de Junta e disseram que iam colocar uma rampa”, manifesta.

A garantia de acessibilidade constitui uma condição fundamental para a qualidade de vida das pessoas, sendo imprescindível para o pleno exercício dos direitos e dos deveres que são conferidos a qualquer membro de uma sociedade democrática no exercício da sua cidadania.

Piso dos acessos ao Sr. dos Aflitos sofreu alterações para permitir passagem de cadeira de rodas

Autarquia desenvolveu Plano Local de Promoção da Acessibilidade

Em 2012/2013, o Município desenvolveu o Plano Local de Promoção da Acessibilidade, no qual foi feito um diagnóstico das barreiras do espaço público, edificado, transportes, informação e comunicação e infoacessibilidade (novas tecnologias de informação e comunicação), analisando casos concretos e propostas para medidas de intervenção.

O acesso às casas de banho públicas ainda não está adaptado

Desse plano, foi criado o Manual de Orientações Técnicas de Acessibilidade e Mobilidade, assim como realizadas ações de formação para os técnicos e ações de sensibilização nas escolas.

Em 2016, foi desenvolvido em parceria com a CIM T.S. o PAMUS – Plano de Ação de Mobilidade Urbana Sustentável, que “implicitamente se interliga com esta temática, tendo contribuído para uma redução de uma das barreiras com maior impacto no nosso país, a ausência de passeios”, afirma Manuel Nunes, vereador responsável pelos pelouros do Transporte, Mobilidade e Trânsito e Gestão, Conservação e Manutenção de Equipamentos Públicos e Espaço Urbano. Através do PAMUS foram construídos, até ao momento, cerca de 11 quilómetros de passeios um pouco por todo o concelho, nomeadamente nas freguesias da Ordem, Sousela, Meinedo, Torno e Silvares.

A colocação de rampa no Edifício dos Serviços Técnicos foi uma das medidas da autarquia

Desde 2017, “estamos a implementar o PARU – Plano Ação de Regeneração Urbana, eliminando barreiras e construindo mais passeios, no centro urbano e nas freguesias: Silvares, Torno, Boim, por exemplo”, reforça.

Desta forma, são já cerca de 20 quilómetros de passeios construídos desde 2016. De ações pontuais, “destacam-se correções como rebaixamentos de passeios nos acessos a passadeiras existentes, remoção de barreiras (ex. algumas árvores – Estrada da Bota), colocação de corrimão nas escadas junto ao Posto de Turismo e eliminação de degraus no Monte do Sr. dos Aflitos (acesso ao Bispo), para construção de rampa”.

“Temos procurado que nos nossos projetos sejam garantidas as condições de circulação em passeios, muitas das vezes criar passeios onde não existem ou então alargá-los. Iniciamos o processo de colocação de pavimento tátil nos acessos às passagens para peões, assim como melhoramos os rebaixamentos no acesso às mesmas”, garante, ressalvando que “é um trabalho contínuo, que tem que ser executado de forma faseada, e por isso força-nos a priorizar intervenções”.

Lembrando que todos os projetos do município “têm a componente das acessibilidades bem evidenciada”, o vereador salienta que estão em curso projetos que criem melhores condições para todos, nomeadamente “o projeto em curso da construção da rede de percursos pedonais na Variante Urbana (desde a Rotunda da Juventude à Rotunda da Liberdade) com a criação de passeios amplos, com pavimentos confortáveis e contínuos, num eixo primordial do nosso concelho. Estamos também, em parceria com a Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa, a reestruturar a rede de transportes públicos de passageiros, que inclui vertentes como: as condições da frota e um sistema de bilhética integrado”.

A colocação de árvores no passeio, na Avenida da Variante, em Boim, não permite a passagem de uma cadeira

Relativamente às árvores que, por vezes, acabam por ser barreiras nos passeios, o vereador acredita que “tudo tem o seu espaço, desde que no sítio certo”, sinalizando a Avenida Cidade de Tulle, onde “alargamos os passeios, criamos baias de estacionamento, criamos caldeiras, houve uma organização harmoniosa e funcional do espaço, com uma forte componente paisagística e inclusiva. Os passeios são amplos, o pavimento é confortável, as passadeiras são acessíveis e o mobiliário urbano, assim como as árvores têm um espaço dedicado”.

“Lousada é um concelho cada vez mais inclusivo e tem vindo a trabalhar continuamente nesta área e creio que as mudanças são notórias. Temos vindo a projetar espaços para Todos. Estamos certos de que muito ainda há para fazer, nesta área e na área da mobilidade que tão bem se relacionam, mas também é certo que o caminho se faz caminhando e que para os resultados surgirem é necessário tempo para implementar medidas e estratégias”, termina.

ERRATA:

Ao contrário do que foi descrito na edição 41 do Jornal ” O Louzadense”, no dia 22 de janeiro de 2021, a Sede da União de Freguesias de Cristelos, Boim e Ordem já adaptou a entrada de cadeiras de rodas e pessoas com mobilidade reduzida.

Agradecemos a compreensão dos nossos leitores e pedimos desculpa pelo transtorno causado.

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