Manuel Magalhães: Um lutador por natureza

“O Cristiano era um verdadeiro líder e, sem dúvida, o meu braço direito”

Manuel Magalhães nasceu em 1955 e, toda a sua existência, foi marcada por momentos de superação pessoal. Natural de Macieira, freguesia portuguesa do concelho de Lousada, ainda hoje habita nesta. O desporto, a família… são tópicos sensíveis abordados ao longo da entrevista. Conheça o grande lousadense desta edição. 

Manuel frequentou a escola primária, porém, dada as condições da época não terminou a quarta classe. Os tempos eram outros e, desde muito cedo, começou a trabalhar para auxiliar monetariamente os seus pais. Os poucos anos de escolaridade foram passados, em paralelo, com o trabalho. Segundo o próprio, trabalhava duro para conseguir ajudar nas despesas da casa. 

Devido a esta necessidade, não concluiu a quarta classe no prazo estabelecido e, anos mais tarde, completou o 1º ciclo de escolaridade em horário pós-laboral. Ou seja, à posteriori, fê-la de noite. Quando interrogado sobre a sua infância, confessa que apesar do esforço empregado desde cedo viveu bons momentos. Considera que os primeiros tempos de vida não foram um martírio, simplesmente dentro do panorama em que estava envolvido tinha que trabalhar juntamente com o seu irmão. 

O seu pai era alfaiate de profissão e a sua mãe doméstica, porém, a sua vida profissional encaminhou noutro sentido. “Comecei a trabalhar como trolha e, posteriormente, passei para pintor”, afirma. Estes cargos foram sempre desempenhados na construção civil, a profissão de vida de Manuel. 

A partir de então, os sentimentos e lembranças vieram ao de cima. Corria o ano de 1977, quando sofreu um acidente grave junto à sua residência. Este acontecimento além de marcar o lousadense, por consequência, marcou toda a sua família e amigos. “Complicou-me a vida”, declara inicialmente. 

O Hospital de São João foi, durante vários meses, a casa de Manuel. Ou, diga-se, a cama do mesmo, pois os primeiros tempos não se levantava. Foram várias as fases e os processos pelos quais passou até se conseguir curar. De acordo com o próprio, mediante as condições e o episódio em si, conseguiu ficar bem embora continue a ser acompanhado. Após o sucedido, os tratamentos, operações, consultas de rotina… fizeram parte. “Agradeço a toda a equipa médica que me auxiliou”, desabafa. 

Além do mais, agradece a toda a sua família e amigos que foram um suporte e apoio imprescindíveis. Tudo é uma questão de tempo e aceitação. Posto isto, distanciado do momento, reconhece que o mesmo permitiu-o olhar e cuidar mais de si. “O dia ficará para sempre marcado, contudo hoje respeito”, sublinha. 

A vida de Manuel mudou 180 graus e, naturalmente, o seu trabalho na construção civil nunca mais foi o mesmo. O seu problema não tolerava funções pesadas, no entanto não deixou a sua vida profissional e quando trabalhava em tarefas mais duras, tinha de ir ao médico. Foram diversas as ocorrências… encaminhando-o a descansar dois meses, muitas vezes. Hoje, encontra-se estabilizado, dentro do possível.

Na época do sucedido, Manuel já andava no mundo do desporto. “A minha vida é o futebol”, afirma. Iniciou nos anos 70 e, nesses tempos, não ganhava dinheiro com esta prática. Desta forma, conciliou sempre a sua atividade profissional com a sua atividade desportiva. “A construção civil era o meu ganha pão”, sustenta. Não ganhou nada a nível monetário, mas a modalidade trouxe-lhe somente momentos bons, vários amigos e muitos conhecimentos. Isso ninguém lhe tira. 

Como referido, entrou nos anos 70 na Associação Desportiva de Lousada para a função de treinador de futebol da formação. De imediato afirma, “tenho muitas saudades daqueles tempos”.  Manuel considera a formação a sua paixão devido ao carinho que nutre pelos jovens. A paciência é referida, contudo o facto de vê-los tornarem-se seres humanos formados compensa tudo. 

“Estamos a ensiná-los para o futebol e, ao mesmo tempo, a formá-los enquanto homens”, sublinha. Quando tirou o curso de treinador na Associação de Futebol do Porto transmitiram-lhe esse ensinamento que transportou para todas as equipas que treinou. Isto é, não só instruí-los como atletas, mas também como cidadãos. 

No entanto, Manuel não foi apenas treinador de formação, uma vez que treinou algumas equipas seniores em diferentes clubes. “Treinei o Baltar, o Paço de Sousa e o Macieira”, afirma. Contudo, todas as restantes funções que exerceu no desporto foram na Associação Desportiva de Lousada pelo qual nutre um carinho imenso. “Foi o clube que me projetou”, reforça. 

O lousadense dedicou a sua vida ao futebol em várias vertentes. Treinador, dirigente, diretor, vice-presidente … foram cargos que desempenhou no Lousada até ao ano 2000, quando decidiu abandonar por opção própria esta modalidade. A formação será sempre a sua paixão e, enaltece, todos os momentos vivenciados ao encargo desta. “O calor dos jogos, o bairrismo, entre tantas outras coisas, torna-a mais especial”, afirma. E quanto aos jovens que auferiu o prazer de treinar, reconhece que recebeu sempre mais destes do que aquilo que lhes deu. 

