por | 17 Dez, 2021 | Espaço Cidadania, Sociedade

José da Cunha Camelo, um condutor de destinos associativos

O fundador do clube da Ordem

José da Cunha Camelo foi um conhecido motorista da transportadora Pacense e fundador de uma das primeiras agências de viagens de Lousada. Dedicou grande parte da sua vida ao associativismo: foi dirigente na Associação Desportiva de Lousada, nos Bombeiros Voluntários, na Associação de Cultura Musical e foi fundador do Centro Cultural e Desportivo da Ordem (CCDO), freguesia onde foi presidente da Junta e da Mesa da Assembleia. A acrescentar a tudo isto tem uma medalha de louvor por atos de bravura na guerra colonial.

Por estes dias, José da Cunha Camelo é um homem especialmente contente, porque o clube do seu coração, o CCDO faz 45 anos, na sexta-feira 17 de dezembro. “Vou lançar 45 bombas de fogo-de-artifício”, sublinha, “mas não vai haver o tradicional jantar de Natal porque esta m*rda da pandemia não deixa”.

“Não é vaidade, é pura realidade: fui eu quem trouxe o futsal para Lousada e com a ajuda de muitos amigos fundamos o CCDO, e quero desde já lembrar o presidente Amílcar Neto e o então governador civil do distrito do Porto, Dr. Cal Brandão”, afirma. 

“Além do futsal também fomos pioneiros no hóquei em patins, com o Jaime Ferreira”, enfatiza José Camelo. “Mas como era uma modalidade muito cara acabamos por nos virar para o futsal que deu muitas alegrias à freguesia e a Lousada e continua a dar ainda hoje, com o Jorge Furtado à frente do clube”, afirma.

As origens deste cidadão remontam a 3 de março de 1945, data do seu nascimento, na freguesia de Cristelos, filho de Adelino Camelo, de Santa Eulália da Ordem, e de Laura Ferreira da Cunha, de Figueiras, que tiveram mais três filhos: Maria Emília, Manuel e Camilo. Aos 5 anos de idade mudou-se para Santa Eulália da Ordem, de onde regressou definitivamente para Cristelos passados 35 anos, onde reside atualmente com a esposa Elisa Pinto Ferreira, e são pais do empresário do setor automóvel, Adelino Ferreira Camelo e sogros da dentista lousadense Sónia Costa.

A pática desportiva esteve sempre presente na vida de José da Cunha Camelo, que desde muito cedo se afirmou como guarda-redes, em diversas modalidades. “Joguei a guarda-redes no futebol, no hóquei-em-campo e no futebol de salão, mas sem dúvida que o hóquei foi diferente não só pela modalidade em si mas pelo espírito de grupo e camaradagem”, lembra José da Cunha Camelo. 

 “Foi nas camadas jovens do Freamunde que esse gosto de acentuou. Joguei em Freamunde chegar à categoria de juniores. Nesse ano, em 1964, fui para o Lousada ainda nos juniores e também joguei na equipa principal”, afirma José da Cunha Camelo. É desse tempo uma façanha que conta com um prazer inusitado: “certo dia convidaram-me ara fazer parte de uma equipa de Freamunde que ia participar num torneio de futebol de salão em Paços de Ferreira, no tempo do Venâncio e outros craques da época em Paços. Eu nunca tinha jogado aquela modalidade mas safei-me bem e fui o melhor guarda-redes do torneio”.

Na primeira época de sénior recebeu a chamada para a tropa: “não fui para muito longe e conseguia ir jogando em Lousada, pois fiz a recruta em Espinho, onde entrei no dia 2 de agosto de 1966”.

Após cinco meses na especialidade de atirador, foi para a Guiné-Bissau onde combateu durante 21 meses, na região de Bula Binar. “Era uma zona muito difícil e estivemos quase cem vezes debaixo de fogo. Numa dessas vezes fomos cercados pelo inimigo no nosso próprio quartel, ao ponto de ficarmos sem munições e se o apoio dos nossos reforços não tivesse chegado a tempo tínhamos que nos render”, declara.

Ser atirador obrigava a estar na linha da frente dos combates e por isso sofreu vários ferimentos: “numa das muitas operações de escolta de segurança que fazíamos ao transporte de bens alimentares, fomos atacados na estrada por fogo inimigo que vinha do capim e um disparo de bazuca rebentou perto de mim projetando-me para alguns metros de distância, tendo eu ficado cravado de estilhaços que demoraram meses a ser extraídos”. Acrescenta com um misto de alívio e pesar: “safei-me por pouco, mas outros camaradas meus não tiveram a mesma sorte, nomeadamente o Camionetinha, um indivíduo que nunca devia ter ido para a tropa quanto mais para a guerra porque era tão baixo que na travessia de certos pântanos tínhamos que pegar nele”, recorda este antigo militar lousadense.

