Opinião de Eduardo Moreira da Silva
Da representação pela língua
A língua, que traz consigo toda a essência própria de comunidade, é, como toda a representação, uma simplificação. Como simplificação não consegue reproduzir na totalidade o que na maior parte das vezes se pretende, motivando que se tenha de criar um conjunto de imagens que possam tornar efetiva a descrição. Uma espécie de portefólio casuístico, uma escolha de fotografias, que apresenta a ideia nas dimensões que se pretende mostrar.
Na escrita filosófica, a língua assume ainda mais o seu papel limitador, mercê da necessidade de representação da ideia em várias perspetivas. Conceba-se determinado objeto, por exemplo, uma jarra, como uma ideia, a dificuldade que se coloca quando tentamos fazer uma descrição da forma, sob qualquer perspetiva, é imensa, apesar de quando confrontados fisicamente com esse objeto, percebemos a sua forma sob qualquer ângulo.
A língua vista assim, no seu caráter simbólico, que lhe advêm do pulsar comunitário, captura de alguma maneira a representação da ideia, tornando-a de difícil tradução para outra língua. A tradução é um processo que descarna o conteúdo e o expõe de uma forma trabalhada diferente da origem, a tal ponto que a ideia pode até já nem ser a mesma. A idiossincrasia de cada língua, a tal carga comunitária, desautoriza os neologismos como tradutores de características inatas do sentir que é experiência singular no plural, isto é, não se trata apenas de incorporar um símbolo de outra cultura, trata-se de entranhar essa mesma cultura, processo sem o qual, esse símbolo não possui o mesmo significado. Desta forma a preservação de alguns termos na sua língua original nas traduções mostra-se fundamental, até para que a ideia não termine ali e possa mostrar mais caminhos. No entanto, numa assunção pessoal, de que os textos devem ser acessíveis a todos, no sentido de despoletar a paixão, numa sedução pura, aqueles que pouca curiosidade mostram pelo trilho de outros caminhos, esses termos carecem sempre de uma explicação que de alguma forma recorde o caráter intrínseco à origem do termo.
Comunicação verbal e escrita
Quando se trata de transmitir uma ideia, aquela que visa dar forma a um conceito, a comunicação verbal, sobretudo a que é efetuada na presença, é muito mais efetiva que a escrita. A ambiguidade, cuja presença é muito difícil de eliminar na escrita, pode na comunicação oral de algum modo ser mitigada, pela perceção de toda uma linguagem que vai para além da simples palavra, não esquecendo o efeito da possibilidade de debate.
A mensagem adquirida da escrita foge ao autor e permite ao leitor um sem número de leituras que variam de pessoa para pessoa. O sentido, isto é, a forma é compreendida com um desenho completo diferente do pretendido. É como se a projeção da ideia fosse feita através de um meio que a distorce consoante o elemento que se sujeita à projeção. Comum é hoje, numa época de emails, sms , whatsapp , etç, veicular mensagens cuja interpretação é diversa da intenção e, não raras vezes, tem de ser reposta pela conversa.
Mas a comunicação da reflexão não pode, nem deve, ser sujeita a qualquer categoria de ambiguidade. A transmissão do pensamento, deve ser rigorosa, na construção e divulgação de conceitos. O objetivo é que o pensamento possa a cada passo revitalizar-se, rejuvenescer-se, mas com o cuidado, por um lado, de dizer apenas aquilo que quer efetivamente dizer e por outro que não assuma o caráter de uma qualquer construção matemática. A manipulação simbólica matemática é uma forma de linguagem, que provém da indução ou dedução, mas destinada a chegar sempre a um resultado que se quer fechado ao contrário do que se pretende na Filosofia.
Diferença da palavra em ciência, em filosofia e em poesia
A palavra em ciência visa a representação do mundo para torná-lo inteligível, numa produção de leis que se querem como produto acabado, o rigor dos conceitos aproxima-a de alguma forma à palavra em filosofia, enquanto pretende afastar a empiria. Mas a palavra em filosofia, como disse acima, não provém da dedução, não contribui para uma incoerência metodológica, cuja consequência é uma miríade de resultados incompatíveis entre si. Ao contrário, a filosofia, na sua diluição da empiria, integra-a para tornar mais completo o exercício da reflexão, na adição de perspetivas ao pensamento. Da ciência para a filosofia a palavra perde o seu carácter didático.
A palavra na poesia apela à emoção e até ao sentimento, assume-se na maior parte das vezes como uma representação limitada das ideias, quase como apenas a fotografia definitiva da ideia que aflora. A filosofia, não se pode dar a esse luxo, sob pena de se tornar, uma espécie pseudo-intelectual de auto-ajuda ou algo similar. O texto filosófico em certa medida livra-se do mimetismo, não procura a emoção, mas sim uma espécie de acordo colhido a partir da argumentação interna, como dispõe Maria Filomena Molder (filósofa). A palavra filosófica traz o leitor para o centro da reflexão que se quer interior, na produção de uma inquietação que foge à emoção e acrescenta ao pensamento. No fundo, a filosofia, desta forma, assume o seu carácter esotérico, responsável pela crescente desvalorização do seu papel que é absolutamente fundamental para a compreensão do mundo e liberdade humana. Comunicar o pensamento é próprio do ser humano, fazê-lo para que esse pensamento se desenvolva talvez não seja para todos, algo que não se aplica ao entendimento, esse sim, merece que se estenda a todas as pessoas em geral.
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