Opinião de Eduardo Moreira da Silva
“O mito tende para o provérbio”, constata Roland Barthes (escritor e filósofo) na sua obra Mitologias. É nisto que a ideologia, dita burguesa, investe os seus interesses essenciais: o universalismo, a recusa da explicação, uma hierarquia inalterável do mundo. Um rápido olhar pelas redes sociais, dá-nos a perceber de imediato a ampliação que elas conferem a esta ideologia.
No entanto, há que distinguir as essências disto que se nomeou como provérbio, uma questão de linguagem objeto e de metalinguagem. Mas não compliquemos, afinal, isto é apenas um pequeno artigo de jornal, importante, mas necessariamente resumido.
O provérbio popular, ancestral, apoia-se numa visão instrumental do mundo. Barthes dá o exemplo do camponês, em que na constatação rural deste, “o tempo está bom”, aparece implícita uma apreciação técnica que visa a preparação de um conjunto de tarefas a realizar. Os nossos provérbios populares, foram de algo modo solidificando-se num discurso reflexivo. Uma reflexão, todavia, diminuída e sobretudo ligada ao empirismo. O proverbio popular prevê mais do que afirma, portanto, ligado à linguagem de uma humanidade em construção e não de uma humanidade constituída.
Ao contrário, o aforismo burguês, é uma linguagem que se exerce sobre objetos já preparados. Tem o seu expoente na máxima, a que se encontra numa qualquer frase feita, numa citação órfã da leitura da obra completa. Aqui a constatação já não se faz para um mundo em construção. Ela aparece para cobrir o mundo existente. Visa enterrar o rasto da produção desse mundo sob algo que permanece eterno, o equivalente nobre da tautologia, do “porque sim”. O fundamento é o do bom senso de todo aquele que transmite essa espécie de máxima, que se fecha nesse aforismo, uma verdade, como afirma Roland Barthes, “que a decisão arbitrária daquele que a profere pode bloquear”.
Voltamos às redes sociais. Nelas já não há um mundo que se constrói, apenas transmissões efémeras sobre o mundo existente. O efémero está na velocidade com que a informação sobre o objeto já construído aparece e desaparece. Informação, portanto, contrário de formação. Este é o terreno propício à utilização do aforismo, da máxima. É a garantia do “like”, do calor vazio que alimenta o ego dos incautos para quem o polegar na posição de gosto, mais de “fixe”, significa ligação ao outro. Justamente ao que não questiona o sentido, o fundamento, a explicação, a profundidade da sua publicação. Se algum questionamento aparece, lá vem então o bom senso do “porque sim”, imperativo, típico dos pais, que ignoram as respostas, suspendem sobre a cabeça dos filhos.
Desta forma, na medida em há a pretensão da criação do mito narcisista, em grande parte de todo aquele que publica nas redes sociais, esse mito, tende ao provérbio, que na contemporaneidade se alheia da construção e que, mesmo debruçando-se sobre o objeto, é destituído de substância. Com efeito, é um tender que, em simultâneo, alimenta o mito como quem enche um balão. A analogia é absolutamente pertinente, porque tal como o balão, esta categoria de mitos assume uma fragilidade que vai aumentando em risco e estrondo, à medida que se torna maior, que enche. O estrépito final pode ser épico. Mas, enquanto se não dá, todos desistem de pensar, o que publica e o que absorve, o do “like”.
O primeiro porque sem trabalho, apenas por uma “pescadela” nesse mar que é a “internet”, apresenta algo “fixe” que dispõe bem, que motiva, que inspira; o que recebe reverencia a “coolness” do publicador, o qual ele idealiza como um construtor de verdades profundas, de alegrias genuínas, de tristezas sentidas. Enfim, de todo um conjunto de informações que, na sua generalidade, quando muito, partem de estados de alma compartilháveis, apenas, com quem não questiona, portanto, dificilmente com quem realmente nos quer.
Talvez seja tempo de voltar ao mito que suporta a construção da comunidade, da ligação entre os indivíduos. Uma ligação que se pretende como experiência de convivência, ou seja, uma inter-relação que visa a vida boa, a vida que merece a pena viver. O mito, concetualizado desta maneira, serve de catalisador de análise, de crítica, do pensar, do refletir, de contemplação, de debate, tão necessário ao retorno a essa condição fundamental de todos nós — a humanidade!