História e Identidade dos Bombeiros Voluntários de Lousada

Reviver Lousada
Por Pedro Magalhães

Celebra-se este ano o 95.º aniversário da fundação da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lousada. Foi no dia 13 de junho de 1926 que um grupo de insignes lousadenses se reuniu para proceder à sua criação, cujo propósito era claro: criar um corpo de bombeiros para socorrer os habitantes da Vila e do Concelho em caso de incêndio, bem como prestar auxílio à população noutros casos de calamidade, nomeadamente em inundações, desabamentos, terramotos, epidemias e outros infortúnios.

A aspiração já era antiga. Data de 1902 a primeira tentativa conhecida para se fundar uma corporação de bombeiros em Lousada. Apesar de não se ter concretizado, esse anseio manteve-se latente durante vários anos, acentuando-se nas alturas em que ocorriam alguns infortúnios mais graves. Por essas ocasiões, particularmente em casos de incêndio, lamentava-se a inexistência de um corpo ativo que socorresse a população. Situação semelhante viviam as localidades vizinhas que também ainda não tinham os seus bombeiros e que só concretizaram esta aspiração nos anos 20 do século passado: Entre-os-Rios (1923), Marco de Canaveses (1924), Cete (1925) e Freamunde (1928).

Em Lousada, apesar da fundação da Associação Humanitária ter ocorrido em 1926, foram necessários quatro anos para se reunir as condições necessárias para a criação do corpo ativo. Efetivamente, o momento da fundação foi vítima do contexto sociopolítico imposto pela Ditadura Militar, o que fez esmorecer o ímpeto criador dos fundadores. Só em 1929, com o novo Administrador do Concelho, o tenente Eurico Malafaia, se revigorou o propósito de dotar Lousada com uma corporação de bombeiros, tendo este objetivo sido alcançado no ano seguinte. 

No dia 27 de julho de 1930, dia das Festas Grandes (em honra do Senhor dos Aflitos), a Vila rejubilou com a apresentação pública do corpo ativo e do seu material de combate a incêndios, em particular o seu pronto-socorro – o Fargo –, que chegou a Lousada às 13 horas desse dia. Foi um momento emocionante para todos! O Fargo constituía o resultado de um esforço coletivo, representava uma meta alcançada e assinalava o início das funções do corpo de bombeiros, que, nessa altura, se encontrava ainda em fase de instrução. Numa verdadeira demonstração de alegria, organizou-se um cortejo solene pelas ruas da Vila, por onde desfilaram o pronto-socorro e o carro de comando (um Hotchkiss) juntamente com o corpo de bombeiros, acompanhados de duas bandas de música, de 30 escuteiros e das corporações de voluntários convidadas.

Tenente Eurico Malafaia com o Corpo Ativo (c. 1935). Fonte_ AHBVL (Fotografia Orpheu)

Por esta altura, o quartel dos Bombeiros era nos fundos da Assembleia Lousadense (onde hoje funciona o Espaço AJE), que foram arrendados para esse efeito. Aqui se guardavam os equipamentos e as viaturas de serviço da corporação… Este espaço serviu também como salão de espetáculos, exibindo-se aqui várias sessões musicais, teatrais e cinematográficas, cujo principal propósito era a angariação de receitas para comparticipar nas despesas da Instituição.

Só nos anos 40 se começou a erguer um aquartelamento de raiz. Localizado no local onde se situa o atual quartel, o primeiro edifício dos Bombeiros tornou-se numa referência urbanística da Vila. Para além de ser a sede do corpo ativo, era também o lugar de convívio de muitos sócios e ainda o único salão cultural da sede de Concelho, uma função que exerceu até ao final dos anos 70 e que ainda faz parte da memória de muitos lousadenses. 

Este primeiro quartel, por força dos danos provocados por um desabamento em 1951, foi significativamente transformado nos anos seguintes, particularmente na sua fachada. Mais tarde, em 1978, foi totalmente demolido para dar lugar à construção do atual quartel, que foi inaugurado em 1980.

