Orçamento é superior a 200 mil euros
A bairrista e briosa povoação da Senhora Aparecida prepara a romaria de Agosto imbuída de um espírito ainda mais arrojado e empenhado que nos anos anteriores. São duzentos anos de um evento marcante na localidade e na região. Está previsto um orçamento recorde. O cartaz tem vários artistas de renome; a feira e concurso de gado vai ser reativada; haverá quatro bandas filarmónicas no domingo; e o fogo de artifício vai ser ainda mais forte, assim como as tradicionais corridas de motas e de cavalos. Quanto à majestosa procissão, é esperada a maior enchente de sempre. André Faria, presidente dos festeiros, está confiante no sucesso do evento.
Com a experiência adquirida ao longo de sete anos na organização dos festejos em honra da Senhora Aparecida a comissão de festas quer terminar “em grande” o mandato a que se propôs. “Há alguns anos que temos em vista a romaria dos 200 anos”, conta André Faria, que está nestas andanças desde os 29 anos de idade e chefia a comissão composta por 25 pessoas.

Rejeitando protagonismo este representante da comissão diz que não se intitula mais que os outros membros: “o cargo que ocupo foi atribuído pelos colegas da comissão e é uma formalidade, pois todos nós temos voto em tudo, não há pessoas direcionadas para isto ou para aquilo, todos os assuntos são tratados entre todos”.
Diz com agrado que a romaria aparecidense “é uma festa que nunca dá prejuízo, pois fazemos as coisas de forma a que assim seja e até temos vindo a juntar sobras de outros anos para investir um pouco mais neste ano”, diz o festeiro de 36 anos, que aponta para um orçamento na ordem dos 200 mil euros, pois querem “que seja uma festa que fique marcada”. Sublinha que, como sempre, os festeiros estão a dar o melhor de si, mas se calhar o empenho é maior, pois querem “fazer algumas coisas especiais”.
Para reunir tão avultada quantia financeira, a comissão de festas conta com o próprio trabalho e com a “habitual generosidade da população a Vila da Aparecida, assim como das freguesias de Vilar, Cernadelo e São João de Aião (Felgueiras), onde se realizam os peditórios”.
Outra fonte de receita são os eventos ao longo do ano, onde os cortejos de oferendas são dos que permitem maior angariação de fundos. “A venda de lenha oferecida por proprietários é uma das formas de angariar dinheiro, mas é tarefa que dá muito trabalho à comissão porque é preciso cortar as árvores, rachar a lenha, encher tratores e vender”, explica André Faria.
Novidades e melhoramentos
A bênção das motas é para manter e reforçar, pois “no dia quinze de manhã isso atrai milhares de motociclistas, que é um momento alto” de uma romaria muito especial, “que é diferente das demais, não só pelo aspeto religioso mas também pelas atividades que preenchem todos os dias da festa e não apenas as noites”. Levantando um pouco do véu sobre os planos, diz que “vamos ter quatro bandas de música, como dizem que aconteceu no centenário da romaria e nós queremos repetir essa tradição. Vai voltar a feira e concurso de gado, que também era uma tradição bastante antiga. De resto, não há muito que se possa fazer diferente, mas vamos tentar fazer melhor e gastar um pouco mais para ter um bocadinho de qualidade acrescida”, assim fala o presidente da festa, que também promete engrandecer o fogo de artifício, que todos os anos é um dos mais apreciados na região.
Tendo em conta que a recuperação de tradições perdidas ou esquecidas é uma das apostas deste ano, perguntamos se ponderam fazer regressar a Procissão dos Caixões, que tinha tanto de polémica como de fama. Diz André Faria, com firmeza, que “é uma questão que está enterrada; se calhar fez algum sentido nos tempos mais antigos, mas para mim nunca fez sentido colocar pessoas ou crianças dentro de caixões para cumprir promessas de outros”.

Excelente programa musical
O palco vai estar bem preenchido com artistas de renome nacional, sobretudo para o público mais jovem: Santamaria, Bárbara Bandeira, Expensive Soul e Diogo Piçarra. “Se calhar até tínhamos outros artistas em vista, mas acima de tudo escolhemos quem era acessível para o nosso orçamento, pois a regra é não desejar aquilo que não podemos ter, ou seja, não podemos dar o passo maior que a perna”, declara André Faria.
Na parte das variedades, nem só de concertos musicais vive a festa. O folclore, os cantares ao desafio, os bombos, preenchem um programa muito variado e que enriquece sobremaneira a parte profana da romaria. A parte religiosa é da responsabilidade paroquial, chefiada pelo reverendo Filipe Vales, que substituiu o padre José Augusto, que rumou para Paços de Ferreira, depois de um trabalho comunitário notável ao longo dos últimos anos. Para o presidente dos festeiros “esta substituição não mudou a forma de realizar as coisas e o empenho é o mesmo”.
Sem dúvida que o momento alto da romaria é a procissão, com o majestoso andor, que tem fama de ser único no mundo. As ruas ficam apinhadas de gente e a segurança e comodidade é uma preocupação dos organizadores. “No ano passado já esteve um número muito elevado e a gestão do povo foi bastante complicada; esperamos que este ano seja um ano se calhar superior a esse. Além da procissão, os outros eventos vão chamar mais gente que nos anos anteriores e estamos a precaver-nos para isso com a abertura de mais parques de estacionamento nas redondezas da festa”, revela. Além disso, o plano de segurança vai ser reforçado, em articulação com a GNR.

