Pouca mobilidade e alimentação deficiente são preocupantes
Nutricionistas, médicos, professores, pais e a sociedade em geral falam da obesidade com preocupação. O problema está a aumentar e a causar sérios riscos à saúde global. São cada vez os jovens que surgem nas consultas de nutricionismo. A vida sedentária, a falta de exercício físico e a comida rápida sem qualidade nutricional estão na origem desse fenómeno. Vejamos o que diz a nutricionista do Centro de Saúde, Daniela Duarte e o médico Carlos Santos Costa.
Em relação a 2007, ano em que começou a desempenhar funções de nutricionista no Centro de Saúde de Lousada, Daniela Duarte afirma que agora “são referenciados mais utentes com obesidade e outros fatores de risco associados, como hipertensão arterial e dislipidemia (colesterol e triglicéridos) que, provavelmente, se deve às alterações do estilo de vida”.
Para esta especialista, “o sedentarismo, o aumento da dependência digital e o fácil acesso a alimentos mais desequilibrados tem contribuído para este aumento de fatores de risco cardiovascular numa população cada vez mais jovem”.
Ainda assim, considera que a população de Lousada “é bastante interessada no seu bem-estar e qualidade de vida e que procura manter-se ativa e com atividades e iniciativas em vista de promover a saúde e qualidade de vida”.
A pandemia foi um marco negativo para a obesidade: “as mudanças do estilo de vida durante a pandemia, poderão ter contribuído para um aumento da obesidade e também para algum retrocesso em pessoas que estavam bem controladas antes deste período. Podemos pensar no sedentarismo provocado pelo isolamento, pelo encerramento de espaços lúdicos e de atividade física, mas também no constante e fácil acesso a alimentos nas suas casas”.
A obesidade nos jovens é uma realidade preocupante. Sobre isso Daniela Duarte considera que “os jovens tornaram-se muito mais sedentários e dependentes das tecnologias, o que leva a um evidente desequilíbrio entre o consumo energético e o gasto. Este desequilíbrio pode-se repercutir numa maior prevalência de obesidade e de doenças que estão diretamente relacionadas, numa idade muito precoce”.
Outra questão premente nesta matéria refere-se às soluções rápidas ou não convencionais. Relativamente a isso, “os utentes que recorrem a receitas ou remédios de risco podem acabar por ter outros problemas de saúde e falsas soluções aos mesmos”, declara a nutricionista, que salienta de forma clara: “não há milagres e para combater o problema é mesmo necessário alterar o estilo de vida, nomeadamente com uma alimentação adequada e a prática de exercício físico. Estas são as duas verdadeiras receitas para combater este problema. Sempre que necessário algum acompanhamento, deve ser efetuado por verdadeiros especialistas”.
Os números são alarmantes
A obesidade é a segunda causa de morte passível de prevenção (depois do tabagismo) e a Organização Mundial de Saúde estima que anualmente morrem cerca de 3 milhões de pessoas, no mundo, por causa da obesidade. E estima-se que cerca de 5% das despesas totais em saúde se devam diretamente à obesidade, que constitui uma pandemia à escala global, apesar das múltiplas medidas que têm vindo a ser implementadas nas últimas décadas.
O médico lousadense Carlos Santos Costa revela que “a prevalência da obesidade triplicou, entre 1975 e os nossos dias” e segundo dados a que tem acesso,

“estima-se que em 2025, metade da população mundial será obesa”.
Não se trata de um problema local ou nacional; é transversal à escala mundial. O médico divulga que “na Europa 60% da população tem excesso de peso e 25% tem obesidade (a segunda mais alta do mundo, logo atrás das Américas)”. Este problema é também transversal a toda a sociedade, “embora pareça ser mais grave nas situações de menor condição socioeconómica e de menor grau de escolaridade”, acrescenta aquele clínico e cirurgião lousadense.
Em Portugal, a prevalência de obesidade, ponderada para a distribuição da população portuguesa é de 22.3%. A prevalência da pré-obesidade a nível nacional é de 34,8%, ou seja, o excesso de peso (pré-obesidade + obesidade) atinge mais de metade da população nacional, 2/3, tratando-se provavelmente do principal problema de saúde pública entre nós. Apesar da magnitude nacional e global, o tratamento da obesidade apresenta ainda grande proporção de insucesso e pouca uniformização dos procedimentos.
A obesidade é um problema crescente para todas as idades: nas crianças até aos 5 anos, afeta cerca de 8% dos indivíduos. Entre os 7 e os 9 anos atinge cerca de 32%. Na adolescência, 25%. Nos adultos, 60% têm excesso de peso e 24% têm obesidade. Nos indivíduos com mais de 65 anos, o problema agrava-se, multiplicando-se o excesso de peso cerca de 2 vezes e a obesidade cerca de 7 vezes.
