Desde sempre que os livros contam histórias de heróis, homens conquistadores, inventores e pioneiros e, atrás desses homens, pode até ter havido algumas mulheres. No entanto, existiram outras que se recusaram a ficar na sombra e lutaram pelos seus direitos. Na semana em que se celebra o Dia Internacional das Mulheres, a oito de março, conhecemos três mulheres lousadenses que lutaram pelo seu lugar e por aquilo que as faz feliz.
Não há muito tempo, as mulheres não podiam participar nas competições de desporto, não tinham cargos de poder e tinham profissões intituladas “apenas para mulheres”. Desde a Implementação da República à Revolução dos Cravos, têm sido várias as associações e feministas que lutam pelos direitos das mulheres. Durante o Estado Novo, esse ativismo foi silenciado, mas as protagonistas não desistiram. Mas são ainda muitos os percursos esquecidos e por conhecer.
O Ano Internacional das Mulheres foi proclamado, pelas Nações Unidas, em 1975, tendo-se seguido a Década das Nações Unidas para as Mulheres. Neste mesmo ano, realizou-se a “I Conferência Mundial Sobre as Mulheres”, na Cidade do México, na qual Portugal esteve representado através de um grupo de trabalho da Comissão para a Condição Feminina (CCF), atualmente Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG).
Fernanda Alves, 50 anos, é professora de saxofone e, ao mesmo tempo, é Diretora Pedagógica do Conservatório do Vale do Sousa, desde 2003. “A minha vida foi dando muitas voltas. O meu pai sempre teve a ideia de nos dar a formação em tudo e mais alguma coisa. Achava que tínhamos de estar na escola, de ter música, ter formação em computadores. No fundo, eu até gostava de muita coisa”, comenta.

“Ser professora foi um complemento à carreira que tinha enquanto músico. As atividades complementam-se, porque continuo a achar que um bom músico se tiver uma grande atividade musical consegue influenciar os seus alunos e, ao mesmo tempo, ensinar”, acrescenta.
Inicialmente, quando começou a carreira na música e, nomeadamente, na Banda de Música, “eram sempre muito poucas raparigas, sempre me vi no meio dos homens. E sempre fui muito acarinhada, nunca tive qualquer problema. Aliás, no 9.º ano, até tirei um curso de eletrotecnia”, brinca.
Chegar a um cargo de poder, “foi um desafio em espírito de missão”, explica, “porque a escola estava a passar um período menos bom. Mas foi um bocadinho sem querer. Nem estava nos meus projetos e objetivos. Preferia dar aulas a estar enfiada num gabinete”.
“Há muitos preconceitos que acabam por ser aspetos culturais, vivemos numa sociedade em que esta diferença está muito vincada.”
Fernanda Alves
Fernanda acredita que depende de cada um chegar ao que deseja. “Se as pessoas forem aceites nos cargos e nas suas profissões só porque são empenhados e bons trabalhadores, acho que isso será o ideal. Apesar de que, acho que a sociedade está tão formatada nestas desigualdades que vão sempre pôr dúvidas”, lamenta.
“Há muitos preconceitos que acabam por ser aspetos culturais, vivemos numa sociedade em que esta diferença está muito vincada. Nos próprios textos das bíblias, por exemplo, que são documentos essenciais na nossa cultura, isso está muito vincado. Que a mulher deve ser submissa e isso está de tal forma na nossa sociedade que é difícil mudar”, reflete.
Para atingir a igualdade, a professora acredita que falta “respeito, que é o princípio e valor fundamental. As mulheres têm de ser fortes. Não se menosprezar, não duvidar do valor que têm. Têm de ser fortes. Os homens sempre dominaram tudo por causa da força. No geral, as mulheres são capazes de fazer muitas coisas ao mesmo tempo.”
A mulher no desporto
As Nações Unidas começaram a celebrar o oito de março como o Dia Internacional das Mulheres, que simboliza a vontade de promover a igualdade entre mulheres e homens a todos os níveis da vida cívica, política, económica, social e cultural.
Em dezembro de 1977, a Assembleia Geral da ONU adotou uma resolução que proclamou um Dia das Nações Unidas para os Direitos das Mulheres e para a Paz Internacional a ser celebrado nos Estados Membros num dia escolhido de acordo com as suas tradições nacionais. Para a ONU, o dia é comemorado a oito de março, celebração esta a que Portugal se associou desde 1975.
Carla Nunes, 24 anos, é treinadora e fundadora da modalidade de atletismo na Associação Desportiva de Lustosa (ADL), desde 2015, e atleta, juntamente com a irmã, que também é licenciada em Desporto.
“Desde sempre que adoro desporto, não só o atletismo. Naquela altura, como a minha irmã também gostava muito de correr, sugeriu que nos inscrevêssemos num clube de atletismo para levar as coisas mais a sério. Até nem ligava muito, mas a paixão foi aumentando ao longo do tempo”, revela.

