ABRIL LOUZADENSE (VI)
Este é o seguimento do que aqui escrevemos na edição anterior sobre o evento que ficou conhecido como “a revolução do pão” ou “a revolta da fome”, ocorrida a 1 de Julho de 1944, junto à ponte de São Miguel (Lousada). Foi uma tentativa de assalto ao armazém de pão e impedimento do transporte de cereais para fora da freguesia. A PIDE prendeu mais de uma dúzia de pessoas, entre elas Maria de Jesus, que estava grávida, e outras mulheres. Só foram julgadas mais de um ano depois da detenção, embora tivessem sido postas em liberdade condicional a meio.
As mulheres que participaram direta ou indiretamente na revolta de São Miguel (Lousada) a 1 de julho de 1944 tinham pelo na venta. Ou então era o desespero provocado pela falta de pão que as motivava para a luta contra as autoridades e grandes proprietários, que açambarcavam os cereais, cuja maioria ia para países em guerra, mormente a Inglaterra e a Alemanha. Parece ser caso para dizer que Salazar jogava nos dois lados. O mais irónico, como aqui referimos na edição anterior e nunca é demais sublinhar, as exportações de cereais seguiam nos comboios e nos navios com os dizeres “Sobras de Portugal”.
Voltando às mulheres detidas na referida intentona, a Maria de Jesus, na altura com 32 anos, foi presa com o seu marido, Artur de Sousa Neto, de 41 anos, ambos de São Miguel. Já estaria grávida na ocasião. Deu à luz a 17 de fevereiro de 1945 uma menina, Maria Angelina de Sousa Neto, que, entretanto, já faleceu. O nascimento terá ocorrido durante a liberdade condicional de Maria de Jesus, que voltaria a ser detida a 30 de junho para ser levada ao Tribunal Militar Especial, para responder pela acusação de “participação em motim e desordem pública”, em julgamento realizado a 6 de agosto, tendo sido “condenada à pena de 30 dias de prisão correcional, dada por expiada, pelo que foi restituída à liberdade”. Parece que cumpriu mais que a pena a que foi condenada, pois somando os períodos de detenção, esta totaliza quatro meses. Mas isso não abonou a seu favor de qualquer jeito ou feitio, nem a qualquer outra das pessoas detidas nesta contenda.

A ficha de Maria de Jesus, lavrada pelos serviços da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), à qual tivemos acesso no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (de onde são as fotografias que acompanham este texto), nada diz acerca da gravidez. Na freguesia, um neto de Maria de Jesus e Artur de Sousa Neto, afirma que o nascimento ocorreu na cadeia, mas a julgar pelo dito documento, haverá um lapso acerca disso pois refere que a criança nasceu durante a liberdade condicional e em rigor o nascimento terá ocorrido “entre prisões” (a primeira detenção, para interrogatório, durante dois meses; e a segunda, também durante dois meses, para ir a julgamento).
Curiosamente, na ficha prisional de outra mulher detida na mesma ocasião, Isaura de Jesus Faria, 32 anos, consta que a 2 de setembro daquele ano foi levada para o Hospital de Santo António, no Porto, de onde teve alta sete dias depois, voltando à cadeia da PIDE, não se sabendo (ainda) o motivo do internamento hospitalar.

Esta Isaura “era mãe solteira de um rapaz de cinco anos”, recorda Maria Elvira Ferreira de Vasconcelos, de 93 anos, residente em Caíde de Rei. “Os meus pais, que residiam em São Miguel, acolheram o filho dela enquanto esteve presa”, declara aquela testemunha dos, que na ocasião tinha 13 anos de idade e recorda-se “muito bem de tudo o que aconteceu”, que foi conforme relatado na nossa edição anterior. Acrescenta que “foram presas uma dúzia de pessoas, mas houve muitas mais que fugiram e foram perseguidas e a freguesia ajudou a esconder, como foi o caso da casa do Muro, que acolheu um Orlando que era casado com uma Laurinda”.

Também Emília Martins, de 23 anos, de Santa Margarida (Lousada), mãe de dois menores, esteve cativa nos mesmos modos e duração. Outra mulher levada na comitiva foi Carolina Pereira de Magalhães, de 44 anos, viúva.


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