Professor e investigador na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, este lousadense de Cristelos dedica a sua vida profissional à literatura medieval e prepara o lançamento de um novo livro, intitulado O RAMO DA TÍLIA, que aproxima o público português da poesia trovadoresca alemã.
Em entrevista a O Louzadense, J. Carlos Teixeira recorda as suas origens e o caminho que o levou de Lousada até às salas da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde hoje é Professor de Literatura. Nascido em 1992, natural de Lousada e residente atualmente no Porto, o académico é também investigador no CITCEM – Centro de Investigação Cultura, Espaço e Memória. É na cidade invicta que vive e trabalha, mas é a vila que o viu crescer que continua a servir de ponto de partida para muitas das suas viagens literárias.
Licenciado em Literatura Inglesa e Alemã pela Universidade do Porto, J. Carlos Teixeira prosseguiu estudos na mesma instituição, onde concluiu um Mestrado e um Doutoramento em Literatura Alemã Medieval. A ligação à sua alma mater nunca se perdeu — foi ali que descobriu a vocação que o acompanharia ao longo de toda a vida. “Foi na Faculdade de Letras que encontrei o espaço natural para o meu fascínio pelas línguas e pelas literaturas”, afirma. A docência e a investigação vieram como consequência do percurso marcado por uma curiosidade insaciável e uma profunda entrega ao estudo das palavras.
Quando questionado por O Louzadense sobre o que o motivou a seguir a literatura como área académica, o professor fala com a serenidade de quem reencontra a criança que foi: “Desde muito cedo, a leitura foi para mim uma espécie de casa”. Recorda-se das aulas de Português na escola primária, do prazer de ler e escrever, e do entusiasmo em mergulhar nas histórias. Embora reconhecesse o valor da matemática e das ciências, foi na ficção que descobriu “algo de profundamente humano, universal e, de certa forma, eterno”.
Essa convicção acompanhou-o até ao momento de escolher o curso universitário. A intenção inicial era enveredar pelo ensino no secundário, mas, à medida que se deixava envolver pelas literaturas, percebeu que a sua verdadeira vocação era académica. “Foi uma escolha que implicou incerteza — é um percurso difícil e sem grandes promessas de futuro, uma vez que as vagas no ensino superior são poucas e cada vez mais raras. Felizmente, tudo correu bem e agora trabalho com os mesmos temas que me fascinavam quando aprendi a ler na EB1/JI de Cristelos.”
UM UNIVERSO INESPERADO QUE SE ABRIU
A ligação à literatura alemã surgiu primeiro através da língua. Ainda em jovem, uma viagem à Alemanha deixou-lhe uma marca duradoura. “O alemão parecia-me uma língua distante, estranha e, precisamente por isso, irresistivelmente cativante”, confessa. Quando teve de escolher a variante do curso, optou pela vertente de Inglês e Alemão. Foi aí que pôde aprender a língua de forma estruturada e descobrir um mundo que o surpreenderia pela sua riqueza. Curiosamente, a Idade Média não fazia parte do seu horizonte inicial. Como muitos, partilhava a ideia de que esse período era sombrio e culturalmente pobre, uma travessia no deserto entre a Antiguidade e o Renascimento. Mas o destino — e um bom professor — trataram de o desmentir.
Durante a licenciatura, conheceu o Professor John Greenfield, que viria a ser o seu orientador e uma figura determinante no seu percurso. “Foi nas suas aulas que se abriu diante de mim um universo inesperado”, explica. Nelas, leu Das Nibelungenlied (A Canção dos Nibelungos), uma das grandes obras fundacionais da literatura europeia. “É a história de Kriemhild, uma princesa burgúndia cujo marido, Siegfried, é assassinado pelo próprio cunhado com a cumplicidade dos irmãos. A partir dessa traição, ela dedica a vida a uma vingança implacável, que culmina numa tragédia de proporções quase épicas.” O jovem estudante ficou impressionado com a força dramática e a modernidade dessa narrativa. “Foi a partir desse espanto que o meu interesse pela Idade Média nasceu e nunca mais me abandonou.” Ainda assim, admite uma predileção pela poesia trovadoresca. “A lírica é, para mim, sempre mais intensa e verdadeira do que a narrativa.”
Dessa paixão nasceu O Ramo da Tília, o livro que o autor prepara para lançamento e que, como contou a O Louzadense, resulta diretamente da sua dissertação de doutoramento intitulada Poética da Tensão na Poesia Lírica do Minnesang: Edição, Tradução e Estudo, realizada na Universidade do Porto e na Universidade Livre de Berlim. A investigação contou com o apoio do CITCEM e da FCT, que em 2016 lhe concedeu uma bolsa de cinco anos. “A tese foi escrita em português, mas os poemas, naturalmente, estavam no seu idioma original: o médio-alto-alemão, ou seja, o alemão medieval”, explica. Desde o início, teve a preocupação de tornar esse património acessível, traduzindo todos os poemas e reunindo-os num anexo que agora dá origem ao livro. O Ramo da Tília é, portanto, uma antologia comentada de poemas de amor da Idade Média alemã, que explora a tensão entre o desejo e a impossibilidade.
“QUE COISA É UM ALGUIDAR?”
Antes deste trabalho, J. Carlos Teixeira já tinha publicado Que coisa é um alguidar?, um livro de poesia lançado pela Editora Exclamação. “É uma obra muito pessoal, enraizada nos lugares, nas tradições e nos dizeres de Lousada”, sublinha. O livro foi apresentado no Porto e em Lisboa, mas o autor fez questão de o levar também ao Festival FOLIA, nas Casas do Souto em Macieira, num regresso simbólico às origens. “Foi como fechar um ciclo — voltar a casa com um livro que nasceu da memória dos lugares onde cresci.” Paralelamente, organizou antologias poéticas e publicou diversos poemas e artigos científicos em revistas especializadas, consolidando um percurso que combina criação literária e investigação académica.
O futuro promete continuar fértil em novos projetos. “Quase não existem traduções de textos medievais alemães para português, e é precisamente por isso que esse trabalho me entusiasma tanto”, afirma. Já está em andamento uma tradução de A Canção dos Nibelungos, em coautoria com o seu antigo orientador e com a Professora Mafalda Gomes, da Faculdade de Letras do Porto. Mas o horizonte é mais vasto: Teixeira sonha com novas edições de obras como Parzival ou Erec, textos centrais da tradição arturiana alemã. “São narrativas que dialogam com o imaginário do Rei Artur e da Távola Redonda e que merecem ser conhecidas entre nós.”
Também pondera dedicar-se à tradução integral da obra de um trovador alemão específico, uma tarefa monumental que poderia abrir novas portas no estudo da literatura medieval em língua portuguesa. “O Ramo da Tília é apenas uma amostra geral dos cancioneiros alemães”, reconhece. “Compreendo que estas viagens literárias me levem para muito longe — para a Alemanha medieval, para os palácios de Worms ou os castelos da Bretanha —, mas a verdade é que todas começam no mesmo lugar: em Lousada, onde aprendi a ouvir histórias e a reconhecer no poder das palavras algo de eterno”.
Atente-se a este autor. O Louzadense também o fará.














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