Elisa Rosa, Presidente da Junta de Freguesia de S. Fins do Torno – Ajudar com os pés assentes na terra
A autarca de S. Fins do Torno, freguesia onde está implantada a vila da Senhora Aparecida, é Elisa Rosa. Numa breve entrevista falou-nos da colaboração que a Junta presta ao grande evento e fala também do bairrismo aparecidense. Confessa ainda que não faz parte dos seus planos algum dia assumir a presidência da organização da festa.
O Louzadense – De que formas a Junta de Freguesia colabora anualmente na realização da romaria?
Elisa Rosa – A Junta procura sempre colaborar com a Comissão de Festas dentro daquilo que são as possibilidades financeiras. Nem sempre dispomos de orçamento para poder ajudar das inúmeras maneiras que gostaríamos, mas tentamos sempre dar o nosso melhor. Procuramos sempre agilizar os processos burocráticos, resolvendo questões como as licenças, a limpeza da via no final dos dias de festa e também preparação e cedência de espaços. É do nosso interesse que esta dedicação à realização da maior Romaria de Portugal se mantenha por muitas gerações.
O Louzadense – A comemoração dos 200 anos tem algum significado especial?
Elisa Rosa – Este ano é especial, assinala 200 de celebração e merece, sem dúvida, uma grande comemoração. Mas haverá sempre o ano 201. Ainda assim, mais uma vez, faremos os possíveis com aquilo que é a nossa realidade, sempre com os pés assentes na terra.
O Louzadense – Como aparecidense o que mais aprecia na romaria, quais são os momentos ou eventos seus preferidos?
Elisa Rosa – Acho que a energia começa a chegar uns dias antes quando já ouvimos as músicas tradicionais a tocar pelas ruas. O que torna a nossa Romaria tão especial é que todos os dias têm a sua beleza e diversidade, somos procurados por toda a gente por aquilo que oferecemos. Temos as corridas de cavalos, as tradicionais corridas de mota arrastam milhares de pessoas às nossas ruas, a presença das bandas de música, os cantares ao desafio, os cortejos que proporcionam sempre um grande convívio entre aparecidenses e claro, nunca esquecida, a nossa procissão, que nos enche de fé e orgulho. Diria que , pessoalmente, a saída e chegada do andor são os momentos mais especiais. É a força da união e a fé que são assinaladas nesse momento, que são os pilares da nossa freguesia, sem dúvida.
O Louzadense – Nenhuma mulher presidiu até hoje à comissão de festas. A Presidente da Junta tem nos seus planos um dia desempenhar esse cargo?
Elisa Rosa – Admiro de uma forma imensa, sem sombra de dúvida, todas as comissões que existiram ao longo destes 200 anos. A realização desta romaria é um trabalho de um ano, de abdicar de tempo com a família, dos amigos, de uma dedicação inigualável. É um constante aperto no coração. Não faz parte dos meus planos aventurar-me nesta missão, pois não saberia por onde começar.

