por | 15 Jan, 2024 | Canto do saber, Opinião

Iniciar um novo ano a contrapelo

Estamos no início de mais um ano de calendário. Como sempre, desde que me lembro, expetativa de renovações de vida para melhor, convivem com aquelas que apontam ao catastrofismo. Ao mesmo tempo que se promete aos outros e a eles próprios resoluções, que, não raramente, acabam por não se verificar, se é que alguma vez se mostraram exequíveis, embarca-se em discursos que prevêem toda uma quantidade de riscos que impactarão a vida de todos.

Há muito que se tornou, de alguma maneira, obrigatório, ter um discurso, dar voz a análises negativas, enfim, do tipo que apontam sempre para o fim do mundo : não é em vão que uma das expressões que se ouve amiúde é “estamos no fim do mundo”. Corresponde, justamente, à visão messiânica que acaba por estar incrustada na nossa sociedade e não só: que o final dos tempos estará aí para a redenção que só alguns merecem. Tudo serve para ser alvo de críticas fatalistas: as guerras, a inteligência artificial, as redes sociais, as alterações climáticas – normalmente atribuídas, em exclusividade, à ação humana-, etc. Não há nenhum texto ou discurso,  que se preze, com exceção de uma ou  outra coisa do tipo autoajuda, em que não se vislumbre esse tom nublado. Tudo seria melhor de outra maneira, tudo era melhor noutro tempo, tudo era mais em consonância com a natureza, como se não fossemos nós, os humanos, um produto da natureza, portanto, parte dessa mesma natureza.

A suspeita de que o progresso nos está a conduzir a uma dominação, a qual tem por base a segurança em detrimento da liberdade, talvez seja fundada. Ao mesmo tempo, por não alcançarmos o ponto de chegada do progresso, o qual implica, uma espécie de ação infinita que transcende a compreensão do senso comum que impõe um fim. Fim que é, propriamente, o da raça humana. Nada de novo, basta lembrarmos o “velho do Restelo”.

A Liberdade, palavra que, este ano, será utilizada à exaustão – estaremos a comemorar os 50 anos do 25 de abril-,  apresenta várias cambiantes, muitas delas que se distanciam do seu estado mais puro. Tal não significa, porém, que contribuam para produzir uma vida ao gosto de uma forte maioria. Dir-se-ia, até, que encontrar a vida que cada um gosta de viver, é encontrar a sua liberdade, corresponda ela à ideia mais generalizada ou não. Já há muito que os sistemas políticos mais sofisticados se baseiam nisto, que é, justamente, fazer com que as pessoas encontrem a sua liberdade, dentro da dominação que se faz por simbiose: há como que uma empatia induzida que nos faz sentir seguros e certos de que é este caminho – o indicado – o único possível, dentro da ilusão da escolha proporcionada.

Dentro desta perspetiva, ao invés da nebulosidade que caracteriza o espetro do comentário público e privado, talvez seja mais adequado relevar os aspetos da ilusão que nos pode fazer viver melhor; interagir com o mundo que é essa própria ilusão e dela tirar partido, no sentido de recuperar a finitude do viver que é individual, face à vida contingencial que integra a natureza, da qual somos parte integrante. Não se trata de humanismo, materialismo, ou qualquer outro “ismo”, mas sim da consciência do finito que apimenta o viver, por contraponto ao anódino eterno, qual mito de Sísifo.

Este é o desafio, o de explorar a contrapelo – possibilitar a abertura a outros horizontes-, que quero assumir nos artigos a produzir a partir deste ano. Constituo, assim, o meu voto, que é, ao fim e ao cabo, de ver e fazer ver o bom e o belo que para todos considero desejável.

Eduardo Silva

Eng.º Civil

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