Um agente de segurança de um hipermercado de Lousada revelou a O Louzadense que o número de furtos “aumentou muito” nos últimos três meses. O profissional, que aceitou falar para a nossa reportagem sob anonimato, explicou que “até há alguns meses, os furtos não eram tantos e envolviam sobretudo bebidas alcoólicas, mas agora acontece mais com comida e outros bens essenciais”. O segurança garantiu que “o mesmo acontece nos outros hipermercados do concelho e em todo o país”. Questionado sobre isto, o representante em Lousada da AMI – Assistência Médica Internacional disse-nos que “é uma realidade que me preocupa e não sei onde isto vai parar”. De acordo com Vasco Bessa “há muita pobreza envergonhada, gente que passa sérias dificuldades às escondidas”.
A Rede Europeia Anti-Pobreza (REAP) mostrou-se recentemente preocupada com o aumento do número de pessoas a roubar comida em grandes superfícies comerciais. Igualmente a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição alerta que são cada vez mais os casos de roubo de comida.
Em entrevista recente à Antena 1, Joaquina Madeira, vice-presidente da REAP disse que esses roubos devem ser vistos “como casos de pobreza escondida e envergonhada”.
Aquela dirigente disse também que “muitas famílias da classe média estão pela primeira vez na vida a enfrentar dificuldades para comprar alimentos”.
Joaquina Madeira explica que “estas pessoas têm vergonha de pedir apoio alimentar e preferem realizar pequenos furtos para colmatar a falta de alguns produtos cada vez mais dispendiosos, mas elementares”. A vice-presidente da Rede Europeia Anti Pobreza diz que são intoleráveis estes casos de incapacidade financeira para comprar alimentos e que é necessário mobilizar ajuda para estas famílias.
Também a presidente do Banco Alimentar, Isabel Jonet, veio a público dizer que estão a aumentar os pedidos de ajuda tanto da parte de famílias, como de instituições.
Sobre esta temática fomos ouvir o representante da AMI em Lousada. Há mais de 20 anos à frente desta fundação de solidariedade social, Vasco Bessa descreve o problema como “muito preocupante e não sei onde isto vai parar, pois só vejo tendência para piorar”.
Os novos necessitados
“Temos em Lousada o mesmo que temos no país, ou seja uma realidade onde os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais empobrecidos, mas também temos uma outra realidade a aumentar, que é a dos novos necessitados”, declara o líder da AMI/Lousada, que aponta a inflação galopante como a principal causa deste problema económico e social e explica que “o que hoje ficou mais caro um euro, amanhã já pode custar mais meio euro. Está verdadeiramente difícil e é preciso pôr termo a isto”.
Os salários não acompanham o aumento da inflação e para Vasco Bessa “uma pessoa que há uns meses até tinha um ordenado aceitável e suficiente para os seus gastos, agora já não tem. Há muita gente nessa situação”.
O conhecido agente de solidariedade social em Lousada salienta que “há pessoas que viveram bem e que neste momento estão numa situação dramática. Trata-se de um problema ainda mais grave porque são pessoas com vergonha de assumir que têm dificuldades e, mais ainda, têm vergonha de admitir que passam fome. Eu sei de casos assim, não apenas por estar na AMI, mas por todos os dias ouvir no café conversas de pessoas a desabafar sobre ter que entregar a casa, pois pagavam 400 euros e agora pagam 700 e ouço pessoas dizer que não sabem como vão ser as suas vidas devido ao aumento dos preços da comida, enfim, ao aumento de tudo, de uma forma nunca vista”, enfatizou aquele voluntário social.
As escadas da vergonha
O abrandamento do crescimento económico causa falta de trabalho e de emprego, o que a par da elevada inflação (9,8%) e diminuição do poder de compra (o salário mínimo aumentou 7,8%) geram sérios problemas económicos às famílias. “Só sei uma coisa: é preciso pôr um travão a isto, a este flagelo. Todos os dias nos aparecem pessoas a pedir bens alimentares e roupa”, diz Vasco Bessa.
“A AMI está instalada num local discreto, onde as pessoas podem vir sem dar muito nas vistas e por isso a vergonha de ser visto a pedir-nos ajuda não se coloca muito. Quando estávamos no largo do Pelourinho, no edifício da Copagri, essa situação de exposição social acontecia e também por isso em boa hora a AMI foi transferida para este sítio”, realça.
Há alguns anos, aquelas escadas de frente para o Pelourinho expunham as pessoas que chegavam de sacos vazios e partiam abastecidas de bens para fazer face às suas dificuldades. “Muitas vezes não resolve nada, mas atenua qualquer coisa”, diz Vasco Bessa, que enaltece o facto destas pessoas “escolherem pedir ajuda em vez de roubar”.
Muitos brasileiros pedem ajuda
A existência de emigrantes com dificuldades económicas é outra realidade nova. O dirigente da AMI/Lousada revela que “muitos brasileiros pedem ajuda e podíamos pensar que seria uma situação transitória mas está a revelar-se mais prolongada e não se vislumbra jeitos de isto mudar, infelizmente”.
Se Lousada parecia ser um el dorado para muitos emigrantes que chegaram em catadupa ao nosso concelho nos últimos meses, a vida está a mostrar uma realidade diferente. Estes e outros relatos e os indicadores económicos que diariamente vêm a público denotam dificuldades para um grupo social normalmente sem suporte familiar ou outro e por isso o assistencialismo é o seu recurso mais natural.

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