“Um escritor, ou todo o homem, deve pensar que tudo o que lhe ocorre é um instrumento; todas as coisas lhe foram dadas para determinado fim, e isto deve ser mais forte no caso de um artista. Tudo o que lhe acontece, incluindo as humilhações, as vergonhas, as desventuras, todas essas coisas lhe foram dadas como argila, como matéria-prima para a sua arte; ele deve aproveitá-las. Por isso já falei num poema sobre o antigo alimento dos heróis: a humilhação, a desgraça, a discórdia. Essas coisas nos foram dadas para que as transmutemos, para que façamos, da miserável circunstância da nossa vida, coisas eternas ou que aspirem a sê-lo.” – Jorge Luís Borges (“A cegueira”, em Borges Oral & Sete Noites)
Nos últimos tempos, Lousada tem-se afirmado como um território de escritores.
Só este ano, mais de quinze livros foram lançados por autores naturais da nossa vila – um número que merece reflexão e, sobretudo, reconhecimento.
Este fenómeno não surge isolado. Pelo contrário, resulta de um caminho construído com visão e continuidade. As escolas do concelho são hoje espaços onde a leitura e a escrita têm presença ativa e estimulante: projetos de literacia, clubes de leitura, oficinas de escrita criativa, trabalho regular com as Bibliotecas Escolares, visitas de autores e mediação de leitura. Tudo isto oferece aos alunos ferramentas essenciais para pensar com palavras, comunicar com clareza e descobrir a própria voz.
Este entusiasmo pela escrita não surge por acaso.
Acredito que é reflexo de um trabalho contínuo e inteligente na promoção do livro e da leitura, desenvolvido, também, pela autarquia, nas escolas do concelho, sobretudo ao longo das duas últimas décadas. As escolas têm hoje bibliotecas mais vivas, dinâmicas e abertas à comunidade. A Biblioteca Municipal de Lousada tornou-se um espaço de encontro, onde o livro não está guardado numa prateleira, mas vivo no diálogo com os leitores. As variadas iniciativas, como: os Concursos de Leitura e de Escrita, as Feiras do Livro, a divulgação de um “Plano Local de Leitura”, as apresentações de livros onde os próprios escritores visitam as escolas para partilhar a sua experiência, criam pontes que aproximam os mais jovens do universo literário. E dão-nos a sensação de que escrever não é já um luxo distante, mas uma possibilidade real para quem reside e vive em Lousada.
Quando um autor vai à escola, fala aos alunos, partilha o processo da escrita, o livro deixa de ser apenas “algo que se compra” e passa a ser “algo que se cria”. Essa proximidade transforma os tradicionais leitores em possíveis escritores. Escrever, afinal, é dar voz ao que sentimos. É usar a palavra como instrumento para expressarmos o amor, a humilhação, a vergonha, as desventuras, as memórias, enfim, todas essas coisas que nos são dadas como material para uma nova técnica, uma nova habilidade. Assim, cada livro publicado vai tornar-se um pedaço de identidade, mas também uma ponte para o futuro, uma chama que ilumina toda a comunidade.
Por isso, se Lousada se está a afirmar como território de escritores, estamos também, e sobretudo, a afirmar-nos como uma comunidade de leitores, conscientes de que a escrita e a leitura não são apenas atividades isoladas, mas formas de partilhar, de sentir e de nos fazer crescer juntos.
Ver um autor “de cá”, com rosto e voz, a falar de como ele escreve, é inspirador e torna possível aquilo que antes parecia muito distante. É assim que nascem novas “vozes”. É assim que uma comunidade aprende a reconhecer-se na escrita e percebe que a literatura não é apenas algo que se consome, mas algo que também se pode criar.
Escrever permite dar forma ao que sentimos e ao que nos transforma enquanto seres humanos. A escrita pode ser o lugar onde se expressa a essência imortal
da alma, onde cada livro publicado é mais do que uma obra: é uma forma de eternizar aquilo que somos e o que queremos deixar aos que virão depois de nós…
E neste caminho, a vila que lê torna-se a vila que conta!
E a vila que conta torna-se, finalmente, a vila que permanece, não apenas no mapa, mas na história dos livros.
Se Lousada se está a tornar uma terra de escritores, isso significa que estamos também a tornar-nos uma comunidade mais humana, onde há empatia, solidariedade e onde o bem-estar de todos é uma preocupação comum; mais sensível, porque sabe olhar o outro com atenção e delicadeza; mais culta porque investe no conhecimento e percebe que a cultura não é um luxo: é alimento para o pensamento; mais consciente do poder das palavras. As palavras podem construir pontes ou podem levantar muros. Numa comunidade consciente da sua força, dialoga-se com respeito, combatem-se formas de linguagem que magoam, diminuem ou excluem, promove-se a comunicação que une e faz crescer.
Por isso, cada livro publicado por um lousadense é mais do que uma obra individual: é a prova viva de que a cultura cresce onde é cuidada, é o reflexo de uma vila que lê, que pensa e que sente, é a celebração de uma identidade que se escreve a várias mãos.
Se Lousada está a tornar-se terra de autores, então é porque já é terra de leitores. E onde há leitores, há sempre futuro.
E isso, a meu ver, é que é motivo de grande orgulho!
Lousada e Escola Secundária, 29 de outubro de 2025
Graça Maria Pinto Coelho













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