Louzadenses com alma – por José Carlos Carvalheiras
Foi Hans Isler, fundador da Fabinter/Kispo, quem teve a ideia e doou os respetivos terrenos para o empreendimento urbanístico, que se haveria de chamar “Bairro Dr. Abílio Alves Moreira”. A ideia inicial, congeminada nos tempos áureos do empresário suíço, era a construção de habitações para os funcionários da famosa fábrica. A sua morte precipitou o fim desse projeto. Em vez disso surgiu um bairro social cuja designação, atribuída pela Câmara Municipal de Lousada nos anos 80, não reuniu consenso e ainda hoje é recordada como um erro da toponímia lousadense. Uma troca de nomes entre o Bairro (Dr. Abílio Alves Moreira) e a Avenida (Hans Isler) resolvia um imbróglio que persiste há mais de 30 anos. É sobre o carismático médico que hoje dedico atenção nesta rúbrica dos Louzadenses com Alma, deixando para a próxima edição uma abordagem biográfica ao grande fundador da Kispo.
Abílio Alves Moreira nasceu em 1 de Janeiro de 1907, no seio de uma família de comerciantes. Foi o primeiro de cinco filhos com nomes começados por «A»: Abílio, Antero, Albano, Augusto e Adão.
Fez o Ensino Primário em Lousada e depois foi para o Colégio do Carmo, de Penafiel. Ingressou na Faculdade de Medicina do Porto, onde se licenciou, com distinção. Era um estudioso com qualidades reconhecidas por colegas e professores.
Terminado o curso de Medicina, que culminou numa monumental receção pela população Lousadense, abriu consultório em sua casa, na Rua Visconde de Alentém, em 1931. No ano seguinte interrompeu a prática de medicina para ir a Lisboa, durante dois meses, fazer o serviço militar, na Escola de Milicianos.
Em 1934 integrou o corpo docente do Colégio Lousadense, mais tarde denominado “Eça de Queirós”. Ao longo de várias décadas notabilizou-se naquele estabelecimento de ensino pela simpatia e pelo seu «saber enciclopédico», pois dominava várias ciências.
Esteve igualmente envolvido no Lousada Foot-Ball Club, a primeira equipa de futebol desta localidade. O Dr. Abílio Moreira, com 27 anos, era o presidente da Direção, em cujo órgão foi acompanhado por Manuel Pires Teixeira da Mota (vice-presidente), Eng. Alfredo Ferreira e Paulino Pereira Neto (secretários) e António Pereira Lousada (tesoureiro). A Assembleia-geral era presidida por António Augusto de Castro Gorgel, enquanto que o Conselho Fiscal era da responsabilidade de António de Campos Alves.
O médico teve de um primeiro casamento de que não há muitos dados. Nem mesmo a saudosa Maria das Dores, sua fiel empegada ao longo de várias décadas, transpirou qualquer informação acerca desse evento. O Dr. Abílio viria a casar em segundas núpcias em 1939, com a professora do ensino primário, Maria do Carmo Pilão, em 22 de Abril de 1939.
Um facto notável foi o de ter sido o Diretor Clínico do Hospital de Lousada, tendo tomado posse no cargo em 20 de Julho de 1968.
Defensor acérrimo dos Direitos do Homem, nomeadamente da liberdade e da igualdade, o Dr. Abílio era, como tal, uma pessoa mal vista pela ditadura salazarista. Foi denunciado por alguém à Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), esta entidade pediu, em 4 de Abril de 1960, informações às entidades locais «sobre o porte político e moral do médico». Também o seu irmão Augusto, que era um fadista arrebatador e temperamental, foi perseguido devido às suas convicções contra a «situação». Com o 25 de Abril de 1974 ficou célebre na história de Lousada o texto do médico intitulado «Povo da Minha Terra», sobre a «Revolução dos Cravos».
Juntamente com o seu irmão Antero Alves Moreira, Rui de Castro Feijó, Manuel Pires Teixeira da Mota, Clemente Ribeiro de Bessa e Francisco Fernando Ferreira, fez parte do núcleo de Lousada do Movimento Democrático do Porto (MDP). Desse grupo surgiu a base da Comissão Administrativa para a Câmara Municipal de Lousada, presidida por Rui Feijó e na qual o Dr. Abílio surgia como vereador substituto.
O seu falecimento, em 9 de Fevereiro de 1983, provocou grande consternação e uma majestosa manifestação da gratidão e da saudade do povo lousadense.
Na imprensa local de 15 de Fevereiro de 1983 lia-se: “Era médico, mas nunca fez da medicina a sua profissão. Fez da medicina um sacerdócio: curando as feridas físicas ele dava igualmente o conforto moral. Os mais desprotegidos tiveram nele mais que um médico, um pai. Passou pela vida, fazendo Bem e isso diz tudo deste homem culto, de trato amigo, de comentário fino e subtil (…) O nome do Dr. Abílio, faz tremer os edifícios da ganância, do egoísmo, da vaidade. (…) O nome do Dr. Abílio é, acima de tudo, sinónimo de humanismo, de doação, de simplicidade.”
Em 17 de Julho de 1999 foi inaugurado pela Câmara Municipal um busto deste lousadense, no bairro que tem o seu nome e sito na avenida Hans Isler. Foi-lhe atribuída, a título póstumo, a Medalha de Ouro do Concelho.
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