Viaturas da corporação diante do quartel (anos 70)_ Fargo (com o motorista Joaquim Pinto), a 2.ª ambulância da corporação e o jipe Land Rover). Fonte_ Familiares de Augusto Tijolo

No que se refere às viaturas de pronto-socorro, a corporação, até aos anos 50, apenas teve o Fargo ao serviço dos lousadenses. Só em 1956 se adquiriu uma nova viatura: o Austin. Na década seguinte, a Instituição comprou mais duas viaturas: a primeira ambulância (1963) e um veículo todo o terreno, da marca Land Rover (1965). Apesar da subsidiação pública, estas aquisições exigiram um grande esforço associativo e o contributo solidário dos lousadenses. No final dos anos 70 e na década de 80, assistiu-se a um aumento significativo do número de viaturas, particularmente com a aquisição de várias ambulâncias e veículos de combate a incêndios. A corporação estava em franco crescimento, acompanhado a modernização dos tempos.

Numa revisitação ao passado da Associação Humanitária, percebe-se que o cumprimento da missão para que foram criados os Bombeiros de Lousada nos transporta para uma multiplicidade de vivências, que extravasam largamente o âmbito socorrista, e para a ação de um elevado número de pessoas que, direta ou indiretamente, se envolveram na sua atividade ou dela beneficiaram: sócios, dirigentes, bombeiros, benfeitores, artistas, sinistrados, utentes,… São inúmeros acontecimentos e as pessoas que fazem parte da identidade desta Associação. Muitas das suas vivências estão ainda na memória de muitos lousadenses, outras já permanecem na penumbra. Neste sentido, é deveras importante preservar a memória da Instituição e conhecer a sua História, resgatando-a do esquecimento e dando-a conhecer aos seus sócios, aos lousadenses e ao público em geral. A publicação da obra Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lousada: História e Identidade, publicada no âmbito das comemorações do 95.º aniversário, procura cumprir esse desiderato.

Comentários

Submeter Comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artigos recentes

Da prestigiada Fazenda Pública à decadência da Repartição de Finanças

O ESTADO DOS SERVIÇOS DO ESTADO EM LOUSADA (PARTE 1) O Louzadense inicia nesta edição a...

Avenida Dr. José Paulino Freitas Neto

JOSÉ PAULINO FARIA DE FREITAS NETO, nasceu a 16 de junho de 1929, em Silvares, Lousada. Era filho...

Associação Letras 100 Cessar

César Castro, de 53 anos, e Ricardo Moreira, de 43 anos, concederam uma entrevista onde abordaram...

VENCEDORES – VII LER LOUSADA

No VII Concurso Literário LER LOUSADA participaram 7 turmas de 4.º ano do 1.º...

Mercado Histórico revive século XVIII

Nos dias 2, 3 e 4 deste mês, a Avenida do Senhor dos Aflitos recua no tempo e os visitantes vão...

A Casa Nobre no seu contexto histórico XXI: Freguesia de S. Salvador de Aveleda

A Estrutura Arquitetónica de Lousada, segundo as Memórias Paroquiais de 1758: Os Efeitos do...

Paulo Rocha: Lousadense comanda posto da GNR

O sargento-chefe António Paulo Magalhães da Rocha, de Nogueira, é o segundo lousadense a comandar...

É urgente amar!

A falta de liberdade sentida na pandemia transformou-nos, não estamos mais em perigo, mas algo em...

Maria das Dores, uma professora cega

Nasceu em Meinedo há 58 anos Chama-se Maria das Dores Soares da Cunha, tem 58 anos e nasceu em...

Maioria das 3.300 pessoas com deficiência não tem apoio institucional

UM “PROBLEMA SILENCIOSO” EM LOUSADA As respostas institucionais para a deficiência em Lousada são...

Siga-nos nas redes sociais