Tipologias – XI | Capela I
Em termos estruturais a casa nobre é igualmente um espaço de representação, sendo marcada por linguagens intemporais. Passando de geração em geração, a habitação é «uma marca de estabilidade social, inerente a uma sociedade que diz não à mudança ou a tenta encobrir diariamente com valores tradicionais. Este mesmo valor de perpetuidade, está patente em elementos simbólicos da casa, como a capela e a pedra de armas.»1 Daí o enraizamento da casa nobre e o poder que a casa nobre, inserida numa quinta ou não, nos traduz, nos transmite, saírem reforçados pela presença de uma capela que, «em tempos mais remotos, era um privilégio exclusivamente real, só muito tardiamente alargado às famílias nobres.»2
Do século XVI em diante assistimos ao fenómeno da instituição de capelas junto das habitações, o que se explica quer pela religiosidade, pois eram muitas vezes fruto de uma promessa, quer pela importância social/simbólica que transmitiam.
A arte religiosa traz consigo uma «carga simbólica e metafórica significativa da afirmação de valores de prestígio,»3 e a capela é precisamente encarada como um «símbolo de poder e de prestígio.»4 Acresce que não estava ao alcance de qualquer um instituir uma capela, pois era necessário ter uma situação financeira invejável para proceder à sua edificação, adquirir mobiliário (retábulo de talha, imaginária e alfaias), e garantir os bens que ficariam vinculados ao sustento da mesma.
A grande maioria das capelas, em estudo, deverá ter sido edificada na primeira metade do século XVIII, com raríssimas exceções; outras foram levantadas na segunda metade, como aconteceu com a capela da Casa da Lama, ou já no século XIX, como ocorreu com a capela da casa do Cáscere.


Capelas da Casa da Lama (Lodares), século XVIII e do Cáscere (Nespereira), século XIX.
Todos os pedidos para fundar uma nova capela foram processos unifamiliares que «pretenderam dotar a sua residência permanente ou sazonal com estruturas que possibilitassem o encontro do agregado com o sagrado, embora, e não em poucos casos, o requerente justificasse a necessidade dessa capela para saldar expressões devocionais próprias, dos seus criados, caseiros e outros serviçais, e até da população que vivia nas imediações da Quinta.»5
De resto, as Constituições Sinodais do Porto esclareciam que «as capelas deveriam possuir porta aberta para o espaço público, sempre ficando salvaguardada a fruição da população em geral.»6 E as motivações para fundar uma capela resumem-se a «três linhas de força que os fundadores de capelas particulares jamais esquecem na sua pretensão junto do bispo, podendo as três figurar no mesmo pedido.»7

A primeira, remete para a dignificação, e esta é invocada por já possuírem casa nobre, e quererem dotar o complexo de capela para assim valorizarem a Quinta;8 a segunda, é «um acto devocional»;9 a terceira, de comodidade, ou de procura de melhores condições físicas para que o requerente e a sua família pudessem assistir com mais conforto à missa. A distância da casa que se pretende dotar de capela à igreja, e a deficiente rede de comunicações existente entre ambas toma forma de apelo, que se repete amiudadamente nos processos. Muitas vezes «alude-se aos problemas inerentes ao mau tempo – chuva, calor e inundações – que impedem a deslocação para assistir às celebrações eucarísticas.»10.

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1 – FAUVRELLE, Natália – o. c., p. 76.
2 – Foram os reis suevos que as introduziram, segundo o P.e João Baptista de Castro, o. c., p.164. Cit. por FAUVRELLE, Natália – o. c., p. 78.
3 – ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – o. c., p. 57.
4 – ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – o. c., p. 57.
5 – ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – o. c., p. 57.
6 – ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – o. c., p. 57.
7 – ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – o. c., p. 57.
8 – Esta importância foi enfatizada por todos, mas principalmente, por aqueles que ficaram conhecidos como “os brasileiros”, e para quem a presença da capela é tão valorativa que os melhores materiais são empregues neste edifício. FAUVRELLE, Natália – o. c., p. 78.
9- ROCHA – Manuel Joaquim Moreira da – o. c., p. 60
10 – ROCHA – Manuel Joaquim Moreira da – o. c., p. 60.
Obras consultadas:
1 – BATISTA, João Maria – Chorographia Moderna do Reino de Portugal. Lisboa: Typograhia da Academia Real das Sciencias, vol. II. 1875.
2 – FAUVRELLE, Natália – Quintas de Douro: as arquitecturas do vinho do Porto: GEHVID – Grupo de Estudos de História da Viticultura Duriense e do vinho do porto, D.L. 2001. (Cadernos da revista Douro. Estudos & documentos; 8).
3 – SILVA, José Carlos Ribeiro da – As Capelas Públicas de Lousada. Seminário de Licenciatura em História-Variante Património. Universidade Portucalense Infante D. Henrique (Policopiada). 1997.
4 – ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – Espaços de culto público e privado nas margens do Douro. “Poligrafia”, N.º 5, (1996).
José Carlos Silva
Professor / historiador
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