MANUEL CRISTÓVÃO BARBOSA
Embora esteja há muito tempo longe da localidade de origem (Nogueira, Lousada), Manuel Cristóvão Ferreira Barbosa, de 68 anos, nunca deixou de promover e defender os valores e tradições das suas origens. Primeiro na Suíça e depois em Fafe. Foi sempre um cidadão ativo e empreendedor no associativismo e na causa pública e cultural: esteve na fundação do futebol em Nogueira, criou a Associação Portuguesa de Monthey e Arredores (APMA) e em Fafe, foi diretor do Cepanense e da AD Fafe. Notável é também a perseverança que colocou na carreira académica.
“Eu, o Zé Santalha e o Zé Vieira, íamos para padre, ou pelo menos era um dos destinos em aberto quando fomos para o seminário. Todos mudamos de rota”, recorda o protagonista desta entrevista. Ao falar da sua juventude é para Manuel Barbosa obrigatório referir um feito que o orgulha, a criação do futebol em Nogueira. Foi um feito seu e de “uma geração de amigos, e jovens como eu, desde o Zé Maria e seus irmãos Carlos, Eusébio, Joaquim, Fernando, o meu irmão José, o João Carlos, o Adelino Pinto, o António, o Quim e o pai Zé Cerqueira, o Fernando Mendes e seus sobrinhos, o Quim Nucha, o Justino Ferreira, o Manel, o Zé e o Quim Perrichon, os irmãos Blandinas, o Gonçalo, o Agostinho, o Barroca, o Quim Pinto Endireita, o Valdemar e tantos outros, que muito trabalharam para se fazer o campo, o poço, os balneários e a sede, que agora se denomina Associação Recreativa de Nogueira”, recorda.
Como ainda era menor de idade, Manuel Barbosa foi ter com Julinho Ribeiro, “para ele falar com os proprietários do campo de centeio, família António Lousada, para aí fazermos o nosso campo de futebol. E resultou, o Nogueira foi dos primeiros clubes a ter campo de futebol no concelho de Lousada. Agora já será tempo de lhe colocar uma relva sintética, o que irá melhorar significativamente as condições para a prática da modalidade. Será um desejo generalizado de todos os jogadores”, sublinha este antigo fundador e jogador do Nogueira.
Depois de sair do seminário, teve algumas ocupações em Lousada e aos 13 anos foi trabalhar para as obras, no Porto, “onde cheguei a apontador aos 15 anos”. Depois da tropa, na Polícia Militar, foi motorista na antiga fábrica de confeções Fabinter, em Lousada, “de onde recordo o filantropo e o saudoso e ilustre amigo Hans Isler, e de lá emigrei para Monthey, em março de 1980, para uma empresa de isolamento de fachadas, estuque, pintura e papéis pintados. Iniciei uma formação laboratorial, sendo convidado para trabalhar nos Sindicatos Cristãos e, em finais de 1996, regressei definitivamente a Portugal com a esposa e três filhos.
Além da atividade profissional, foi durante muitos anos dirigente dos Sindicatos Cristãos do (Cantão) “Valais”, ligada ao apoio social aos emigrantes, que ali dispunham de seguros de doença (“Caisse Maladie”) e Fundo de Desemprego (“Caisse de Chômage”). Em Monthey, presidiu à Comissão de Abertura da atual sede da APMA e à Comissão Organizadora do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Nesse âmbito chamou à Suíça o Rancho Folclórico de Nogueira, em 1989. “Foi uma experiência extraordinária. Essas Comemorações encheram de orgulho as comunidades portuguesas na Suíça, e aquele momento, na presença de várias entidades nacionais e suíças, em que a Banda Musical de Lousada entoou o Hino Nacional, na inauguração da sede da Associação Portuguesa, foi excecional e indescritível a felicidade que senti e a dificuldade que tive em controlar os sentimentos. Foi único”, recorda com saudade e emoção.
Memórias da mãe Leonor
Regressou a Portugal em 1996 e instalou-se em Fafe, localidade da esposa. Também ali se devotou à causa pública: “estive nas fundações da Associação de Pais da Escola EB 2,3 de Montelongo, da Associação dos Amigos do Ambiente de Cepães e Fareja e presidi à direção da Casa do Povo de Cepães e Fareja, tendo-a alterado para uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS). Pensou-se numa creche, apoio aos jovens e no apoio domiciliário aos idosos. Desempenhei ainda as funções de dirigente e de presidente da mesa da Assembleia Geral da Associação de Pais da Escola Secundária de Fafe”, enumera Manuel Barbosa.
