São diversas as mães e pais que, por diversas razões, têm de desempenhar as duas funções ao mesmo tempo. Numa sociedade que mudou, também a família adotou diferentes e diversas características, sem esquecer aquilo que as une: o amor. Numa semana em que se festeja o Dia da Mãe e o Dia da Família, percebemos que os papéis associados ao exercício da parentalidade também mudaram e de que forma se pode praticar uma parentalidade positiva.
Ana Ferreira, de 49 anos, é mãe a tempo inteiro e tem a guarda total do seu filho, de 16 anos, desde 2016. Ainda uma jovem apaixonada, decidiu casar em 2002. Porém, o casamento não correu como esperava. Aí começaram as surgir as dúvidas: como assumir o fracasso da escolha do seu caminho perante a família, amigos e sociedade e como viver sem a pessoa que tinha escolhido.
“Tantas perguntas que nos surgem, medo do que irá acontecer, do julgamento dos outros, a ansiedade em relação ao futuro que se avizinha. Tudo isso nos paralisa e faz com que muitas vezes não sigamos o caminho que deveríamos. Fiquei grávida e ‘crente’, queria acreditar que tudo iria mudar e melhorar com a gravidez. Mas ninguém muda”, afirma.
Ao contrário do que imaginava, em 2004, quando nasceu o seu filho, “continuou tudo igual”. Por isso, em 2008, saiu definitivamente de casa. “Eu podia ter a vida e viver como eu quisesse, mas não tinha o direito de ‘impor’ essa vida, esse ambiente, ao meu filho”, refere.
“Foquei-me no meu filho, na sua estabilidade, no seu equilíbrio emocional. Como diz uma frase muito vista, durante o mês de abril, ‘serei o que me deres, que seja amor’. Amo o meu filho, com todas as minhas forças, e quando falo do pai dele, por algum motivo, reforço sempre a minha gratidão pelo filho que tenho”, testemunha.
“Ser mãe e pai ao mesmo tempo é um estímulo à nossa resiliência. Não existe um manual de instruções para ser mãe, mas sempre procurei fazer o que o meu coração manda.” – Ana Ferreira
Para Ana, ser mãe e pai ao mesmo tempo é “um estímulo à nossa resiliência. Não existe um manual de instruções para ser mãe, mas sempre procurei fazer o que o meu coração manda. Nunca me canso de lhe dizer o quanto o amo, o orgulho que tenho nele. Quando acredito que errei com ele, assumo o erro e peço-lhe desculpa, trato-o com respeito”.
O apoio da família e amigos é essencial e “muito importante em todos os sentidos, emocional, psicológico, financeiro. São o nosso suporte, a nossa retaguarda, a nossa segurança, o nosso porto de abrigo”, confirma.
Sobre os julgamentos da sociedade, a mãe explica que aprendeu a ser “grata por tudo o que tenho, por quem esteve e está comigo, por quem se cruza no meu caminho nos melhores e piores momentos, e a não fazer julgamentos de qualquer espécie, em relação ao comportamento, decisões, aceitação, realidades de quem quer que seja”.
“Senti-me desprotegida muitas vezes, principalmente no que diz respeito às autoridades, tribunal. Quando procuramos ajuda queremos quem nos oriente, de quem nos diga o que podemos ou temos ao nosso alcance para nos ajudar. Ao invés disso, somos constantemente questionados, julgados, criticados”, lamenta.
Questionada sobre se é possível ser mãe e pai ao mesmo tempo, Ana Ferreira não hesita: “eu sou, por isso, é possível. Temos que definir prioridades, começar do zero, e acreditar que sim, que eu posso, que eu consigo. O meu filho é a minha força. Costumo dizer que é o meu motor, o melhor de mim”.
“O amor que damos aos nossos filhos, a forma como lhe mostramos esse amor, o respeito, o carinho, os limites, as consequências dos nossos atos. Tudo isso me tem ajudado até hoje, peço a Deus que continue assim”, termina.
