por | 10 Fev, 2023 | Sociedade

O Consumo de Substâncias Ilícitas na Adolescência

A maioria dos quadros de dependência química começam na juventude porque é um momento de diversas mudanças relacionadas com o psicológico do adolescente, que se torna mais vulnerável e, por vezes, influenciável. Olhando para os últimos acontecimentos no concelho, para abordar este tema de extrema relevância, foram contactados diversos indivíduos e entidades em diferentes posições. 

Na Assembleia Municipal de Lousada de 29 de setembro de 2022, Ana Leal Moreira, eleita pela Coligação Acreditar Lousada, Presidente da JSD de Lousada e Membro da Comissão Alargada da CPCJ de Lousada, afirmou: “50% dos jovens do concelho de Lousada, desde a saída da escola até à entrada no transporte escolar ou até à chegada a casa, já foram abordados para consumir drogas”. Esta afirmação surge com base em dados recolhidos no âmbito do Projeto Adélia pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Lousada.

Explanando, a CPCJ para elaborar o Plano Local de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens de Lousada necessita de um conjunto de índices que foram levantados através do Projeto Adélia. Este foi iniciado em 2019 e desenvolvido, em colaboração, pela CPCJ de Lousada e o Grupo de Investigação e Intervenção em Acolhimento e Adoção da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. 

Posto isto, através de uma base de indícios obtidos, a entidade elaborou um plano para criar respostas a uma das problemáticas existentes no concelho. O indicador de 50%, segundo a própria, é de extrema gravidade pelo facto de ser necessário perceber de onde é proveniente a droga e, ainda, pelo facto de provocar sequelas no futuro dos jovens. 

O Presidente da Câmara, Pedro Machado, respondeu que é um problema que já vem de há alguns anos. O autarca sublinha, ainda, que são disponibilizados meios e que já efetuou um pedido de reforço de fiscalização por parte da GNR. 

“Se já não é de agora, ainda mais me questiono como é que se chegou a uma taxa tão elevada”, refere Ana. Esta sublinha que os meios referidos não são suficientes senão não havia uma percentagem tão alta. Nos últimos tempos, tomou conhecimento de um aumento de rusgas, facto que confirma que algo de errado se passa. 

O estudo foi divulgado o ano passado e, desde então, a lousadense ainda não viu nenhuma ação de sensibilização por parte da Câmara Municipal de Lousada. Portanto, se entretanto a autarquia nada fizer e se abster a percentagem preocupante irá ser ainda maior. 

A GNR possui um programa a nível nacional, a Escola Segura, com o objetivo de sensibilizar os jovens em várias temáticas. Para mais, a CPCJ de Lousada possui o seu Plano de Ação Local que contém medidas no combate a esta situação. Todavia, de acordo com a própria, deveria haver um maior reforço e envolvimento do concelho. 

Neste seguimento, sugere um conjunto de procedimentos: alertar os pais e as famílias para o risco de consumo deste tipo de substâncias; alertar os alunos; alertar o corpo docente e não docente; sensibilizar e formar através de workshops e formações; ações no centro de saúde; entre outros. Para Ana, em primeira linha, frisa os pais porque é através da família que se consegue controlar os comportamentos. 

O consumo origina diversas consequências como: dependência no futuro; aumento dos problemas de foro mental; redução do senso crítico; queda do rendimento escolar e consequente abandono escolar; diminuição da interação social; e outras. 

“A idade da adolescência é fundamental para o desenvolvimento do ser humano como pessoa e estando ele inserido numa sociedade é importante que as suas características não sejam dopadas por substâncias químicas”, salienta. 

Em jeito de finalização, Ana Leal Moreira refere que o facto de Lousada ser o segundo concelho do Porto mais pobre e também o facto de existir diversos casos de violência doméstica faz com que a droga se torne um refúgio para os jovens seja a nível do consumo como da venda. 

Ana Leal Moreira

Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Lousada Jorge Garrido

“Na minha qualidade de Presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Lousada, face à comunicação enviada – Jornal O Louzadense – Consumo de droga – tenho a informar que não estarei disponível para prestar quaisquer declarações à comunicação social, designadamente o V/jornal local ou outro meio de comunicação que solicite declarações no âmbito de assuntos devidamente tratados junto das entidades competentes e que não sejam retirados do contexto onde quaisquer informações seja disponibilizadas.”

Filipe Plácido Correia da SilvaDiretor do Agrupamento de Escolas de Lousada

“Se os resultados resultam de um estudo é porque existem dados concretos”, principia acerca do estudo revelado pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Lousada (CPCJ) através do Projeto Adélia. O diretor acredita que o aliciamento não indica que haja efetivamente o consumo de substâncias. 

