Há uma notícia que continua a reverberar por todos os meios de comunicação social: a de que pela primeira vez o QI médio do ser humano regrediu. Aponta-se que isso se deve a uma diminuição de vocabulário nos processos de linguagem contemporâneos. Paradoxalmente, temos a maior taxa de instrução de sempre. Esta literacia, orientada à garantia de emprego, é uma resposta a uma demanda de mercado, que depende de conhecimento limitado: muitos diplomados, que ostentam orgulhosos, para gáudio dos familiares, o título, facilmente reconhecem nunca ter lido um livro completo, quando muito, um manual de receitas facilitador da resposta que permite o resultado desejado. A digitalização da mensagem, que se torna in-formação, do tipo descartável, sustenta-se num número reduzido de palavras – se for mais ninguém lê: parece comprovada a ideia da diminuição do QI.
O uso do digital até a exaustão, que não oferece resistência ao tato, não traz nenhuma diferença sensorial. Além disso, a falta de vocabulário e estrangeirismos, é responsável por uma diminuição da dimensão humanística que deve prevalecer em cada um para uma sociedade mais equilibrada. A “youtubetização” da linguagem ganha proporções que roçam a imbecilidade. Da “caretice” que se anuncia hoje, uma espécie de evolução da zombaria que a minha geração dotava à linguagem dos nossos avós, à completa eliminação da memória fundamental para a construção da nossa identidade como nação, tudo parece dissolver-se numa massa disforme condenada ao embrutecimento e à dominação.
O trabalho manual, ligado à natureza – por não ser digno (!!!) – é entregue a quem vem de fora, ao servo que só se torna visível na catástrofe. Outrora gerou a língua dos nossos avós. Aquela – que muitos de nós, em tom condescende ou de simples gozo, gostamos de corrigir – é de uma riqueza imensa. Traduz toda uma experiência tornada oral, dando sentido à linguagem, que é tão singularmente humana. Há nela uma subtileza própria do indivíduo, que não se encontra, quando se faz a reprodução escrita: já Platão se zangava com a possibilidade de passar a escrito a mensagem oral, já que sai do controlo do autor. Aquilino Ribeiro é um dos autores, que, com habilidade, apresenta brilhantemente toda a riqueza que desperta a imaginação, numa luz que ilumina até o mais profundo canto da alma. Preciso usar um glossário, que não seria tão útil a qualquer um desses depositários da memória frequentemente rotulados de analfabetos. É uma memória tão antiga quanto aquela que se conserva nos topónimos, que estão em extinção devido à necessidade dos números de polícia e ao pretenso agradecimento a um qualquer personagem mais ou menos conhecido. Tudo isto é património, cimento de agregação de um povo, de constituição de uma sociedade, portanto de uma nação, a nossa, a qual urge preservar.
Eduardo Moreira da Silva – Engenheiro Civil

A riqueza da linguagem dos nossos avós

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