João Fernandes: O Homem Humanitário

“Supervisionei a construção do belíssimo complexo desportivo, na qualidade de diretor da Associação de Futebol do Porto”

João António Fernandes, nascido a 30 de novembro de 1942, é um lousadense ligado a causas cívicas, tendo cumprido com êxito todas. Exerceu, desde pequeno, a sua verdadeira paixão: ser cabeleireiro de senhoras e a par desta sua atividade conciliou com outros cargos inerentes à terra. O primeiro presidente da junta de freguesia de Silvares após o 25 de abril, bombeiro voluntário durante 37 anos, dirigente da Associação Desportiva de Lousada, diretor da Associação de Futebol do Porto…e outras funções que ao longo da entrevista foram abordadas. 

Natural de Cristelos, porém, residente na Rua de Santo António em Silvares há 35 anos. “Vivi muitos momentos importantes”, introduz. O cidadão desta edição confessa que a sua juventude foi assente em episódios mais infelizes e, dado isto, teve de crescer rápido. 

Com apenas 6 anos de idade, perdeu um dos seus irmãos e, anos mais tarde, voltou a perder outro. Quanto a este último, não conseguiu ir às cerimónias fúnebres pois o falecimento deu-se em vésperas de embarcar para a Guiné em serviço militar. “Foi uma fase difícil para mim e para a minha família”, afirma. 

Após estas ocorrências, a sua vida foi pautada por capítulos de muito amor e felicidade. Aos 19 anos ingressou na Tropa e mudou-se para a Guiné, durante 26 meses em que cumpriu serviço, tendo sido bastante acarinhado por colegas e supervisores. Segundo o próprio, era muito bem visto por todos e todas as atividades que envolviam o desporto estava presente. “Construímos um campo de futebol”, conta. 

João na Tropa com a sua equipa de futebol

A sua educação e humildade fizeram com que tivesse êxito nesta fase da vida e, por conseguinte, ganhou vários prémios. “Num dos combates um superior resolveu dar-me um louvor”, reforça. Todavia, não prosseguiu esta carreira porque apesar de gostar a ansiedade de voltar para junto da família era grande.

Na sua passagem pelo serviço militar

O lousadense é proveniente de uma família de barbeiros, sendo que a atividade começou no progenitor. “Tenho a 4º classe e após o término iniciei trabalho na barbearia”, declara. Nesta época, o negócio era gerido pelos irmãos e foi com estes que aprendeu a arte, aplicando nos colegas de serviço militar de forma gratuita. 

João com os seus colegas na Tropa

João teve afeto pela profissão de família, mas preferiu mudar-se para cabeleireiro de senhoras. Neste sentido, após regressar da tropa satisfez a sua promessa e foi tirar o curso com o dinheiro que ganhou em serviço. 

“Tive um prémio de presença de partida para ultramar e enviei-o todo para a minha mãe pois sabia a falta que lhe fazia. Aliás, uma percentagem da prestação que recebia todos os meses também enviava para ajudar em casa”, explica. Contudo, a sua progenitora guardou o dinheiro todo e no regresso entregou-o ao lousadense. 

O seu tio arranjou um professor para que durante 2 anos aprimorasse o seu talento, na medida que o facto de ter sido barbeiro ajudou-o a já ter “luzes”. Todos os dias dirigia-se até ao Porto e, nesta altura, já cortava o cabelo a algumas senhoras dado o seu empenho. 

Após concluir o curso, inaugurou um salão para senhoras onde sempre teve clientes que o ajudaram muito a progredir. “Criei elos fortes e verdadeiras amizades que se prolongam até ao dia de hoje”, sublinha, evidenciando a sua sorte por ter as pessoas certas no caminho. 

A conversa sobre a sua atividade profissional havia terminado e, de seguida, afirmou que em “todas as atividades importantes da terra era convidado a fazer parte”. Relativamente ao desporto, foi atleta das camadas jovens do Futebol Clube de Penafiel antes de ir para a Guiné e, depois do regresso, ingressou na Associação Desportiva de Lousada. 