A referência às imediações da Escola Secundária deve-se por esta albergar a maioria dos jovens do concelho. Contudo, de acordo com o próprio, a persuasão poderia ocorrer nas imediações de qualquer outra instituição/estabelecimento. O diretor encontra-se há 9 anos na função e sublinha que não considera que exista um maior consumo agora, sendo esta uma problemática extensível a muitas outras escolas, e não só, e que é trabalhada todos os anos em ambiente escolar, quer ao nível da disciplina de cidadania no domínio da saúde, quer em palestras de sensibilização junto da comunidade em articulação com instituições direcionadas para este âmbito, quer ao nível do programa “Escola Segura” dinamizado pela GNR.

O diretor acrescenta que a Escola Secundária de Lousada encontra-se em constante articulação com a CPCJ, a GNR e o Município, com o intuito de juntos fazerem o melhor trabalho de sensibilização possível. 

“Existe um trabalho efetivo por parte das autoridades (GNR), nomeadamente, o facto da sua passagem junto à escola atua como estratégia dissuasora ao consumo de substâncias nocivas”, ressalva. Neste seguimento, aquando do questionamento acerca das últimas movimentações desta entidade, afirma que há efetivamente ações no terreno. 

Em remate, ressalta que muitos jovens que frequentam as redondezas da instituição não a frequentam. “A escola está atenta, preocupada e a fazer o possível em articulação com as demais entidades para que este venha a ser um problema menor, alertando os encarregados de educação para o condicionamento das autorizações de saída do espaço escolar”, conclui Filipe Silva.

Diretor Filipe Silva

Guarda Nacional Republicana Comando Territorial do Porto 

“ (…) A Guarda nacional Republicana (GNR), através dos seus militares das Secções de Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário, realiza periodicamente ações de sensibilização na escola secundária de Lousada, alertando os alunos e toda a comunidade escolar para os crimes relacionados com o tráfico de estupefacientes e o consumo. A Guarda empenha ainda as patrulhas no âmbito do policiamento de proximidade junto à escola secundária, principalmente nos momentos de entrada e saída dos alunos, por forma a garantir a segurança e inibir qualquer tipo de comportamentos desviantes.

Alunos da Escola Secundária de Lousada 

Lara Guedes, 13 anos, 8º ano de escolaridade

“Nunca tive nenhuma palestra acerca do consumo de drogas, seja nesta escola como nas restantes que frequentei, porém, ouço bastante na rua. Já assisti ao aliciamento nas imediações e acho que a pessoa que estava a vender é aluno cá porque já a vi dentro das instalações. Se um amigo meu consumisse eu diria para parar pois faz mal à saúde.”

Lara Guedes

Rodrigo Rodrigues, 16 anos , 10º ano de escolaridade

“A primeira vez que ouvi falar do tema foi através de uma enfermeira que veio à minha escola falar dos riscos e consequências do consumo dessas substâncias. Mudei-me este ano para cá mas já assisti muitas vezes à abordagem do consumo. Aliás, é recorrente e tudo o que vi foi fora da escola.”

Rodrigo Rodrigues

Vanessa Teixeira , 13 anos , 8º ano de escolaridade 

“Não me recordo da primeira vez que ouvi falar no assunto, mas posso garantir que nunca tive nenhuma atividade de sensibilização. Posso dizer que nunca vi nada e não conheço ninguém que consuma ou venda. Caso alguém meu amigo consumisse, eu dizia para não o fazer pois não é o correto.”

Vanessa Teixeira

Guilherme Teixeira, 12 anos, 7º ano de escolaridade

“Estava no 5º ano quando ouvi falar drogas através de uma enfermeira que veio dar uma aula sobre o tema. Já assisti ao aliciamento do consumo de droga no portão da escola, mas não conheço ninguém que consome ou que venda. Se alguém que conhecesse consumisse, dir-lhe-ia para parar porque as drogas fazem mal e criam dependência”. 

Guilherme Teixeira

Mães de alunos da Escola Secundária de Lousada 

Cláudia Teixeira, 41 anos, Merchandiser

  1. Na sua opinião, os jovens sentem curiosidade pelas drogas ou até atração pelo risco?

A maioria dos jovens sentem curiosidade pela sensação que as drogas deixam. 

  1. Qual a importância da família na prevenção do uso de drogas entre adolescentes?

É muito importante o envolvimento da família, explicar, dar a conhecer o mundo mau das drogas. 

  1. Em algum momento, quando foi buscar o seu filho à escola, viu algum aliciamento ao consumo de droga?

Em nenhum momento, quando fui buscar o meu filho à escola, assisti a algum aliciamento ao consumo de droga.

  1. Quais acredita serem as prevenções necessárias para que o aliciamento nas imediações se extinga?

A nível de prevenção ressalto a vigilância das autoridades.

