Opinião de Daniela Leal
Considerando a época festiva que se avizinha, é comum ouvirmos palavras como “solidariedade”, “família”, “amor”, “desejos”. Trocam-se presentes, desenham-se promessas e preparam-se, pormenorizadamente, os encontros familiares. Faz-se um balanço do ano inteiro, elegem-se palavras e números que o marcaram e especula-se como será o próximo. É assim que num ano de tantas mudanças, perdas e incertezas, gostaria de destacar a palavra empatia.
Um dos teóricos mais reconhecido na Psicologia Humanista, Carl Rogers, definia a empatia como a capacidade de “ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele”. Nada mais, do que nos reconhecermos enquanto seres humanos com a possibilidade de aceder ao mundo interno de outro ser humano. Este acesso permite-nos encarar todas as outras pessoas como únicas, carregadas de histórias, lembranças, emoções, sentimentos e vivências, que podem ser díspares ou semelhantes àquelas que também temos. Não obstante, entendemos que todas essas singularidades são merecedoras de respeito, e mais do que isso, merecedoras de que nos saibamos despir de preconceitos, e estejamos ali, apenas prontas/os a calçar os sapatos da outra pessoa, e muitas vezes, a permitir à outra pessoa descalçar também os seus, já tão apertados e tão gastos da longa viagem percorrida. É neste percurso que criamos também a humildade de compreender que, ainda que calcemos os sapatos da outra pessoa por breves instantes, não conseguimos compreender a complexidade do caminho, e por isso não o comparamos ao nosso. A cada pessoa, as suas dores, os seus desafios. Comparar a intensidade da dor alheia com a nossa, é não respeitar o mundo que a outra pessoa representa. É falhar o compromisso da empatia.
Sternberg, por sua vez um teórico sobre a inteligência humana, apresentou em 2020 um artigo científico na Empirical Studies of the Arts, onde reflete sobre novas dimensões da inteligência e capacidade mental, que devem ser avaliadas para se encontrarem líderes competentes: a criatividade, o “bom senso”, a sabedoria, e a cidadania ativa e consciente. Estas três últimas resumem-se na capacidade de procurar o bem-comum, sabendo equilibrar as consequências de curto e longo prazo com coerência e, ao mesmo tempo, com vontade de tornar o seu trabalho numa forma positiva, significativa e ativa de fazer a diferença – não só com a vontade, mas com um plano de ação para o concretizar. Se tivesse de apostar no primeiro passo para desenvolver estas capacidades e planos, colocaria todas as minhas fichas na empatia. Esse exercício em que cada pessoa se desafia a si mesma a estender-se além dos seus significados e perceções.
Falando em desafios, a crise pandémica continua sobre as nossas cabeças. Ainda que com a segurança que a ciência nos trouxe através da vacinação, continuamos esta batalha. O sistema político português atravessa também ele uma crise consideravelmente desafiante, que levanta demasiadas incertezas sobre o futuro do país e dos/as portugueses/as. Falando em incerteza e na dificuldade em viver e lidar com a mesma, antidepressivos e ansiolíticos batem recordes de vendas em Portugal. As crises têm o poder de transformar os sistemas – jamais se pode esperar que um sistema volte ao estado anterior, depois de abraçar uma transição. Esta é a altura certa para tornarmos a empatia num conceito transversal às mais diversas áreas, espaços e lugares de fala. Trabalhemos a empatia nas escolas, na família, na mesa do café, no trânsito, nos estabelecimentos prisionais, na fila do supermercado… em todos os lugares onde exista vida. Reconheçamos o poder de olhar-nos e olhar as outras pessoas como merecedoras de respeito, amor, compreensão e individualidade. Estejamos nós num lugar de fala político, familiar, pessoal ou profissional.
Desejo por isso, sapatinhos recheados de empatia. E a empatia de saber que nem toda a gente tem um sapatinho para deixar na lareira. Nem lareira. Nem casa onde a lareira devia estar. Que essa reflexão nos aproxime e instigue a ações futuras mais sapientes: por nós e por todas as pessoas mais.