Da desgraça de Beatriz aos conselhos de um especialista
A facilidade de acesso a jogos de fortuna ou azar, nos balcões de cafés, nos telemóveis e nos computadores, tem perturbado seriamente muitas vidas, entre as quais há cada vez mais jovens. Apresentamos nesta reportagem o caso de Beatriz, de 42 anos, designer gráfica de uma agência de publicidade, viciada em raspadinhas. Perdeu o emprego, quase destruiu o casamento e está em reabilitação através de um programa específico para jogadores compulsivos. No final desta reportagem solicitamos a um conhecido jogador profissional de Poker, André Marques (Meinedo, Lousada) para falar dos perigos que espreitam nos jogos de fortuna e azar. Vale bem a pena atentar em cada palavra deste especialista.
“É um fenómeno galopante e é terrível como uma droga”, diz o analista social Carlos Richter, que aponta a ludopatia ou vício do jogo como um comportamento aditivo que consiste em jogar e apostar sucessiva e descontroladamente. “O hábito de jogo compulsivo tem consequências psicológicas, sociais e financeiras que afetam a pessoa que joga e as que lhe são próximas. É um problema social que não salta à vista, mas existe em proporções alarmantes”, diz o especialista a O Louzadense.
“Há vidas felizes e famílias estáveis que se desmoronam por causa deste vício como por outro vício qualquer. É em muitos aspetos idêntico aos vícios da droga, das compras ou da comida. Há alunos brilhantes que se perdem nos jogos de vídeo ou nos casinos online. O jogo é uma tentação legalizada, que está à distância de um clique, de um link. É muito fácil agarrar pessoas incautas. Até as famosas e aparentemente inofensivas raspadinhas são um perigo para quem joga compulsivamente”, expõe Carlos Richter. Ele advoga que as investigações têm mostrado que existem muitas semelhanças entre os problemas relativos ao jogo e as perturbações de dependência de substâncias (inclusivamente a nível neurobiológico) e, como tal, passaram a ser considerados uma perturbação aditiva.
Beatriz, viciada em raspadinhas
“Eu nunca comprei raspadinhas com o objetivo de ficar rica”, confessa Beatriz, de 42 anos, natural da região de Aveiro, mas a residir em Lousada desde que o marido veio trabalhar para uma multinacional em Lousada. “Eu jogava porque gostava da adrenalina, da sensação de ganhar”, admite esta mulher que trabalha como designer gráfica numa agência de publicidade. Com a pandemia passou a trabalhar à distância. “O trabalho em casa isolou-me muito das pessoas e também me deu mais tempo livre. Eu trabalhava como e quando precisava. Fiquei com tempo livre e o jogo era um entretenimento, no início, até que se tornou, em poucos meses, num pesadelo”, relata a nossa entrevistada.
“A emoção de ganhar era uma sensação estranha, mas que me fazia jogar cada vez mais. Só pensava em jogar. A minha vida andava à volta disso. Ninguém sabia, só eu. Sentia-me culpada, mas o vício era maior”. As contas começaram a ficar por pagar e o vício de Beatriz foi descoberto. Frequenta um programa de reabilitação há um ano e não se considera curada: “isto é uma doença comportamental, foi assim que me explicaram o meu problema. Eu jamais estarei curada e tenho que estar atenta, um dia de cada vez, para não recair no jogo. Como um diabético não deve tocar em açúcar, uma pessoa adita ao jogo não deve jogar”.
Esta mulher frequentava vários locais de venda de raspadinhas e não era a única a jogar assiduamente. “Nos arredores da minha rua há quatro sítios onde se pode comprar e raspar. Todos os dias me cruzava com pessoas também viciadas. É fácil de perceber quando uma pessoa está viciada e não é só pela quantidade de vezes que joga. A forma como se raspa diz muito do vício da pessoa, pois é uma forma de raspar muito frenética”, explica.
“Tentei várias formas de deixar de jogar e não consegui, parecia que um espírito mau me puxava para jogar. Não era nada disso, era simplesmente o vício que estava em mim. Um dia eu tinha comigo 300 euros para pagar o seguro anual de um carro e gastei-os em pouco mais de dez minutos. Os remorsos, a culpa, a vergonha, enfim, eram sentimentos muito maus, que só desapareciam ou ficavam camuflados quando ganhava e isso fazia-me jogar mais e mais”, relata esta ex-jogadora em recuperação, conforme gosta de se identificar.
André Marques lança vários alertas
Famoso por frequentar campeonatos internacionais de Poker numa equipa profissional, o lousadense André Marques, de 28 anos, está muito a par do tema do vício do jogo, apesar de considerar o poker como um desporto mental e não um jogo. “Jogar contra pessoas é possível batê-las, ganhar-lhes. Mas contra o Casino ou contra as raspadinhas, por exemplo, isso não é possível”, afirma terminantemente.
Confessa que se sente incomodado com “a publicidade em demasia que existe perante o jogo” e considera que a facilidade de acesso a isso é muito alta, inclusive para menores. “Acho que qualquer menor hoje em dia pode simplesmente sacar uma aplicação e criar uma conta falsa e gastar dinheiro que não deve. Com isso vem a propagação do vício e isso é mau”, declara.
Daquilo que lhe é dado observar ou ouvir, acha que “há menos jogo clandestino porque existe muito mais facilidade de acessar ao jogo pelo telemóvel ou pelo computador, é mais fácil ir a um casino online sem ninguém se aperceber”, explica de forma cabal, para depois acrescentar a opinião de que “se eu fosse um viciado, preferia jogar em casa sem ninguém ver, do que ir para um sítio público”. Por fim, um conselho que André Marques deixa: “Não joguem, de todo. Vocês não conseguem bater qualquer jogo de casino, qualquer jogo de raspadinhas, o que quer que seja. O poker, que não é jogado contra um casino, mas contra outras pessoas, sim é possível bater mas joguem com cautela, de preferência divirtam-se e joguem apenas o que podem gastar. Por norma, há sítios melhores para investirem o vosso dinheiro”.

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