  1. Alguma vez o seu filho falou-lhe acerca do tema ou de situações que viu na escola?

O meu filho já falou diversas vezes do tema e de situações que viu na escola. 

Cláudia Teixeira

Sónia Oliveira, 44 anos, Professora 

  1. Na sua opinião, os jovens sentem curiosidade pelas drogas ou até atração pelo risco?

Creio que depende muito da abordagem ao tema que é feita em casa. Falar abertamente sobre esse assunto, de forma honesta e assertiva, acho que contribui para diminuir essa curiosidade, em detrimento da consciência do enorme risco inerente a essa vontade de experimentar. 

  1. Qual a importância da família na prevenção do uso de drogas entre adolescentes?

É, primeiramente, no seio familiar que esses temas devem ser abordados, sem rodeios, de forma verdadeira e frontal. Só esta consciencialização poderá fazer toda a diferença: só jovens bem informados e conscientes dos riscos que correm, poderão escolher os caminhos mais acertados. 

  1. Em algum momento, quando foi buscar o seu filho/a à escola, assistiu a algum aliciamento ao consumo de droga?

Sim, já assisti a esse aliciamento, tanto a experimentarem droga, como ao consumo de bebidas alcoólicas.

  1. Quais acredita serem as prevenções necessárias para que o aliciamento nas imediações se extinga?

Quando verifiquei essa situação dirigi-me ao posto da GNR de Lousada e falei com o Sr. Comandante. Foram tomadas medidas no dia seguinte. Percebi que as autoridades estão atentas e têm desenvolvido algumas ações no sentido de colmatar o problema.

Parece-me que em primeiro lugar deve haver uma sensibilização constante junto dos jovens, seja pela família, pela escola, pelas entidades de saúde escolar; apostar em termos jovens informados e conscientes dos riscos que correm com o uso das drogas. Depois uma vigilância periódica e constante desses espaços, por parte das autoridades, até que esses marginais, que diariamente tentam chamar os miúdos para um mundo de ruína, desistam de o fazer.

  1. Alguma vez o seu filho falou-lhe acerca do tema ou de situações que viu na escola?

Sim, além desse consumo e aliciamento estar à vista de todos, a minha filha também dá conta de ações da autoridade para impedir que isso aconteça, como aconteceu recentemente.

  1. O facto de um estudo indicar que 50% dos jovens do concelho de Lousada são abordados nas imediações da Escola Secundária, preocupa-lhe?

Claro que sim! E cada vez mais temos a responsabilidade moral de intervir para que essa situação seja resolvida, nomeadamente através de alertar as autoridades e identificar (na medida do possível) quem o faz.

Sónia Oliveira

Estatísticas 

O Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) elaborou uma Sinopse Estatística sobre as Substâncias Ilícitas em 2020. Os resultados encontram-se nos gráficos intitulados “Contexto Escolar”  que aborda o consumo nos dois gêneros, nas diferentes idades. 

De referir que o estudo engloba o tabaco, o álcool, as drogas e outros comportamentos aditivos e dependências entre os 13 e os 18 anos de idade. As diferenças sexuais são particularmente notórias, sendo as percentagens do sexo masculino maiores que as do sexo feminino. 

Da análise destes gráficos nota-se que o consumo de substâncias ilícitas está muito generalizado na fase final da adolescência, aos 17-18 anos de idade. Existe uma evolução explícita à medida que os indivíduos crescem, transitando de 2,8% para 30,9% no total ao longo da vida e de 2,4% para 26,9% no total nos últimos 12 meses, num intervalo de 5 anos. 

O canábis é a substância ilícita com as maiores prevalências de consumo nos últimos 12 meses em adolescentes em Portugal. Seguidamente a este, aparece a cocaína mas com um período de percentagem bastante inferior. No último, é possível constatar que em 2019 as prevalências de consumo ao longo da vida diminuíram comparativamente a 2015 e 2011, salvo as exceções dos 13 anos e dos 16 anos. 

Contexto Escolar. Fonte: SICAD

O Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) realiza também há alguns anos um  inquérito aos jovens participantes no Dia da Defesa Nacional. Este consiste num retrato dos comportamentos aditivos dos jovens que completaram 18 anos, a partir de uma perspetiva regional.

O gráfico intitulado “Drogas Ilícitas por região face ao total nacional” mostra a prevalência de consumo nos últimos 12 meses nos adolescentes com 18 anos. É possível verificar que a percentagem do Norte (azul) em 2021 é superior, ligeiramente, ao total nacional (preto). Foi a primeira vez que tal sucedeu-se, conforme se pode verificar. 

Drogas ilícitas por região face ao total nacional. Fonte: SICAD

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