Das conquistas como atleta recorda uma “há cinco anos, que estava na minha melhor forma, que fui 5.ª classificada no nacional e 5.ª classificada no Corta-Mato de Apuramento para o Campeonato Europeu”.
Como treinadora, “todos os anos, em todas as provas, temos sempre pelo menos uma criança ou duas que sobem ao pódio. Mas uma das maiores conquistas, foi a minha irmã, que em 2018 foi vice-campeã nacional de Corta-Mato e, nesse mesmo ano, uma atleta foi 3.ª classificada no Corta-Mato escolar nacional”.
O desporto é uma meta longínqua para a igualdade de género, ainda dominado pela discriminação e pelos estereótipos. Será que as mulheres algum dia vão vencer a corrida pela igualdade no desporto? Por enquanto, apenas 30% dos desportistas federados em Portugal são mulheres.
“Se formos fazer uma competição de 10 quilómetros de estrada, existem prémios monetários. O prémio para as mulheres é sempre, ou 90% das provas, menor que o dos homens.”
Carla Nunes
“Infelizmente, em pleno 2021, ainda existem algumas diferenças entre homens e mulheres. O exemplo mais estrondoso é nos prémios. Se formos fazer uma competição de 10 quilómetros de estrada, existem prémios monetários. O prémio para as mulheres é sempre, ou 90% das provas, menor que o dos homens. Nunca percebi isso se correm os dois a mesma distância, têm os dois o mesmo mérito”, lamenta. Por isso, nas corridas organizadas pela ADL, tentam que isso não aconteça.
Uma outra situação que a incomoda, e que acredita não se conseguir mudar de um dia para o outro, é: “eu e a minha irmã vamos a correr na rua, se for um homem está tudo bem, se estiver calor e formos de calções não nos livramos dos piropos, apitadelas e essas coisas que incomodam. Infelizmente, acontece quase todas as vezes em que vamos correr para a rua”.
Para a jovem, “este é um dia bastante importante que marca as conquistas que todas tivemos até hoje e acho que é um dia que deve ser celebrado. E deve ser um direito de todas as mulheres celebrá-lo”.
A mudança, considera, “deve começar pela educação que os pais dão aos filhos e filhas desde pequenos que não existem coisas para homens ou mulheres. Que o futebol não é para homens e o ballet para as mulheres”.
“Gostava que pensassem que não é um género ou a ligação de um género a uma modalidade que deve ser um entrave para elas praticarem o que elas gostam. Se gostam de futebol, joguem. Se gostam, façam. Não interessa o que os outros pensam, o que os outros dizem. O que interessa é o que nos faz feliz”, acrescenta Carla Nunes, numa mensagem dirigida às meninas que queiram seguir os seus sonhos.
A mulher na “profissão para homens”
Nos dias que correm, já é frequente ver-se uma mulher a exercer profissões que continuam a ser associadas aos homens e a que poucas mulheres têm acesso. Se, antigamente, o mundo laboral era constituído por homens e as mulheres ficavam responsáveis pela casa, hoje não é assim. Se trabalham lado a lado e cuidam da casa juntos, faz sentido continuarem a existir diferenças salariais no final do mês?
Rosa Mendonça, 39 anos, foi carteira, durante cerca de um ano. Por força de um acidente rodoviário, acabou por procurar outra profissão. Por coincidência, ou não, ingressa na profissão de maquinista do Metropolitano de Superfície do Porto no dia oito de março de 2004, onde se mantém até hoje.
“Sempre fui muito acarinhada pela população, achavam graça ao facto de andar uma mulher de mota a distribuir correspondência. Senti-me sempre muito acarinhada. Ainda hoje é o dia que encontro pessoas dessa fase da minha vida que dizem ‘olha a menina carteira’ ou ‘olha a nossa carteira’. Sempre fiquei conhecida por ser a carteira”, recorda.
Hoje em dia, no Porto “é igual. Numa fase inicial, havia quem achasse engraçado, quem aplaudisse. E havia, mais a parte masculina, que preferia esperar pelo veículo seguinte. Fui das primeiras, acho que a segunda mulher a entrar para a parte da condução”, explica.

Mas continua a ser difícil para uma mulher chegar a um cargo superior: “vejo isso na empresa onde eu trabalho. A nível de maquinistas não somos muitas, mas já somos algumas, mas noto que passar deste patamar para cima, que a ascensão de maquinista para responsável direto ainda há aqui uma resistência”.
São 16 mulheres, no meio de quase 300 maquinistas. “Mas pela lei da paridade, já merecíamos ter uma mulher num cargo de mais responsabilidade. Para poder mandar”, lamenta.
“O que um maquinista masculino recebe por desempenhar a função, exatamente recebo eu por desempenhar a mesma função. Mas sei que há muitas empresas onde as mulheres sentem desigualdade começando logo pela parte salarial.”
Rosa Mendonça
“Acho que é muito desigual, não somos reconhecidas por aquilo que fazemos. Por exemplo, na minha empresa não se nota isso, não há desigualdade salarial. O que um maquinista masculino recebe por desempenhar a função, exatamente recebo eu por desempenhar a mesma função. Mas sei que há muitas empresas onde as mulheres sentem desigualdade começando logo pela parte salarial”, afirma.
Sobre o Dia Internacional da Mulher, considera que é um dia em que “realmente fazem um reconhecimento às mulheres”, mas acrescenta: “por tudo aquilo que ela faz, tudo aquilo que ela desempenha, tem de ser mãe, dona de casa, esposa, trabalha fora de casa. Faz tudo. Acho que não é só um dia por ano, devia ser todos os dias”.
“Ainda há aqui uma grande fronteira, por parte dos homens, que olham para nós como o elo mais fraco. Um pouco de machismo. Olham para a mulher como um ser inferior. Falta reconhecer que é mulher, mas não é por isso que não tem as mesmas qualidades ou capacidades”, afirma.
Às mulheres, deixa a mensagem que as mulheres “devem sempre lutar por aquilo que querem, por aquilo que gostam. Que devem seguir o seu coração e fazerem sempre mais e melhor. É sempre isso que tento fazer e luto pelos meus ideais e pelos meus sonhos”.












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