O mote é da nova campanha lançada pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) que alerta para o aumento do número de criminalidade, particularmente online, como o discurso de ódio e partilha não consentida de imagens.
Segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), este tipo de criminalidade aumentou a sua expressão em tempos de pandemia, tendo em conta o aumento de tempo que as crianças e jovens passaram ‘online’.
Em 2020, a APAV contabilizou 27 denúncias de ‘bullying’ e ‘cyberbullying’, no entanto esses números não correspondem à realidade nacional.
Magda Santos, psicóloga Clínica e da Saúde, explica o fenómeno e de que forma a sociedade deve estar alerta a vítimas e agressores.

O que é o bullying?
O bullying é “um comportamento intencional, repetitivo, negativo (desagradável ou doloroso) de uma ou mais pessoas, direcionado contra outra pessoa que tem dificuldade em se defender”. É, portanto, um comportamento agressivo, que envolve uma intenção de magoar, e é levado a cabo repetidamente e ao longo do tempo, no seio de uma relação interpessoal que é caracterizada por um desequilíbrio real ou percebido de poder ou de força. Pode, por isso, ser considerado como um tipo de abuso, que se distingue dos outros pelo contexto em que ocorre e o tipo de relação entre as partes envolvidas.
De que forma se pode apresentar?
Além do bullying físico (bater, dar pontapés), e do bullying verbal (provocar ou ofender verbalmente), pode também ocorrer bullying indireto ou relacional, por meio da manipulação dos pares para magoar o alvo (através de rumores ou da exclusão social), ou ainda, na sua forma mais recente, o cyberbullying, proporcionado pela evolução das novas tecnologias e novas formas de relação através de redes sociais na Internet.
Os contextos em que o bullying ocorre é mais frequente nas escolas, no entanto, pode ocorrer no trabalho, família e na interação social em noutros contextos. O bullying é um problema da sociedade.
O bullying sempre existiu, mas nunca foi tratado como atualmente?
Apesar de apenas recentemente se ter tornado um motivo de preocupação, o bullying entre estudantes é um fenómeno muito antigo. O termo surgiu na Noruega, na década de 80 e estima-se que até então não se via essa “prática” como um problema, mas como parte do desenvolvimento infantil.
Aos poucos o combate ao bullying tem ganhado mais importância porque esta prática tem vindo a aumentar em todo o mundo.
Os conflitos entre crianças e adolescentes são comuns pois trata-se de uma fase de autoafirmação e insegurança, no entanto, quando esses desentendimentos são frequentes e há humilhação, o bullying aparece. Embora seja difícil erradicar a sua ocorrência é possível diminuir os episódios através da prevenção e do desenvolvimento socioemocional dos alunos.
A que sinais se deve estar atento?
As vítimas de bullying frequentemente apresentam elevados níveis de ansiedade, depressão, baixa auto-estima, isolamento social, diminuição do sucesso académico, problemas psicossomáticos (dores de cabeça ou de estômago, dificuldades em adormecer), e ideação suicida. Outros sinais a que devemos estar atentos são, por exemplo, se a criança tem nódoas negras ou feridas sem explicação, tem pesadelos ou chora, evita determinadas situações, falta de apetite, não quer ir para a escola e, material escolar estragado.
Como pode uma vítima de bullying procurar ajuda?
Encorajar a vítima a falar e partilhar o que se passa é o primeiro passo. Será necessário construir um ambiente onde se sinta segura, sem ser julgada ou criticada. Depois disso, temos o dever de falar com as pessoas responsáveis, que nas escolas poderá ser o professor/ diretor de turma, psicólogo, e a partir daí encetar as diligências necessárias para que a situação seja resolvida. O acompanhamento psicológico a esta criança deverá ser equacionado pelos responsáveis educativos e familiares. A APAV está também disponível para, de forma gratuita, confidencial, qualificada e humanizada, apoiar as vítimas de bullying, bem como os/as familiares e amigos/as. A família dos agressores também deve procurar ajuda, para que o quadro de agressão não se repita.
Qual é o modelo do agressor?
O agressor é sempre alguém que está em sofrimento psicológico e não consegue lidar com isso, canalizando a sua raiva para alguém que considera ser fraco. Existe, assim, muitas dificuldades por parte do agressor em gerir as suas emoções de modo adequado, “descarregando” as suas frustrações no outro. Comparativamente com os seus pares, são crianças com dificuldades em fazer amigos e não gostam da escola. O seu ambiente familiar, na maioria das vezes, é caracterizado por uma distância emocional, disciplina inconsistente ou muito punitiva e ausência de transmissão de valores e normas sociais.
O trabalho de reeducação dos agressores nem sempre é feito, incidindo as medidas interventivas em medidas sancionatórias. Embora seja importante existir uma repreensão do comportamento desadequado, também é de extrema importância ajudar psicologicamente estas crianças/jovens.
De que forma pode a sociedade diminuir este flagelo?
Os melhores meios de combate ao bullying são a conscientização e o diálogo. O ambiente em que os casos de bullying mais se manifestam é na escola, e há uma razão sociológica para isso: a escola é o ambiente em que as crianças e os adolescentes passam grande parte do seu dia e convivem diariamente uns com os outros. Para prevenir e combater o bullying, todos os contextos educacionais devem implementar uma política de anti-bullying, através do envolvimento de toda a comunidade educativa. Os programas de prevenção do bullying são especialmente eficazes quando implementados como parte de um esforço maior em toda a escola para melhorar o clima e o comportamento das pessoas.
Para uma política efetiva de combate a este problema, deve ter-se em conta que cada estabelecimento de ensino necessita de implementar medidas mais adequadas de acordo com o contexto, pois uma determinada medida pode resultar num contexto mas não noutro. Toda a comunidade escolar, pessoal docente e não docente, deve ter consciência do que é o bullying, aprender a preveni-lo, a identificá-lo, para depois poder combatê-lo.
Além disso, é de extrema importância a articulação da família e da escola enquanto forma de banir o bullying, no sentido de ambas partilharem responsabilidades a este respeito. A escola, quer a família são instituições importantes na formação dos indivíduos, logo, ambas têm de fincar a relevância do seu papel na transmissão de valores como a solidariedade, tolerância, justiça e responsabilidade.
A educação dada pelos pais vai ter uma grande influência na socialização dos filhos. Os pais devem informar-se sobre o que é o bullying, conversar de forma aberta com os filhos acerca do assunto e incentivá-los a contar qualquer problema que ocorra na escola.