por | 17 Fev, 2021 | Opinião

“Há, nos confins da Ibéria, um povo…”

Por João de Sousa – militante da JS

Já passou tanto tempo desde que fomos confinados a primeira vez que se torna difícil colocar em perspetiva esse tempo. Foi há quase um ano. Foi há um ano que, quase por vontade própria, nós portugueses nos fechamos em casa.

Ninguém se lembra, mas, há um ano, quase nem foi preciso Estado de Emergência para nos fecharmos. Quisemos ser o modelo para os outros países. E fomos. Batemos palmas, cantamos o hino nas varandas, agradecemos a todos os profissionais de saúde e dissemos que ia tudo ficar bem. Há um ano, escrevi de Lousada para o resto do país, numa tentativa de sensibilizar o país da realidade que íamos viver nos meses seguintes.

Um ano depois, estamos num Estado de Emergência com confinamento declarado, mas já ninguém bate palmas ou canta o hino. Agora abrem-se restaurantes à revelia e canta-se a Vila Morena. Agora a rua está cheia de trânsito, embora a maior parte das lojas estejam fechadas.

Podemos colocar as culpas disto nos portugueses, esse povo que “não se governa nem se deixa governar”. Podemos, mas seria altamente demagogo. Ao longo do último ano vimos crescer ondas de desinformação, como os recentemente desmontados “Médicos Pela Verdade”. Vimos as redes sociais encherem-se de falsa informação ou informação deturpada. Mas vimos, acima de tudo, um povo que, hoje, não se quer deixar governar como se deixou há um ano, porque, no espaço de um ano, viu aqueles que o governam emaranhados em casos atrás de casos que colocam a confiança neles em causa.

No início deste confinamento, foi bradado por quase todo o português que as escolas se fechassem, coisa que o Governo não quis fazer. Lá acabou por dar o braço a torcer perante as informações dos epidemiologistas. Há um ano, o país teve que se adaptar em grande velocidade a uma realidade de ensino à distância.

Aulas pela televisão, distribuição de material informático a alunos economicamente fragilizados, adiamento de exames. Hoje, um ano depois, e voltados ao ensino à distância, o que transparece é que existiu uma inação para assegurar que, caso voltássemos a este modelo, poucos seriam os entraves.

Alunos que têm de ter aulas no carro, porque têm de se deslocar para ter receção de internet, professores na mesma situação, professores que nem na própria escola conseguem ter acesso a material informático que lhes permita lecionar. Professores que, sendo uma classe envelhecida, não veem a sua carreira ser declarada como de risco.

No espaço de um ano, foi descoberto que um Procurador Europeu provavelmente não o devia ser e um estrangeiro foi torturado e morto às mãos de agentes portugueses. Confrontados com isto, ambos os casos foram desvalorizados. A nível europeu, avançamos com ataques de uma suposta cabal para nos enfraquecer.

Em Portugal, Marcelo nem sequer se dignou a falar com a viúva, mas fez questão de se despedir de Fátima Lopes que ia abandonar a TVI.  O SEF está a ser alvo de uma “reestruturação profunda” onde a antiga diretora, que se demitiu por causa do homicídio, foi contratada para assessora do novo diretor.

Entretanto, começou a vacinação. Finalmente, uma luz ao fim do túnel. Não é o início do fim, é o fim do início como muitos nos tentam avisar. Na época do Natal, profissionais de saúde começaram a ser vacinados, a seguir os idosos nos lares.

Pelo meio, o presidente de um lar e funcionários da Segurança Social também foram sem fazerem parte desta fase de vacinação, e umas quantas doses foram deitadas fora. O plano de vacinação, embora esteja acima da média europeia – como tentou, fracamente, mostrar o grupo parlamentar do PS -, está a ser feito com polémicas suficientes para que grupos de “Jornalistas Pela Verdade”, ou qualquer outra profissão pela verdade, ganhe palco.

Ao fim de um ano, o sistema governativo nutriu um nível de confiança e respeito dos portugueses que nos tem de fazer considerar a forma como este confinamento está a ser respeitado.

Temos, contudo, uma Ministra da Saúde que tem dado tudo o que tem e não tem no controlo e gestão da pandemia. Tem lutado em dezenas de frentes diferentes e, melhor ou pior, tem conseguido manter um sistema nacional de saúde notoriamente frágil a funcionar.

Nem sempre tem estado certa, dificilmente alguém o está, muito menos na situação em que vivemos. Mas tem tido, acima de tudo, um controlo que é de gabar. Perante uma Direita que decidiu classificá-la de “criminosa” e um candidato presidencial que colocou nela o ónus da culpa das mortes por Covid, Marta Temido tem sido a cara e mão da luta contra a pandemia.

Podemos dizer que o povo português “não se governa, nem se deixa governar”. Mas há um ano, o povo português foi o primeiro a governar-se. Um ano depois, e com vários episódios de desgoverno por parte de algumas figuras, não nos podemos admirar que ninguém se queira deixar governar.

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