“O mais notório é o aumento na incidência da obesidade nas crianças e nos adolescentes, ao qual não será alheia o estilo de vida alimentar e a atividade física, ou melhor, falta desta (dietas ricas em gordura e açúcar; horas despendidas ao ecrã do telemóvel, computador ou televisão…)”, conclui Carlos Santos.
Estigma e culpabilização
A problemática não se fica pela vertente da saúde física. Há um largo espectro psicológico subjacente ao problema: “há muito estigma, culpabilização e discriminação em relação aos obesos e à obesidade”, declara Carlos Santos Costa.
Pela importância social, psicológica e de saúde, o Estado e a União Europeia não se têm mantido alheios a esta problemática. Desde 2004 começou a ser implementado um Plano Nacional de Combate à Obesidade, publicado em Diário da República em janeiro de 2005, da responsabilidade da DGS, e que tinha como “objetivo geral contrariar a taxa de crescimento da prevalência da pré-obesidade e obesidade em Portugal”. Tal plano previu medidas que visavam a prevenção da obesidade e o tratamento dos obesos, incentivando estilos de vida saudáveis, alimentação e atividade física e que passam pelo controlo na produção, distribuição e comercialização dos alimentos (menos sal, menos gordura e menos açúcar), disponibilização de alimentos saudáveis nos locais de trabalho e escolas, no controlo de estabelecimentos de restauração “menos saudáveis” na proximidade das escolas, seletividade dos alimentos disponíveis em máquinas dispensadoras em locais públicos, criação e construção de ciclovias, circuitos pedonais e parques de prática desportiva, legislação laboral com intervalos para refeições, condições para a prática desportiva escolar de forma universal, dotando as escolas de equipamentos para tal e a introdução da disciplina de Educação Física ao longo de todo o percurso escolar.
Também do ponto de vista da formação dos profissionais de saúde, onde se integra Carlos Santos Costa, “foi necessária a introdução nos programas de formação pré e pós-graduada um capítulo dedicado à obesidade. Ao nível das organizações prestadoras de cuidados de saúde (centros de saúde, hospitais), começaram a ser criados Processos Assistenciais Integrados (PAI) para a abordagem à obesidade”.
Comportamentos não-saudáveis
“Poderemos afirmar que mais de 80% dos casos de obesidade resultam de um estilo de vida/comportamento não-saudável, com balanços energéticos continuamente positivos, ou seja, excesso de calorias e falta de atividade física”, explica o entendido na matéria.
Não raras vezes o recurso ao tratamento e à cirurgia é uma necessidade. “Quando a obesidade atinge níveis de gravidade, a associação de um procedimento cirúrgico ao plano de tratamento da obesidade mostrou aumentar o sucesso do plano de tratamento, ou seja, permitir ao indivíduo a perda de peso e manter-se não obeso durante mais tempo”, explica.
Contudo, a cirurgia não é solução definitiva: “o tratamento cirúrgico da obesidade, a cirurgia bariátrica, não dispensa a mudança do estilo de vida, é sim uma grande ajuda para o conseguir, porque vai limitar o volume de comida ingerida, alterar os mecanismos de digestão e absorção dos nutrientes e, não mais importante, alterar os mecanismos da saciedade facilitando os regimes de dieta alimentar”.
Por isso Carlos Santos avisa que o novo estilo de vida, mais saudável, com menos comida e mais atividade física, terá de ser cultivado continuadamente ao longo da vida”.
Consultas disponíveis
Em Lousada, para além da assistência disponibilizada pelo SNS, através do Centro de Saúde/USF (médico de família, com apoio de nutricionista e psicólogo), estes referenciam os utentes para as consultas de obesidade da rede hospitalar pública. “Existe desde 2014 no Hospital da Misericórdia de Lousada uma consulta de obesidade, com abordagem multidisciplinar por cirurgião da obesidade, nutricionista e psicólogo (ainda com apoio quando necessário das especialidades de Gastroenterologia, Imagiologia, Cardiologia e Endocrinologia), à qual os indivíduos de forma particular podem recorrer e ser orientados, sendo que aqueles com indicação poderão ser submetidos a programas de tratamento com cirurgia bariátrica”, anuncia o médico Carlos Costa, que salienta que “a esta consulta têm chegado pessoas de todo o país, muitas delas encaminhadas por pessoas previamente tratadas”. A grande limitação no acesso a este programa de tratamento é ainda o custo económico.
O que é a obesidade?
