por | 7 Abr, 2022 | Daniela Leal, Opinião

Nenhum tirano começa por atacar a maioria

Opinião – Por Daniela Leal

Declamava Brecht:

“Primeiro levaram os negros/Mas não me importei com isso/Eu não era negro; Em seguida levaram alguns operários/Mas não me importei com isso/Eu também não era operário; Depois prenderam os miseráveis/ Mas não me importei com isso/ Porque eu não sou miserável; Depois agarraram uns desempregados/Mas como tenho o meu emprego/Também não me importei;/Agora levam-me a mim/ Mas já é tarde/ Como eu não me importei com ninguém/Ninguém se importa comigo.”

Diz-se que o mundo está em guerra. Está e infelizmente, nunca tinha deixado de o estar. Agora a guerra chegou mais perto do ocidente e elucidou-nos que, afinal, já não falamos só da violência sobre os mais vulneráveis: pobres, mulheres, LGBT+, negros, imigrantes… Há um ano, o casamento entre pessoas do mesmo género era proibido na Rússia. Putin falava da homossexualidade como “erros do ocidente”. Nos últimos anos, a liga russa de futebol foi, várias vezes, acusada de racismo para com jogadores negros ou árabes e as mulheres russas avisadas pela Presidente da Comissão Parlamentar para Família, Mulheres e Crianças do congresso russo para evitarem relações sexuais com estrangeiros de “outras raças”. Entre estas opressões eram conhecidas as invasões, agressões e toda a brutalidade que Putin dirigiu ao longo destes anos a diferentes países, nações e ao seu próprio povo. Sempre baseado na premissa do “quem não está comigo, está contra mim”. Nenhum tirano começa por atacar a maioria. A História sabe descrevê-lo muito bem e a Psicologia Social também assim o espelha: quando criamos a visão de grupos opostos, do endogrupo e do exogrupo, e fazemos emergir uma consciência do “nós” e do “eles” como se a conciliação fosse totalmente impossível. Como se o “eles” estivesse errado e por isso, o “nós” tivesse toda a legitimidade de o perseguir, excluir, aniquilar. Algo que para o “nós” parece perfeitamente justificado porque o “eles” apresenta uma ameaça à norma. À norma que a maioria construiu. Foi e é assim que se alimentam conflitos armados: começando na exclusão e segregação de determinados grupos até que toda uma nação é atacada. 

Até na fuga à guerra continuamos a sentir o peso da divisão supracitada: sabemos que pessoas negras, não-binárias, trans, estão a sentir dificuldades acrescidas, quando não o impedimento total, de abandonar o país ou de se abrigarem com alguma segurança. A incerteza sobre o fim deste conflito não pode desvanecer a importância de pensarmos nos contornos que o antecederam. O discurso segregador difundido: os “bons” e os “maus”; os “subsidiodependentes” e as “pessoas de bem”; os “homens a sério” e os “paneleiros”; as “mulheres decentes” e as “putas”; os “brancos” e os “pretos”; “nós” e “eles”… e por aqui poderíamos continuar até à essência de vários partidos, organizações e instituições que promovem o ódio como se do único caminho possível se tratasse. 

Que saibamos sensibilizar-nos para reconhecer quem se promove e alimenta de tais afirmações e discursos. Que saibamos fechar-lhe a porta e garantir que, em momento algum, se hostiliza, discrimina ou exclui seja quem for por alguma característica identitária. Caso contrário, de pouco nos valerá lamentar a guerra dos vizinhos quando deixamos semear (e até regamos!) a sua semente dentro das nossas fronteiras. 

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