Por José Carlos Carvalheiras
O trocadilho do título desta peça reporta-se à condição profissional do biografado, que era Conservador do Registo Civil, e à sua índole ideológica, que era vincadamente Progressista. Adérito Augusto Gonçalves Guerra nasceu em Figueira de Castelo Rodrigo em 12 de Julho de 1927 e tornou-se lousadense através da residência, da afinidade social e da paixão que desenvolveu por esta localidade, onde foi fundador do PSD.
Adérito Guerra estabeleceu-se em Lousada, por motivos profissionais, em 1969. Foi Conservador do Registo Civil e Predial de Lousada e exerceu advocacia nesta vila.
Foi casado com Maria Helena Monteiro Coelho dos Santos, de São Gonçalo, concelho de Amarante. Tiveram cinco filhos: Maria Helena, Paula Maria, Pedro Jorge, Adérito Augusto e Maria Alexandra Coelho dos Santos Gonçalves Guerra.
Nos tempos de estudante, na Faculdade de Direito de Coimbra, privou com movimentos revolucionário pró-democracia. No seu dizer, “aderi depressa aos ideais das democracias ocidentais”. Participou ativamente na campanha de Humberto Delgado (1956) para Presidente da República.
Recordava que naquela época, isto é, em meados da década de 1950, o Partido Comunista estava muito implantado na luta clandestina contra a ditadura. Mas nunca se considerou comunista. Preferiu enveredar pelos ideais da social-democracia. Essa sua tendência foi consolidada pela admiração que teve por Francisco de Sá Carneiro.
Disse* a este propósito: “foi o exemplo de Sá Carneiro que mais me motivou para aderir á social-democracia”. Decorria a década de 1970 e aquele político entrara como deputado independente para a Assembleia Nacional, onde levantou a voz contra o sistema ditatorial de António de Oliveira Salazar.
“Eu concordava com os ideais de Sá Carneiro, que defendia a democracia política, social e económica”, referiu Adérito Guerra, que nessa época era um “anti situacionista”.
Em 1969 chegou a Lousada para desempenhar as funções de Conservador dos Registos Civil e Predial. “Encontrei uma localidade tradicional e pacífica, onde a generalidade das pessoas aceitava o regime político vigente”, dizia ele*, salvaguardando contudo que “isso se calhar era mais por respeito do que por comodidade ou passividade das pessoas”. Mas salientava*: “não demorei muito tempo a contactar com oposicionistas ao regime, nomeadamente o Dr. Abílio Alves Moreira e o Manuel Mota, dois grandes democratas que eu tive a honra de conhecer e de ser amigo”.

Sorrindo, recorda o Dr. Abílio Moreira, referindo-se-lhe como “uma pessoa extraordinária, com um humor fora de série, era deveras um homem com muita graça, muito justo e democrático”. Quanto a diferenças ideológicas, o advogado dizia que, “sim, ele era uma pessoa mais de Esquerda do que eu, mas ele costumava dizer com toda a razão: somos todos do PPB – Partido das Pessoas de Bem”.
“Também o Manuel Mota era um indivíduo de Esquerda, mas afinal de contas, éramos todos pela democracia e como tal estávamos todos no mesmo galho”, dizia Adérito Guerra*.
“Em 1973, houve aqui um comício do MDP-CDE, nos Bombeiros, que acabou para além da hora marcada e chegou a polícia… Houve pancadaria… esse facto terá contribuído para acicatar os ânimos democráticos em Lousada. Eu não fui a esse comício porque era o Conservador e não era de bom-tom meter-me nisso…”
“Nessa época, a Ação Nacional Popular, estava em grande expansão em Lousada. A maioria dos funcionários públicos aderiu a este movimento; eu não aderi porque não era a favor do sistema de partido único”.
Questionado sobre eventuais represálias, disse que nunca teve problemas com a PIDE, no entanto admitia*: “fiz as minhas birras ao sistema… Olhe, um dia, quando concorri para delegado do Ministério Público, eu tive que assinar uma declaração assumindo-me como pessoa anticomunista e contra todas as ideias subversivas. Assinar, eu?! Não subscrevo nada disso! Mas disseram-me: «Anda lá, assina que até os comunistas assinam!» E pronto eu lá assinei essa tal declaração, que era uma fantochada”.
“Deu-se a revolução do 25 de Abril e fui abordado nesse ano de 1974 pelo Dr. Fernando Vasconcelos, de Paços de Ferreira, para fundar uma delegação do PSD/PPD em Lousada. Era o partido no qual eu me enquadrava e disse que sim, tanto mais que eu era dos poucos que podia desde logo encabeçar o partido em Lousada porque um dos requisitos era nunca ter feito parte da Ação Nacional Popular”, relatou* o Dr. Guerra.
Sobre o seu posicionamento ideológico no atual panorama político-partidário existente em Portugal, Adérito Guerra afirmou*: “hoje estou mais à Esquerda, dentro do PSD, e portanto mais afastado da Direita, isto é, estou mais próximo do Partido Socialista do que do CDS/PP”, acrescentando que “em grande parte, a social-democracia é comum ao PS e ao PSD e por isso estes dois partidos estão ideologicamente mais próximos do que está o PSD do PP”.
Moderado e eloquente, tribuno e conciliador, assim foi Adérito Guerra, o Conservador que a esta terra se vinculou de corpo e alma.
Faleceu em 10 de Setembro de 2008.
* in Os Louzadenses, Vol.1, de José Carlos Carvalheiras (2011)