Parentalidade positiva: práticas e erros comuns
No que diz respeito à melhor forma de educar uma criança, toda a gente tem uma opinião. Com tantas sugestões, ideias e filosofias, não existem respostas certas. Por isso, na semana em que se celebra o Dia Internacional da Família, a 15 de maio, Chatia Cumbo, psicóloga, explica o que é a parentalidade positiva e qual é o seu objetivo.
Segundo a Recomendação do Comité de Conselho de Ministros de 2006, a Parentalidade Positiva é um “comportamento parental baseado no melhor interesse da criança e que assegura a satisfação das principais necessidades das crianças e a sua capacitação, sem violência, proporcionando-lhe o reconhecimento e a orientação necessários, o que implica a fixação de limites ao seu comportamento, para possibilitar o seu pleno desenvolvimento.”

Assim, “se por um lado constatamos a presença de regras e limites, a comunicação positiva também se encontra presente, resultando num aumento da cooperação por parte da criança, uma vez que compreende o propósito dos limites impostos e negociados entre os pais”, refere a psicóloga.
Falar acerca dos erros cometidos pelos pais nem sempre é fácil, no entanto, Chatia Chumbo refere que aqueles a que mais frequentemente assiste na consulta são: “a dificuldade em manter a assertividade nos limites ou reforços negativos colocados, a desautorização entre as figuras parentais, negar os sentimentos negativos por parte das crianças, compensar a ausência através de bens materiais, hiperproteção face ao erro, projeção dos desejos dos pais nas crianças, oscilação entre um estilo educativo autoritário e negligente e mentir às crianças, muitas vezes para evitar a birra e a sua frustração”.
“É importante reforçarmos o comportamento positivo da criança, de forma a promover a continuidade do mesmo, por outro lado a atenção e o afeto são elementos cruciais na prática educativa.” – Chatia Chumbo, psicóloga
“É importante reforçarmos o comportamento positivo da criança, de forma a promover a continuidade do mesmo, por outro lado a atenção e o afeto são elementos cruciais na prática educativa. Estes elementos são a base em qualquer uma das idades, nas crianças mais pequenas a atenção e o afeto são fundamentais para que a criança consiga autorregular as suas emoções e consequentemente o seu comportamento, uma vez que podem ainda não revelar a capacidade de se expressarem verbalmente”, explica.
Quanto aos castigos, a psicóloga afirma que “pressupomos a existência de consequências e não de punições e castigos, uma vez que na parentalidade positiva pressupomos a utilização de uma sequência lógica entre o comportamento desadequado e da consequência”.
E acrescenta: “se uma criança excede o tempo de utilização de tablet imposto pelos pais, no dia seguinte pode ser-lhe retirada a possibilidade de o utilizar; se uma criança se recusa a comer o peixe durante a refeição, não come o gelado que tinha previsto para a sobremesa. As palmadas e qualquer tipo de punição física cria na criança o sentimento de medo, bem como a consciência de que o meio de resolução adequado é a violência, pelo que não é isso que pretendemos, mas sim o diálogo”.
Na parentalidade positiva, deve-se “beneficiar a utilização de reforço negativo ou consequência em detrimento do castigo ou punição. Os limites seguros deverão estar presentes, bem como o reforço positivo e validação do comportamento adequado”, reflete.
Por outro lado, “estes limites e a forma como estes são impostos e o facto de sentir que pode confiar nos pais, provoca na criança a sensação de segurança, permitindo-lhe a exploração de vários contextos, sem que a ansiedade de separação e o medo de perda estejam presentes”, alerta.
Apesar de todos estes pressupostos, “deveremos assumir acima de tudo que a parentalidade é uma aprendizagem constante, pelo que o facto de errarmos deverá contribuir para o aumento da consciencialização e alteração do comportamento, não para uma desistência ou desvinculação que provoque danos a curto e longo prazo na criança”, confirma a psicóloga.