Na sequência de uma emboscada idêntica àquela, José Camelo haveria de ser condecorado por atos de bravura. Com orgulho mostra-nos a medalha de Cruz de Guerra de 4.a Classe e o voto de louvor com data de 10 de fevereiro de 1968. Juntamente com a medalha guarda um recorte do jornal de Lousada daquele ano onde se lê: “Foi agraciado com o prémio Governador da Guiné o militar lousadense José da Cunha Camelo, natural da freguesia de Cristelos. O valoroso militar (…) desloca-se brevemente à metrópole para gozo de férias. (…) Verificando que um camarada seu havia sido morto pelo inimigo, procurou debaixo de fogo intenso, arrastar o corpo para depois o transportar. Como o fogo inimigo incidia no local onde se encontrava, procurou retirar-lhe tudo o que pudesse ser útil ao inimigo, a pistola, a placa de identificação e o conteúdo dos bolsos. Só não conseguiu tirar o cinturão com o coldre e carregadores. (…) Possuidor de serena coragem, decisão debaixo de fogo e espírito de iniciativa, que contagia os camaradas, além do seu bom senso já patenteado, este praça mostrou nesta ação as suas invulgares qualidades de combatente”. 

Uma passagem por França

Terminada a sua missão militar na primavera de 1968, regressou a Lousada para emigrar pouco depois para a capital francesa. “Estive em Paris, durante quatro anos, a trabalhar numa fábrica de móveis e a jogar futebol no Thionville FC da terceira divisão francesa”, afirma José Camelo que recorda que “naquele tempo emigrava-se a salto porque a ditadura do Salazar não deixava o povo sair do país”. Ainda assim, José Camelo arriscou como fizeram muitos outros milhares de portugueses naquela época. Haveria de voltar à Ordem para casar com Elisa Pinto Ferreira e com ela abalar novamente para França, onde foram pais de Adelino Ferreira Camelo.

Acerca das memórias que guarda da passagem por França destaca aquela que segundo ele foi “a minha maior façanha no futebol, que foi o jogo da passagem aos oitavos de final da Taça de França, pelo Thionville, numa partida que acabou empatada e tivemos que ir a penalties para desempatar mas como o empate subsistiu depois dos jogadores de campo marcarem, naquele tempo, tinham que ser os guarda-redes a desempatar e eu dei a vitória à minha equipa”.

Regressado a Portugal em 1973, viu-se de imediato desafiado para a baliza do Lousada. Mas não para jogar futebol, conforme o próprio recorda: “estava eu a passar no centro da vila quando fui abordado pelo Joaquim Valinhas, que me perguntou se eu estava de volta definitivamente porque queria que eu fosse jogar hóquei em campo, logo nesse fim-de-semana, pois o Lousada tinha ficado sem guarda-redes porque o Alberto “Macaquinho” Morais tinha assinado pelo F. C. do Porto”. Assim se estreou no hóquei-em-campo onde continuou a exibir os seus dotes de guarda-redes, numa equipa onde pontificavam Libório Marques, António Maria, José Manuel “Doceiro”, Joaquim Valinhas, Esteves, Joaquim Martins, Olívio Carvalheiras e muitos outros.

Figura indissociável da Pacense

“Sem um único acidente”, diz com orgulho José Camelo quando se refere ao emprego mais longo que teve, na condução de autocarros. “Estava a trabalhar nas confeções Profato, em Meixomil, Paços de Ferreira, quando concorri para condutor da empresa de camionagem Pacense e lá fiquei durante 30 anos com muita satisfação”, recorda este antigo condutor, que destaca nessa profissão “o convívio com muita gente”. 

Entretanto já tinha sido eleito presidente da Junta de Freguesia da Ordem, nas primeiras eleições livres após o 25 de Abril de 1974. Depois desse cargo desempenhou funções no mandato seguinte na mesa da Assembleia de Freguesia, pelo Partido Socialista, com o qual sempre se identificou e ainda hoje afirma “sou socialista”.

As coletividades lousadenses puxaram pelo dinamismo de José Camelo, que recorda essa fase da sua vida como “tempos de muita atividade social, solidariedade e dedicação ao bem comum”, nomeadamente na Associação Desportiva de Lousada, nos Bombeiros Voluntários e na Associação de Cultura Musical de Lousada.

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