Interrogado sobre a prática do futebol nos dias de hoje, em comparação com a de antigamente, considera que tudo se encontra diferente. Na sua opinião, o desporto não está a ir pelo melhor caminho e tal não deveria acontecer, visto que as condições e recursos disponibilizados são bastantes. A paixão de outrora é, constantemente, mencionada. “Hoje quando se joga não existe o sentimento de amor e, fora de campo, nem se fala”, sublinha. 

Manuel considera que os pais, agora, querem mais que os filhos. Os progenitores, sem se aperceberem, são o principal problema no desenvolvimento do filho no desporto. Atualmente, muitos pais apostam tudo nos filhos, à espera que saia o próximo Cristiano Ronaldo. A realidade é ultrapassada. “Essa pressão está a afetar o rendimento dos jovens e é ainda mais visível nos clubes regionais”, declara. 

Entre duas autoridades, pais e treinadores, os jovens ficam confusos, perdem o foco e ficam sem saber o que fazer. “Por vezes, tem que se lidar mais com os progenitores do que com os atletas”, conta. Na época de Manuel, esta situação não acontecia pois os miúdos trabalhavam e esforçavam-se  bastante para conciliar tudo. 

Interrogado sobre a sua referência no mundo do futebol, de imediato, pronuncia o treinador Carlos Queirós que mudou a formação a nível nacional. “Embora haja mais, o Carlos marcou-me bastante e seguiu-o”, afirma. 

No decorrer deste tema, aborda a exigência de outrora. “Hoje para tirar o curso de treinador é mais fácil”, manifesta.  Nos anos 90, tirou-o na Associação de Futebol do Porto, durante 1 ano, juntamente com indivíduos de referência. Quatro dias por semana dirigia-se de autocarro para o Porto, por volta das 15h da tarde, e regressava de boleia à 1h da manhã. 

A sua paixão adveio da paixão do seu pai. Manuel acompanhava o progenitor em vários jogos e daí surgiu o gosto que transportou para os seus cinco filhos. A partir deste momento, o lousadense ficou bastante emocionado ao recordar Cristiano Magalhães, o seu filho mais velho, que partiu precocemente em 2017. 

Na sequência conta uma história que o encaminha para a sua atual função. “Num belo dia estou na bancada a ver um treino do Lousada com o meu filho Cristiano e, de repente, virou-se para mim e disse que ia levantar o A.R.D Macieira”, relata. Após esta conversa, pai e filho decidem reerguer o clube da terra que se encontrava inativo. Cristiano organizou e tratou de tudo, em paralelo, com Manuel. O objetivo de Cristiano sempre foi apostar na formação e assim aconteceu. 

Num espaço curto o clube tornou-se numa referência a nível concelhio e não só. De acordo com Manuel, todo o trabalho que foi implementado no A.R.D. Macieira deve-se ao esforço e empenho do filho. “O Cristiano era um verdadeiro líder e, sem dúvida, o meu braço direito”, afirma bastante comovido.  

Manuel Magalhães com Carlos Pinto (treinador de futebol, à esquerda da foto) Carlos Fernandes (coordenador ARDM) e o filho Cristiano Magalhães

Aquando do falecimento decidiu abandonar o clube, mas após pensar bem decidiu não fazê-lo. Assumiu, recentemente, a presidência e vai dar seguimento à obra iniciada pelo filho. “Eu estou lá por causa dele”, salienta.

Mediante tudo o que se passou na vida deste lousadense é congruente afirmar-se que se trata de um lutador. “A minha vida resume-se a Lousada”, finda Manuel Magalhães, o grande lousadense desta edição. 

Comentários

Submeter Comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artigos recentes

Andreia Moreira

Há mar e mar, …mas é tempo de Regressar

Setembro é, por norma, o mês de regressar: regressar às rotinas habituais, ao trabalho e, claro,...

Agrupamento de Escolas de Lousada vence “Concurso 50 Livros”, promovido pelo Plano Nacional de Leitura

A colaboração é o Santo Graal do professor bibliotecário. Jonhson (2004) Uma biblioteca “recheada”...

Gonçalo Ribeiro vence no Estoril Campeonato Nacional de Velocidade

A quinta jornada pontuável para o Campeonato Nacional de Velocidade 2023 decorreu este...

REVIRAVOLTA MANTÉM LOUSADA INVENCÍVEL

A AD Lousada recebeu e venceu a formação do Águias de Eiriz por 2-1, num jogo difícil mas...

Praça D. António de Castro Meireles

No coração da Vila, esta praça está circundada pela praça da República, rua Visconde de Alentém e...

Firmino Mendonça, o cafeteiro mais antigo

O cinquentenário Café Paládio é uma espécie de instituição comercial em Lousada e tem Firmino...

Intercâmbio cultural na Croácia

Um artista multifacetado e aventureiro, assim se pode definir o lousadense José Pedro Moreira, de...

Inglesa procura as suas origens em Lousada

CHAMA-SE ELIZABETH NATASHA LOUSADA Por várias razões (afetivas, existencialistas ou simplesmente...

Clube de Ténis de Mesa de Lousada

Esta edição possui o prazer de apresentar o emocionante mundo do ténis de mesa aos olhos de Rui...

Centros de Interpretação da Rota do Românico com entrada livre

Nos próximos dias 22, 23 e 24 de setembro, o ingresso nos Centros de Interpretação do Românico e...

Siga-nos nas redes sociais