Festeiros de Nevogilde juntam 200 mil euros num ano
Cai a noite em Nevogilde e há movimento na antiga escola primária, onde está o quartel-general das Orgulhosas. À hora marcada para esta entrevista, vão chegando os festeiros da Nossa Senhora da Ajuda. Alguns ainda não jantaram, outros ainda vão trabalhar, mas à entrevista ao O Lousadense não faltam. Têm gosto e orgulho no trabalho que desenvolvem e querem dar conta disso. Chamam-lhes “Orgulhosas”, por serem festas baseadas no bairrismo e na forte identidade coletiva.
O presidente Joaquim Ribeiro, o secretário André Pacheco e o tesoureiro Hélder Magalhães fazem parte de uma equipa de dez elementos. Esses cargos são uma formalidade, pois “acima de tudo, somos uma família, com tudo o que ela tem de bom e de menos bom, com discussões, ideias diferentes, mas também com muita alegria e muito espírito de entreajuda, com o mesmo objetivo, que é engrandecer a festa da Senhora da Ajuda”, salienta Joaquim Ribeiro.
Conforme manda a tradição nevogildense, estes homens foram nomeados para a missão de realizar a festividade de 2023. Cada membro da comissão anterior escolhe o seu sucessor e regra geral este só sabe dessa escolha na missa de domingo da festa, quando o padre anuncia os nomes dos futuros festeiros. O evento é um dos momentos altos da festa e tem direito a transmissão pela rádio Marcoense FM.
“Eu já tinha sabido uns dias antes que ia ser escolhido, porque um festeiro se descaiu numa conversa, mas regra geral é no próprio dia que ficamos a saber da escolha”, diz André Pacheco. Durante um ano a organização da festa ocupa a maior parte do tempo e das preocupações destes homens.
“Eu já fazia uma ideia da dificuldade que seria fazer isto, mas era só uma pequena ideia porque na verdade isto é muito mais difícil do que eu esperava”, confessa Micael Silva. “São muitas horas sem dormir, muitas chatices, muitas atividades para fazer, muitos compromissos para atender, de tal forma que isto se torna o centro das nossas vidas”, acrescenta Joaquim Ribeiro.

Além dos já referidos elementos, também fazem parte da equipa: Paulo Freire, José Lopes, Miguel Dias, Hélder Martins, Hélder Bessa e João Daniel. Todos comungam da mesma ideia de dificuldade, mas também de prazer e orgulho, palavras que estão muito presentes no discurso destes festeiros. “Além das dificuldades e dos problemas, também temos muitas alegrias, pois isto é como se fosse uma família”, diz João Daniel.
Questionados sobre a principal dificuldade que encontram nesta missão, todos concordam em resumir a resposta numa frase: “agradar a todos”. É o mais difícil, tanto na escolha dos artistas como nas demais opções que têm de tomar. “Mas é algo que temos sempre em conta, não olhar tanto ao que nós próprios gostamos, mas sim ao que a população e os visitantes pretendem”, diz Micael Silva.

Grande cartaz sem “desejo impossível”
A escolha do programa em geral e dos artistas em particular ocupa o centro das preocupações até estar fechado. “Este ano tivemos um grande contratempo que foi a desistência do Fernando Daniel, que queríamos muito trazer a Nevogilde, mas no mesmo dia ele recebeu um convite da Agrival (Penafiel) e tivemos que nos virar para outras opções”, diz André Pacheco. Este festeiro não deixa de referir uma regra que assumiram: “acima de tudo temos os pés bem assentes na terra e não cometemos loucuras senão tínhamos trazido a Naiara Azevedo, mas era demais para o nosso orçamento, era uma espécie de desejo impossível”.
Ainda assim, o cartaz está recheado de variedade e qualidade, para todos os gostos: na sexta-feira (25 de agosto) a animação musical está a cargo de um conjunto famoso na região, os 4Mens. No sábado (dia 26), o palco principal vai abrir com a dupla brasileira Zé Augusto & Rafael e a seguir entra em cena um dos maiores nomes da música atual no país, Matias Damásio. No domingo os concertos terminam com uma das paixões da juventude portuguesa, David Carreira. Destaque ainda para o espaço de DJ’s para a juventude e para a novidade deste ano, a praça dedicada aos anos 80 e 90, modalidade que está muito na moda nas romarias e festividades portuguesas.
A lucrativa “cagada da vaca”
Angariar dinheiro para pagar a festa é o desafio maior destes homens. Para isso deitam mão a inúmeras ações. Os peditórios e os leilões são atividades comuns a todas as comissões. “Depois há uma série de eventos que procuramos fazer com o intuito de obter lucro e felizmente temos conseguido sucesso em quase tudo o que nos metemos a fazer”, diz Joaquim Ribeiro.
Dizem que a “cagada da vaca” foi um dos eventos mais lucrativos, mas também dos mais trabalhosos. Essa atividade é típica no alto Minho e tem ganho adeptos entre nós. Várias comissões de festas recorrem a este peculiar sorteio para angariar dinheiro e entreter a população. Para quem não sabe, trata-se de desenhar (com cal) quadrados num terreno de terra batida, onde cada quadrado tem um número que corresponde a uma rifa que é vendida a determinado valor. Na hora marcada a população comparece e assiste ao passeio de uma vaca, guiada pelo seu dono, pelo dito terreno. Quando o animal larga fezes num quadrado o montante em jogo é atribuído a quem comprou a respetiva rifa. “O prémio, de 500 euros, foi para uma senhora de cá da freguesia”, revela o tesoureiro Hélder Magalhães.

