por | 26 Jun, 2019 | Canto do saber, Opinião

Corrupção, a banalidade do (in)visível

A corrupção é um tema recorrente nos nossos dias. Sucedem-se as notícias com casos de corrupção, em que, de acordo com a conveniência, estas sublinham umas vezes os corrompidos e outras vezes os corruptores. Sim, porque a própria palavra co(-)rrupção indica rutura em grupo, isto é , não há corrompidos sem corruptores e vice-versa, o corrompido o que vende a sua capacidade de decisão e o corruptor o que compra essa capacidade de decisão.

Mas descansem, que não vou entrar naquele discurso de os portugueses são isto e aquilo, que Portugal é um país assim ou assado, que os políticos e outras classes são todos a mesma coisa, etc. Não, esse discurso enfastia-me, sobretudo pelo grau de generalização desinformado, sobretudo no que diz respeito ao País, que, com a autoridade de quem em determinada altura da vida profissional teve ocasião de conhecer cerca de 80 países, afirma que de certeza que Portugal é muito melhor do que muitas vezes dizem.
Prefiro antes convidar à reflexão daquilo que é a realidade do quotidiano de todos nós. Essa realidade é recheada de uma grande opacidade, onde a perceção de cada um, é a de que, para resolver um problema, muitas vezes por mínimo que seja, tem de se conhecer “alguém”.

Esta perceção tolda de tal forma o juízo das pessoas, que se deixam levar na conversa de falsos profetas, ao invés de se informarem convenientemente e deixarem que a competência resolva de facto o seu desejo.

Por outro lado, é verdade que encontramos diariamente esses “alguéns”, suprassumos da inteligência burocrática, que muitas vezes não teriam lugar em mais lado algum, a quem deram algum poder de decisão, por pequeno que ele seja, que se escondem atrás de regras e regrinhas, as quais aplicam de forma isenta de bom senso , discricionariamente, com o objetivo de mostrarem que são “alguém”, entristecendo-nos a vida. São esses “alguéns” que muitas vezes mostram disponibilidade para mercantilizar esse poder de decisão.

Na vida profissional, é fácil depararmo-nos com essas situações, por um lado, nunca se é competente para resolver o que quer que seja, tem-se é muitos contactos (!!!!); por outro lado, a quantidade de “alguéns” que nos entristece a vida é significativa.

Mas a corrupção é antes de mais o proporcionar de sentimentos de alegria, alegria em quem vê o seu problema resolvido e alegria em quem viu a sua ajuda na resolução do problema, remunerada. Aqui, começa o problema, porque muitas vezes estes sentimentos de alegria são proporcionados aos intervenientes, que não raras vezes os partilham com quem gostam, aumentando assim a sua satisfação e a dificuldade de voltar a trás. Passa-se de forma fácil pelos três tipos de amor, o Eros de Platão, amor desejante pelo que não se tem, a Eudaimonia de Aristóteles, amor na presença e o amor Agape, o amor cristão, aquele cuja alegria consiste em fazer os outros felizes.

A isto acrescenta-se aquele tipo de fenómenos identificados por exemplo por Hannah Arendt, que é o da banalidade do mal, no sentido do mal moral, que é a consciência de que aquilo que estamos a fazer, porque nos torna felizes e, sobretudo, outros felizes, se torna quase como numa cegueira induzida em que não conseguimos ver para além dessa alegria, não enxergamos nada de mal e nos impele a repetir sempre mais uma vez.
Mas então e a resposta? A resposta, dirão uns, está numa maior fiscalização das ações das pessoas. Bem, de alguma forma ela ajuda, é verdade. No entanto não podemos deixar de ter em mente, que, na maior parte das vezes, esta maior fiscalização implica mais leis, maior burocracia e consequentemente um maior número de “alguéns”.

Gostaria agora de voltar ao princípio do texto, à questão da reflexão, reflexão sobre o que de facto está na base da corrupção, que é a dos princípios morais. Princípios que deverão ser arraigados na sociedade, princípios que façam com que cada um de nós, de facto, não tente obter uma vantagem de forma errada, quanto à Ética, tida como a inteligência para discernir dos princípios morais que levam à melhor convivência entre todos.

Aqui vou de encontro ao título da peça, com a passagem do anel de Giges, na República de Platão, onde um pastor que se porta de forma irrepreensível, até que um dia encontra um anel que, rodado de determinada forma, permite que ele fique invisível. A partir daqui, escudado por essa invisibilidade, ele comete as maiores imoralidades, simplesmente porque ninguém o conseguia ver…

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