Lousadenses lá fora – por José Carlos Carvalheiras
António Hernâni Fernandes Magalhães, de 39 anos, é um enfermeiro especialista em urologia. Nasceu em Arcas-Boim, concelho de Lousada e seguiu uma área profissional da sua preferência. Ingressar no mercado de trabalho português não foi fácil e emigrar para Inglaterra foi a solução. Apesar das saudades imensas, não pensa regressar.
“Em Agosto de 2009 saí da Escola Superior de Enfermagem de Chaves (ESEDJTMM), com o diploma e inscrição na ordem dos enfermeiros, motivadíssimo para começar a trabalhar”, relata este lousadense, que desde logo começou a entregar currículos em todo o lado possível e imaginário. Mas nenhuma proposta surgia.
Entretanto apareceu uma oportunidade para ir trabalhar para um lar de idosos no Alentejo, mas a experiência foi interrompida, conforme Hernâni descreve: “fui para o Centro de Bem-Estar Social de Arronches, onde estive pouco mais de um ano. Nessa altura, o governo decidiu cortar nas ajudas às IPSS’s e a instituição deixou de ter condições financeiras para ter uma equipa de enfermeiros permanentes. Com isto, eu e mais duas colegas ficamos no desemprego”.
Voltou a entregar currículos em todos os locais ligados ao setor da enfermagem, mas nem sequer era chamado para entrevista. Até que, em 2012, tomou a decisão de emigrar.
“Vários colegas de curso já tinham emigrado, na maioria para a Suíça, mas eu sempre tive menos dificuldade com a língua inglesa do que francesa e então optei por tentar o Reino Unido ou os Estados Unidos da América”, revela.
Inscreveu-se na Ordem dos Enfermeiros inglesa (NMC) e pouco depois teve uma entrevista e foi aceite para ir para um lar de idosos na histórica cidade de Oxford, mas a estreia não coreu bem: “esta aventura durou pouco mais de 24 horas pois as condições do alojamento que me deram eram deploráveis, como tal regresso a Portugal no dia seguinte a minha chegada a Oxford”.
Apesar deste percalço, continuou com a ideia de ir para o Reino Unido. Em Junho houve um processo de recrutamento no Porto para os hospitais públicos de Bath e Portsmouth: “tive uma entrevista e alguns testes de língua inglesa e no fim do primeiro dia foi-me oferecida a possibilidade de ir para qualquer um dos dois hospitais. Decidi ir para Bath, por ser uma cidade mais pequena e por ser uma cidade termal, que me fez lembrar Chaves, onde estive durante 4 anos fantásticos”, afirma Hernâni Magalhães.
“A cidade de Bath é lindíssima e todas as pessoas do hospital foram muito acolhedoras. O hospital tem acomodação dentro do recinto e as condições eram muito boas”, descreve.
Um episódio muito engraçado
Mesmo assim, a adaptação foi difícil: “por muito que pensemos que sabemos falar bem inglês, ter uma conversa fluida é muito complicado. Ser enfermeiro envolve comunicar constantemente, com médicos, enfermeiros, doentes, familiares, radiologistas, etc.”, explica este emigrante.
“Um episódio engraçado, logo nos inícios, foi quando uma doente me disse «I need to spend the penny», eu não fazia a menor ideia do que ela queria e continuei a perguntar o que ela queria, mas ela respondia sempre a mesma coisa. Até que, depois de muitas gargalhadas, os meus colegas explicaram-me que antigamente as pessoas tinham de pagar um «penny» (um cêntimo ou centavo) para usar as casas de banho públicas, conclusão, a senhora estava a tentar dizer que precisava ir a casa de banho”, relata o enfermeiro lousadense.
“O horário de trabalho são 37 horas e meia por semana, com turnos de 8 ou 12 horas por dia e mesmo tendo ido para lá com mais sete colegas portugueses, passava muitas horas, dias sozinho no quarto. Nem passear se podia pois chove constantemente. O tempo era passado em casa, no trabalho ou na ida às compras. O primeiro ano foi complicado e foi durante esse período que vários colegas regressaram a Portugal”, relata.
As diferenças com Portugal são necessariamente muitas: “aqui não há padarias, peixarias e há poucos talhos. Tudo é comprado nos supermercados. As pessoas são muito educadas; «por favor» e «obrigado» são palavras usadas constantemente. Mas, por outro lado, são mais frias, não mostram emoções, o que por vezes faz parecer cinismo”.
Em termos profissionais as diferenças para o nosso país são ainda maiores e Hernâni explica porquê: “ao contrário de Portugal, que tem profissionais disponíveis, mas não os recruta, aqui precisam de mais profissionais, mas não os arranjam. Os salários são significativamente melhores, especialmente tendo em conta que o custo de vida é semelhante (a comida é pouco mais cara, mas os combustíveis, o gás e comprar carro é mais barato). Aqui temos a possibilidade de ter uma carreira, o nosso esforço e dedicação são recompensados”.
Saudades da terra mais linda do mundo
Descrevendo a zona de Inglaterra onde vive e trabalha, Hernâni diz que “a zona de Bath e Bristol é muito bonita, muito calma, o trânsito não é demais e podemos passear à vontade. O pior é a chuva e o frio. Muitas vezes digo à minha mãe «vocês aí não sabem o que é chuva e frio. Apesar disso, esta zona do país é das menos más em termos de condições meteorológicas”.
Para quem está longe da sua terra e da sua família é quase obrigatório falar de saudades: “sim, tenho saudades de tudo, das gentes, da Festa Grande, das corridas na pista da Costilha, da feira, enfim, Lousada é a terra mais linda do mundo. Não há um dia em que não me apeteça deixar tudo e voltar”.
Mas “a probabilidade de regressar é zero, pelo menos por enquanto. Quem sabe, depois da idade da reforma, mas ainda falta muito tempo. Não consigo imaginar Portugal ter capacidade de me proporcionar um nível de vida pessoal e profissional como tenho aqui. Nesta altura estou a trabalhar no maior hospital da região, em Bristol, conhecido por Hospital de Southmead. O meu posto chama-se Advanced Nurse Practitioner, que em Portugal não existe. Eu posso prescrever medicações, faço clínicas de forma independente, sem presença de médico, cistoscopias, injeção de botox na bexiga, etc., nada disto seria possível em Portugal. Por muito que me custe dizê-lo, eu não tenciono regressar”, afirma convicto o enfermeiro.
Por último, abordamos o inevitável tema sobre a pandemia da Covid-19: “felizmente esta região não teve, nem tem, muitos casos. Até fizeram um hospital de campanha na universidade de Bristol, que não foi utilizado. Planos de contingência nunca foram acionados porque o número de casos não foi tão elevado como se esperava, felizmente. As pessoas aqui cumpriram com naturalidade as regras impostas. Foi pior para nós, que não podíamos viajar para Portugal”, conclui Hernâni Fernandes Magalhães.