por | 29 Ago, 2022 | Louzadense com Alma

Joaquim Maria Fernandes: O formidável amor que tinha pela sua terra

Esta figura típica do último quartel do século XX nasceu em 28 de Junho de 1918, na Vila de Louzada e aqui faleceu em 7 de Dezembro de 1993. Era filho de António Fernandes, da Vila de Louzada, e de Engrácia Gomes, de Aveleda. O seu sobrinho Manuel José Correia Fernandes revelou que esta foi deserdada pela família, de origem aristocrata, pois casou sem consentimento. Joaquim Maria Fernandes era irmão de Natália, Fernando, Henrique, António José, Júlia e Justina. Casou com Maria da Conceição Ribeiro, de Freamunde, com quem viveu até ao fim dos seus dias, numa casa que existiu na esquina do lado poente da Rua São Sebastião com a Rua Santo António, nesta Vila. Não deixaram descendência.

Aos 15 anos cometeu a façanha de se aventurar em terras flavienses para trabalhar numa mercearia. Mas não aguentou muito tempo em Chaves. Aos 18 anos abalou para o Porto onde trabalhou como empregado de mesa no famoso Café Guarany (que ainda existe, na esquina da rua de Ceuta com a avenida dos Aliados).

Não assentou arraiais na cidade Invicta por muito tempo. A atração pelo Ultramar estava no auge e vários louzadenses engendraram ida para Angola. Pois então lá foi ele, com Alberto Alves, Amílcar Neto (que haveria de ser presidente da Câmara Municipal de Louzada), Antero Moreira e Alfredo Mota (este acabaria por ser o primeiro a voltar a Portugal, para emigrar pouco depois para o Brasil).

Em 1953, regressado de Angola, Joaquim Maria Fernandes tomou conta do Café Avenida durante três décadas, ficando por isso conhecido como “Quim do Café”. O local era propriedade de Maria da Paixão Fernandes, também dona da Pensão Avenida. O café tinha estado sob exploração de Rosinha do Rosário, entre 1945 e 1953. Foi um estabelecimento de referência em Lousada durante décadas. Não foi só um importante ponto de encontro e de lazer, mas também de tertúlias culturais e reuniões informais onde germinavam ideias e propagavam-se novidades. No Café Avenida surgiu a primeira agência do Totobola e a primeira televisão pública, que constituíram dois fenómenos de grande popularidade e relevância social na história moderna de Lousada.

Foi um timoneiro de inúmeras iniciativas, tanto na sombra dos bastidores como na linha da frente. Quando algo de premente fazia falta a Lousada lá estava ele a tomar as rédeas da ação ou a incentivar para que tal necessidade fosse colmatada. Se não havia comissão de festas, logo ele tratava de “mexer os cordelinhos” ou “espicaçar este ou aquele” e lá se fazia a festa em Honra do Senhor dos Aflitos.

O futebol era uma das suas predileções. O sobrinho Rui Sebastião Fernandes, recorda que o tio “tinha pelo Futebol Clube do Porto uma paixão enorme, mas longe de ser doentia”. Ainda maior era o amor pelo clube da sua terra-natal. Houvesse essa obra editada e o seu nome estaria escrito com letras douradas na história da Associação Desportiva de Lousada (ADL), onde foi presidente e tesoureiro de várias direções nos finais da década de 1960, altura de grande crescimento do clube, nomeadamente com a iluminação elétrica do seu campo de jogos, com o surgimento do hóquei em campo, etc. Foi um período que antecedeu a primeira grande alegria desportiva proporcionada pela ADL, a subida de divisão em 1971, conseguida durante a presidência de Joaquim Valinhas (e não durante a presidência de Joaquim Maria Fernandes, como erradamente surgiu na edição impressa desta crónica).

“A serenidade do Joaquim Fernandes foi muito útil em várias ocasiões. Ele tinha uma capacidade muito grande de apaziguar mesmo os mais alterados e transtornados. Não se conhece que tenha havido desacatos nem grandes alterações da ordem no Café Avenida. Ele tinha o dom de sossegar os ânimos”, afirma João António Fernandes, que acrescenta: “O meu irmão, José António Fernandes, tinha uma barbearia mesmo ao lado do Café Avenida e eu passava lá muito tempo e foi daí que conheci o Quim do Café e nos tornamos grandes amigos”.

Este cabeleireiro aposentado e antigo autarca de Silvares e dirigente da ADL, também conhecido por Tonita, recorda que “estivemos juntos no futebol e de tudo o que vivemos ali, o que mais recordo com satisfação, foi um célebre acontecimento que podia ter dado para torto mas que graças a Deus – ou melhor, graças ao Dr. Adérito Guerra – os danos foram poucos”. Explica que “certo ano que não sei precisar, depois de se classificar em antepenúltimo lugar no campeonato da Segunda Divisão Regional, o Lousada teve que jogar a «Série dos Últimos», que venceu, mantendo-se por isso naquele escalão da Associação de Futebol do Porto. Num desses jogos no nosso campo, com o Valadares, o árbitro foi muito tendencioso contra o Lousada, de tal maneira que os espetadores, os jogadores e os dirigentes revoltaram-se. Houve uma invasão de campo medonha e só a ação do Cabo Monteiro, o comandante da GNR, e do Joaquim Maria Fernandes, o presidente da ADL, é que não deixaram que mal maior viesse ao mundo, mas não nos livramos todos de ir a tribunal, onde o Dr. Guerra nos ajudou muito e as coisas ficaram em águas de bacalhau.

“Nessa ocasião como em muitas outras, a capacidade que o Quim do Café tinha para serenar revoltosos foi fundamental e só assim é que o árbitro não foi maltratado, porque a população obedeceu aos pedidos de ordem do presidente”, acrescenta.

Por curiosidade, refira-se que os titulares da equipa de futebol foram castigados pela Associação de Futebol do Porto e o campo foi interditado durante um mês, pelo que o jogo seguinte, com o Crestuma, teve que ser disputado em Freamunde “e o Lousada…ganhou com as reservas!”, recorda Tonita, salientando que “o golo foi marcado de livre pelo Keller, que tinha sido o único titular que escapou de ser castigado no jogo com o Valadares, pois tinha sido substituído antes da invasão de campo”. O antigo dirigente recorda que “o Lousada transcendeu-se naquele jogo, também fruto da motivação que o Joaquim Fernandes transmitia porque ele incentivava muito as pessoas quando as situações eram difíceis”.

“Foi um grande Louzadense, dos maiores que eu conheci”, assegura João António Fernandes, considerando que “o amor que ele tinha pela sua terra era uma coisa formidável”.

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