“Foi uma vida no futebol”, salienta. Enquanto esteve na Associação Desportiva de Lousada desempenhou várias funções: jogador, treinador, dirigente, tesoureiro e presidente. No âmago, esteve presente em todas as vertentes e na última exerceu três mandatos. 

Inerente a estas funções, entrou na Associação de Futebol do Porto para o cargo de diretor e deixou a ADL pois não dava para conciliar. Durante os 22 anos, dirigia-se ao Porto para as reuniões e era nomeado para aferir se certos campos de futebol tinham ou não condições. 

“Supervisionei a construção do belíssimo complexo desportivo, na qualidade de diretor da Associação de Futebol do Porto”, revela. 

O lousadense sempre teve várias paixões e, por esta razão, foi um cidadão bastante ativo em prol do desenvolvimento da sua terra. Após o 25 de abril de 1974, foi o 1º presidente da junta de freguesia de Silvares. “Fui convidado, pelo sucesso que tinha naquilo que fazia, e aceitei”, afirma. 

Na época, não havia uma única estrada em asfalto e também não havia luz pública. Aliás, não havia as coisas mais básicas e importantes. Posto isto, os seus 4 mandatos foram baseados na construção e pavimentação de várias rodovias para criar as acessibilidades necessárias. 

Enquanto esteve à frente, passava muitos atestados à população e esta vinha buscá-los à sua habitação. A junta não possuía sede e era na habitação do lousadense que os problemas eram resolvidos. “Muitas vezes às 7h da manhã tinha gente à minha porta pois não havia um horário, aliás apenas havia uma proximidade e ligação muito forte”, conta. 

Conforme o próprio, fez o possível sem quase dinheiro nenhum. A mensalidade que ganhava pelo seu cargo não aceitava para que a mesma fosse utilizada em prol de obras para a freguesia. “Abracei com todo o gosto e, ao mesmo tempo, conciliava com a minha atividade profissional”, sublinha. Após 14 anos, saiu devido a uma divisão de pessoas. 

O cidadão esteve na Associação de Cultura Musical e também na Assembleia Louzadense e conta que no seu 1º mandato, nesta última, arranjou dinheiro para as obras e, por sua vez, no último ficou encarregue da exploração do bar. Mais uma vez, recusou qualquer dádiva. Após uns anos, saiu devido a um problema de saúde da sua falecida esposa mas deixou bastante dinheiro para o futuro da mesma. 

Por meio destes cargos enumerados, participou noutras atividades sociais. “Fiz as festas grandes, ou seja, no que fosse necessário marcava presença”, revela. Em todos os papéis que desempenhou primou sempre pela humildade, na medida em que não procurou evidenciar-se em nenhum feito.

O lousadense foi bombeiro voluntário durante 37 anos devido ao seu forte dever humanitário. Neste manteve-se por paixão pois não beneficiava nada e, apenas saiu, por limitação de idade se não tinha continuado até a saúde lhe permitir. 

Recorda, desta forma, um episódio enquanto desempenhou este papel. “Num sábado estava a trabalhar e a sirene não parava de tocar. Naturalmente, a minha ânsia em ajudar era tanta, que passei a senhora que estava a atender para a minha filha e fui a correr. Fui o primeiro a chegar e, como recompensa, fui insultado”, conta. 

João era sempre o primeiro a chegar, dispunha do seu tempo, entregava-se de corpo e alma, sacrificava-se…ou seja, ia só. Porém, foi muitas vezes insultado e o sentimento era de tristeza  por estas razões enumeradas. Após ter saído, a sirene tocava e continuava a reagir dada a paixão e o hábito de uma vida. 

A sua mulher e a sua filha estavam um pouco cansadas porque queriam tê-lo mais presente em casa. Contudo, devido às inúmeras atividades em que participou não foi possível. “Para corresponder a certos deveres, naturalmente, deixei de estar tanto tempo com elas”, confessa. 

O lousadense desempenhou vários papéis e um dos mais importantes foi, sem sombra de dúvidas, ser avô. 

João e a esposa com a neta

Uma vida movida por paixões que, por conseguinte, trilharam o seu caminho. No final da entrevista, realça o facto de andar sempre de cara levantada e também o facto de não se arrepender do seu percurso. “Fiz tudo isto pela minha terra”, conclui João Fernandes. 

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