Esse seu ativismo cívico e associativo é explicado da seguinte forma: “talvez como uma necessidade ou como um dever cívico e espírito de missão voltada para a intransigência na defesa dos valores, e porque achava, e acho, que enquanto puder dar o meu modesto contributo à comunidade em que estou inserido, mesmo que voluntariamente, na esperança de que esta possa ser mais equitativa, mais justa, mais solidária e tolerante, e onde, todos nós, possamos ser mais iguais nos deveres e nos direitos na sociedade, sempre o farei”.
Ainda sobre a origem dessa vocação acrescenta: “penso que foi a minha mãe, Leonor Ferreira, que me transmitiu esses valores. Recordo-me, ainda, da pessoa que ela era, e dou um exemplo: depois de servir a refeição a todos os membros da família (éramos dez irmãos) e aos visitantes, se os houvesse, ficava com os “restos”, mas se, entretanto, chegasse mais alguém, ela oferecia-lhe o que iria comer”. Recorda que “nesses anos grassava a pobreza nas nossas latitudes e até, quantas mães lhe pediam roupa emprestada para irem à feira ou com os filhos a uma consulta médica”.
A mãe de Manuel também foi parteira em Nogueira e nas freguesias vizinhas e talhava as aftas e fazia outras curas: “curava-as através de seus conhecimentos terapêuticos, da sua fé e com orações algumas maleitas de quem lhe batia à porta, cozia pulsos abertos através de um púcaro de barro, fazia o responsar de perda de quaisquer bens ou objetos, etc. Fazia tudo pro bono e essas práticas perderam-se no tempo, pois nenhum seu descendente as aprendeu”.
Percurso académico com resiliência
O seu percurso escolar é digno dos maiores elogios, pela persistência e superação de várias etapas até ao mestrado em Geografia – Planeamento e Gestão do Território: “o meu percurso começou na escola da Lagoa, Nogueira, da senhora Aurora, como lhe chamávamos, pessoa que recordo ainda com muita saudade. Concluída a 4.ª classe, fui admitido no Seminário das Missões da Consolata, onde estudei dois anos. Fiz o 2.º ano (6.º) e abandonei o Seminário e o estudo e fui trabalhar. Quando voltei da Suíça, trabalhei no ramo imobiliário, resolvi melhorar os meus conhecimentos linguísticos e voltei aos estudos”.
Depois de validar competências através do programa Novas Oportunidades e concluir o curso de formação para maiores de vinte e três anos, onde conseguiu média para entrar na Universidade do Minho, no curso de Geografia e Planeamento. “O primeiro ano foi terrível”, afirma com desagrado. “Não conhecia ninguém, era o aluno mais idoso da turma e parecia que alguns professores não se sentiam muito à vontade (nem eu). Os dias foram passando e fui conseguindo amizades e ajudas de colegas, de tal modo que cheguei ao fim do 1º. ano com oito cadeiras feitas em doze e com uma média de 11 valores. O 2.º ano continuou muito trabalhoso mas fiz 10 em 12, incluindo duas disciplinas do ano anterior. No 3.º ano da licenciatura, completei o total (12) de cadeiras e terminei a licenciatura com a média de 13,6 valores. Foram três anos muito difíceis de gerir, muito intensos, mas superados positivamente”, declara com satisfação.

Até na tese de dissertação do mestrado sobressai o seu bairrismo: as potencialidades turísticas dos produtos de Lousada. “Parte desse trabalho refere-se a uma plataforma de turismo onde se agruparam nas entidades geográficas esses elementos do património, sendo todos georreferenciados e colocados na WEB, daí ter-se denominado também por “WebSig” do turismo. Nesta parte desenvolvemos a ideia da plataforma apoiada nos sistemas de informação geográfica, SIG, onde, em qualquer ponto do mundo, qualquer visitante ou viajante pode obter informação privilegiada sobre o que de facto existe e se pode oferecer aos visitantes, neste caso, no município de Lousada”, explica.
A terminar esta entrevista perguntamos-lhe que motivos o fazem regressar em visitas ou estadias, ao que respondeu: “é a herança e o legado da minha ascendência porque tenho origens em diversas freguesias do nosso concelho que, além da minha Nogueira, que tanto amo, são as freguesias de Cernadelo, Aveleda, Vilar do Torno e Alentém. Por isso gosto de dizer que sou genuinamente lousadense e por muito bem que esteja em Fafe, onde conquistei a consideração e amizade de muitíssimos fafenses, que muito respeito e admiro também, continuo a ter enorme orgulho em ser lousadense. Este é sem dúvida o melhor património que os meus pais me poderiam ter legado”, conclui Manuel Barbosa.

Comentários