Além destas há outras ações ao longo do ano, que garantem entrada de verba em caixa, para chegar aos tão desejados 200 mil euros. As realizações gastronómicas são atividades importantes no plano dos festeiros, com destaque para a festa da francesinha, “que uma vez mais foi um sucesso em Nevogilde”, assim como a festa do arroz de pato e a matança do porco. “Não queremos só fazer atividades para arranjar dinheiro; aproveitamos para juntar o útil ao agradável, para animar a população e recriar tradições, como a matança do porco, que fizemos à moda antiga”, declara André Pacheco.
Para tudo isso ajuda a existência de uma sede apetrechada com cozinha muitíssimo bem equipa e um espaço amplo, onde era o recreio da escola primária.


Reclamam mais apoio da Câmara
Voltando às dificuldades os festeiros apontam outras, que surgem acompanhadas de reclamações. E neste contexto André Pacheco reclama que “a Câmara podia ajudar mais”, acrescentando que “nem autocarro nos emprestaram para a ida a Fátima, que é um passeio que organizamos para angariar receita e proporcionar um passeio à população”. Nesta parte, os elementos da comissão de festas mostram-se solidários com as declarações do secretário, mas preferem nada dizer para o gravador desta entrevista.
Mas falam todos em uníssono sobre uma dificuldade que parece recorrente todos os anos e que carece de resolução: a falta de espaço. “Não temos uma zona onde colocar a área de restauração, por exemplo”, afirma Hélder Magalhães, que salienta o facto de utilizarem “terrenos emprestados e que mais cedo ou mais tarde podem não estar disponíveis por isto ou por aquilo”.
Parece que as entidades locais estão atentas a isso e vão providenciar no futuro para que a falta de espaço para a festa seja suprimida.

Junta de Freguesia atenta à falta de espaço
A grande afluência de pessoas que todos os anos ocorre na festa da Senhora da Ajuda põe a nu a falta de espaço para estacionamento e colocação de infraestruturas para a festa. Para agravar essa realidade junta-se agora uma propalada indisponibilidade de terrenos que têm sido usados nos últimos anos por empréstimo à comissão de festas.
Atenta a isto, a Junta de Freguesia de Nevogilde encetou conversações com vários proprietários e já fechou negócios e prepara outros, para aquisição de terrenos próximos da capela da Senhora da Ajuda e da Igreja Paroquial.
Disso nos deu conta o autarca Joaquim Ribeiro de Magalhães: “já adquirimos o terreno e a casa que estava desabitada, junto à capela, totalizando uma área de três mil metros quadrados e estamos em vias de fechar negócio com um terreno contínuo a este com 1.700 metros quadrados, assim como uma vinha também próxima deste terreno, com uma área considerável”. O autarca revelou que “a junção destes terrenos irá permitir a criação de uma praceta de cerca de 7 mil metros quadrados onde futuramente as comissões de festas poderão colocar o palco e realizar os espetáculos que até agora têm acontecido num campo que é emprestado”.
Também a localização dos carroceis e outras diversões tem merecido a atenção das entidades locais. Preocupados com a possibilidade de loteamento e urbanização do terreno onde esta parte da festa tem lugar, a Junta pretende adquiri-lo e salvaguardar a sua utilização para essa vertente da festa da Senhora da Ajuda.
Também a falta de estacionamentos está consagrada nos propósitos da Junta que tem em perspetiva o alargamento da rua que liga a capela à igreja paroquial, de modo a possibilitar a criação de estacionamentos em ambos os lados da via.
Padre esclarece quem é a Senhora da Ajuda
Para tirar dúvidas que muitas vezes lhe colocam, o padre José Ribeiro da Mota começa por dizer que “nem todos sabem que as santas referem-se todas à mesma pessoa, a mãe de Cristo e a Senhora da Ajuda é uma dessas imagens da mesma pessoa, nem mais nem melhor que qualquer outra santa, seja ela a Senhora do Amparo ou a Nossa Senhora de Fátima, pois o que as distingue é a maior ou menor dimensão que cada uma tem na fé dos crentes e nas festas que lhes são organizadas”. Para exemplificar esta ideia, o pároco explica que “é o mesmo que chamar à nossa mãe «rica senhora», «querida mãezinha», etc., pois são diferentes nomes ou designações que damos à mesma pessoa”.
Sobre os preparativos para a festividade religiosa, que culmina na Eucaristia campal de domingo e na procissão no final da tarde desse dia, o reverendo lembra que na semana que antecede a festa haverá todos os dias, às 21 horas, uma novena preparatória na capela da Senhora da Ajuda.
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