Canto do Saber – Opinião de Eduardo Moreira da Silva
Em política há que dirigir a ação para a realidade existente a cada momento. A ideia de que a atividade política se deve dirigir a qualquer tipo de conceptualização que, mesmo a partir de uma maioria, possa ser considerada ideal estará invariavelmente condenada ao fracasso.
Todavia, isto não quer dizer que o político não se deva guiar pelo que “parece ser”, bem pelo contrário, deve-se ater à máxima de que “em política tudo o que parece é”. De facto, é pelas aparências que o senso comum julga, é o “juízo do olhar” de Maquiavel, que na sua Obra Discorsi afirma: «a maior parte dos homens alimenta-se tanto do que parece como do que é; assim, muitas vezes movem-se mais pelas coisas que parecem do que pelas coisas que são».
Ora, está claro, que isto nos transporta de imediato para o mundo das redes sociais, ferramenta essencial, na contemporaneidade, da construção deste parecer que é, deste parecer que se entranha, deste parecer que fica. O político destes dias, não se alheia deste ecossistema, faz parte do mesmo, participa no jogo que nele se desenvolve. Toma atenção ao que o vulgo vê, tenta criar e recriar essa “realidade”, age consoante as perceções que formam a sua convicção do momento.
Embora a condição fundamental da política é que ela se jogue no espaço imanente da aparência e, portanto, o político deve ser capaz de dominar os efeitos políticos da sua própria aparência, este tem, em simultâneo, que ter ao seu alcance o que Maquiavel designa de “juízo de tocar”, a capacidade de uma aproximação efetiva ao objeto. Uma capacidade que está para além daquela do vulgo e de que todo o bom político deve ser capaz.
Deste modo, facilmente se percebem duas coisas que acabam por se tornar essenciais: a primeira é de que nada dispensa a presença física, onde a consciência empírica dos acontecimentos é adquirida com a acuidade necessária e a segunda, sendo uma consequência da primeira, que em política a estratégia não é mais de algo que se vai alinhavando com o decorrer dos acontecimentos, aumentando o sucesso com o potencial de previsão desses mesmos acontecimentos.
No mundo digital, este “juízo do tocar”, aparece amputado de quase todos os seus membros e exige um esforço demasiado grande relativamente aos resultados proporcionados pela parte que subsiste. A tentação de ceder apenas ao “parecer” é enorme, desaparecendo o “sentir” apreendido nas expressões, no “cheiro”, no “paladar da coisa”, enfim, daquilo que, muitas das vezes, se torna preponderante nas decisões.
No fim, as redes sociais são apenas mais uma ferramenta de ajuda à ilusão, campo próprio da política, que de uma certa maneira é a arte de responder com uma ilusão a outra ilusão. Sem ilusão não há política, pelo que termino com Maquiavel, que nas palavras de António Bento, considera o desejo, intestinamente político, de ser iludido, encontrará sempre no seu caminho a vontade de iludir: «… e são tão simples os homens, e obedecem tanto às necessidades presentes, que aquele que engana encontrará sempre quem se deixe enganar».