A Obesidade define-se como uma situação em que existe uma acumulação excessiva de massa gorda corporal, com potencial impacto negativo na saúde (OMS). A acumulação de gordura resulta de balanços energéticos positivos, continuadamente ao longo da vida, em que a energia (alimentação) ingerida é superior à energia despendida (atividade). É uma doença crónica, multifatorial (genética, metabólica, ambiental, comportamental), e é simultaneamente um fator de risco para o desenvolvimento de outras doenças crónicas, que constituem as principais causas de morbilidade e mortalidade ( doenças cardiovasculares – AVC, EAM, HTA, ICC; Diabetes, Cancro – mama, colorrectal, fígado, rim; Doenças respiratórias crónicas – roncopatia, apneia do sono, síndrome de hipoventilação alveolar; Doenças osteoarticulares degenerativas – artrose da anca, dos joelhos, tornozelos, pés, coluna vertebral).

Conselho de Daniela Duarte
De uma forma geral devemos fazer uma alimentação equilibrada, completa e variada, com algumas regras que se aplicam à população em geral, ou seja: fazer 5 a 6 refeições por dia, tomar diariamente o pequeno-almoço, comer sopa de legumes no início do almoço e do jantar e beber água, colocar legumes no prato e comer fruta nas porções adequadas para as necessidades. Saber distinguir dias normais de dias especiais de forma a deixar os produtos menos equilibrados apenas para essas ocasiões. A prática de exercício físico é também fundamental para uma vida mais saudável.
Daniela Duarte, Nutricionista
O que diz a nutricionista Joana Marques

Como compara o fenómeno da obesidade quando começou a trabalhar neste setor/tema e atualmente?
Infelizmente, o excesso de peso e a obesidade têm vindo a aumentar na última década. A obesidade constitui um cada vez mais crescente problema de saúde pública e é considerada já a pandemia do século XXI. Apesar das diversas novas políticas e campanhas de sensibilização implementadas bem como do aumento da literacia dos últimos anos, é necessário continuar o trabalho para mudar de facto mentalidades, práticas e, consequentemente, melhorar resultados e inverter as espectativas futuras para a próxima década de contínuo aumento das taxas de obesidade e de que cerca de 39% dos portugueses adultos serão obesos em 2035.
A pandemia veio complicar este problema?
Durante a pandemia COVID-19 os hábitos alimentares e de atividade física das populações foram manifestamente alterados, tendo havido uma maior quantidade de alimentos adquiridos e uma maior preferência pelos menos perecíveis, altamente processados e menos pelos alimentos frescos, assim como o aumento de uma alimentação mais emocional.
Atualmente, a pandemia e mais recentemente a guerra, alteram os hábitos individuais e sociais, dado que desencadearam maior inflação, desigualdades económicas e consequente menor poder de compra. Inevitavelmente, tal levou a um consumo de alimentos mais económicos, processados e muitas vezes menos saudáveis. O que daí advém? Uma alimentação menos saudável e maior suscetibilidade para aumento do peso.
Os jovens estão mais sedentários e isso é prejudicial, certo?
Sem dúvida. Apesar de ser uma faixa etária onde há normalmente maior preocupação com a imagem e noção dos benefícios que o exercício físico proporciona, existe a “agravante” de nos encontrarmos numa Era onde as novas tecnologias acabam por dominar grande parte do dia de um adolescente contribuindo para um maior sedentarismo, sendo esta uma realidade recorrente.
Para combater o problema há quem recorra a receitas ou remédios “de risco”. Quer comentar?
A obesidade é uma doença crónica e como tal deve ser tratada de forma crónica e não de forma aguda e limitada no tempo. O seu tratamento requer uma intervenção multidisciplinar que deve incluir um plano alimentar equilibrado, prática regular de exercício ou atividade física e modificação comportamental.
É importante perceber que “dietas” que não integram ou restringem fortemente determinados alimentos, são perigosas a médio prazo pois reduzem a disponibilidade de nutrientes essenciais ao bom funcionamento do organismo. Também, não existe uma substância milagrosa ou medicamento capaz de, por si só, fazer perder peso de forma eficaz, duradoura e sem riscos para a saúde. Para resultados efetivos deve ser instituído um padrão de refeições correto, com uma dieta hipocalórica equilibrada e personalizada e um aumento do dispêndio energético.
Procurem profissionais de saúde especializados devidamente credenciados que vos possam ajudar de forma individualizada.
Que conselhos dá à população em geral para evitar e/ou combater a obesidade?
A etiologia da obesidade é complexa e multifatorial e tem sido em grande medida explicada pela interação de fatores genéticos, comportamentais e ambientais. O tratamento da obesidade depende de vários fatores, como o tipo, o grau da doença e a presença ou não de patologias associadas. Vários fatores comportamentais podem ser enumerados como fatores de risco para a obesidade, incluindo a alimentação, a diminuída atividade física e o sedentarismo. A regra essencial para preveni-la e combatê-la é manter o gasto calórico do corpo igual ou superior à quantidade de calorias ingeridas. Para isso, uma dieta equilibrada e a prática de exercício físico são essenciais.
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