Padre Filipe Vales, pároco da Senhora Aparecida – Grande emoção e orgulho
Com 30 anos, o padre Filipe Vales é natural do Porto e substituiu há poucos anos o seu congénere José Augusto, que marcou fortemente uma época na Senhora Aparecida, não só no que diz respeito à romaria como também à vida paroquial em geral.
O Louzadense – Por serem os 200 anos, vai haver algo de diferente nas cerimónias religiosas?
Padre Filipe – A romaria é, por si mesma, sinónimo de tradição. Não haverá nada de propriamente diferente, no sentido em que vamos fazer cumprir a tradição. Naturalmente que as celebrações serão mais solenizadas e com algumas pequenas surpresas. Também faremos questão de convidar o Sr. Bispo do Porto a presidir à celebração. Pretendemos que sejam celebrações muito participadas e com grande número de padres presentes. A procissão também será maior, na medida em que procuraremos a maior participação possível de pessoas, de grupos e de andores.
O Louzadense – Em termos religiosos quais são os momentos principais da romaria além da procissão?
Padre Filipe – O momento alto é a Eucaristia do dia da Senhora Aparecida, a 14 de Agosto. Será, como de costume, às 11h no Santuário. À tarde, antes da procissão, pelas 15h, far-se-á a bênção das mães, diante da Ermidinha, no momento em que se retirar a imagem do seu nicho para a colocar solenemente no andor maior. Por fim, naturalmente, a procissão, às 18h. No dia 15 de agosto, é também já tradicional e muito participada a Eucaristia e bênção dos motociclistas e cicloturistas, pelas 11h, para os quais estão convidados todos os grupos e associações que desejarem participar.
O Louzadense – Quando foi colocado nesta paróquia sabia da grandiosidade desta romaria ou ficou surpreendido?
Padre Filipe – Antes de vir para a Senhora Aparecida, já tinha ouvido falar da Romaria, em especial do andor, conhecido como o «maior andor do mundo». Esse feito notável é aliás muitas vezes noticiado. Mas de facto nunca tinha vindo participar na romaria, nem tinha conhecimento na totalidade das suas tradições e da riqueza das suas expressões. É, sem dúvida, uma romaria com muito simbolismo, característica não apenas da cultura, mas sobretudo da fé e da alegria de sermos filhos de Nossa Senhora. No meu primeiro ano aqui, infelizmente, a pandemia ainda não permitia a realização de quaisquer eventos; foi sem dúvida com grande emoção e orgulho que participei na Romaria de 2022, estando certo que a deste ano superará todas as expectativas.

INQUÉRITO
O que mais aprecia na Romaria?
Nuno Humberto Coutinho (arquiteto, 43 anos)

Como Aparecidence de gema, é um enorme orgulho termos das romarias mais lindas de Portugal, com o maior andor do mundo a ser o verdadeiro ex-libris da festa.
É, de facto, um enorme convívio de famílias e amigos, e de todos os romeiros, vindos de variadas latitudes, que nessa altura do ano se juntam numa grande alegria para celebrarem o seu ato de fé. Para mim é singular.
Amélia Moreira (emigrante, 56 anos)

Desde pequena que ia à festa com os meus pais e irmãos, levamos o farnel e comíamos perto das escadas do santuário, no jardim. Depois dos meus pais falecerem (o pai em 1998 e mãe em 2021) toda a família continuou a fazer igual. Também gosto da majestosa procissão.
Francisco Moreira (professor de música, 42 anos)

Para mim a romaria é sem dúvida um momento alto da nossa terra e das nossas gentes. A data que se celebra este ano (200 anos) é o significado de muita crença, resiliência, sacrifício e bairrismo em que o resultado é uma das maiores e mais belas romarias do nosso país, com as suas tradições e características únicas.
Pedro Ribeiro (músico, 51 anos)

O nome da Senhora Aparecida, confunde-se com Torno, o nome da localidade, da freguesia, pois há quase 200 anos que aí é venerada e celebrada. Gosto particularmente de ainda hoje ser apelidada de Romaria, pois são muitos os que veneram a Senhora da Aparecida e se deslocam ao seu Santuário. Gosto, porque mantém o que de mais popular uma festa deve ter, ser o povo a fazer a festa e não apenas a assistir, como nas rusgas populares, ao som dos cantares e das concertinas. Gosto, porque é popular, o folclore e as corridas de cavalos têm espaço na programação. As festas estão a tornar-se muito iguais, e as melhores festas do país mantêm a essência de uma romaria e é isso que também torna o “andor” da Senhora da Aparecida” tão alto e a chegar tão longe.
Romeu Leite (motociclista, 25 anos)

A romaria é uma tradição e uma identidade dos aparecidenses. O que mais aprecio é a procissão da Senhora Aparecida e logicamente as corridas de motas e cavalos e o fogo de artifício que são os ícones da romaria.
Ana Elisabete Moreira (47 anos, auxiliar de fisioterapia)

Falar da Romaria da Nossa Senhora Aparecida remete-me para a infância e adolescência. Porque a vivi de forma mais intensa nos anos 80/90. Era sinónimo de corrida de motos, visitas dos tios e primos que nesses dias dormiam em casa porque estavam a viver em França e no Cartaxo. O meu pai (sr. Marialva) e o meu irmão Rogério, vivenciavam aqueles dias de forma séria e competitiva, mas sempre prontos para ajudar os outros concorrentes. O dia da majestosa procissão era dia do tradicional cabrito à moda da “Aninhas Marialva” e depois íamos para o Alto do Fogo dar água aos romeiros que pegavam nos andores, foi uma promessa que a minha fez enquanto pudesse havia de a cumprir, e assim foi. Nessa altura a procissão dava a volta ao Cruzeiro do Alto Fogo. Tempos simples mas com muito significado.
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