No meu último artigo de opinião neste jornal comparei António Costa e Mário Centeno a Mateo Salvini e a Donald Trump. Nomeadamente porque uns e outros preferem políticas de base economicista, nas quais o maior relevo é dado ao dinheiro e às finanças, e não dão a devida importância às políticas de base humanista, nas quais o maior relevo é dado às pessoas e ao estado social. Ora, as reações foram, como seria de esperar, muito vincadas, quer a favor, quer contra a comparação que serviu de estrutura a esse texto.
Especialmente para quem não apreciou essa comparação, nem a alusão à expressão queirosiana “coleção grotesca de bestas”, vou desenvolver algumas considerações sobre o que, entretanto, se soube acerca das duas figuras dessa “coleção” que mais interessam aos portugueses: António Costa, neste número de “O Louzadense”, e Mário Centeno, no meu próximo artigo de opinião.
António Costa demonstrou, mais uma vez, o seu cinismo e a dissimulação que usa para fazer política no caso dos negócios entre os familiares de membros do governo e o próprio Estado. Soube-se pela comunicação social de que pais, irmãos, filhos, etc… de membros deste governo têm feito negócios de milhões de euros com diferentes organismos do Estado. O que fez António Costa? Em primeiro lugar, mandou pedir um parecer à Procuradoria Geral da República (PGR) sobre a interpretação da lei que proíbe (e muito bem, digo eu!) esses negócios e que prevê mesmo a demissão dos políticos e a anulação dos negócios em causa. Em segundo lugar, mandou o Ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), que está a substituí-lo como Primeiro-Ministro, dizer aos portugueses que essa lei não é para interpretar “à letra” e que os familiares de membros do governo também têm direito ao seu “ganha-pão”.
Ora, tanto o pedido como o recado de António Costa têm dois problemas cada um.
Quanto ao pedido de parecer à PGR, se havia, de facto, dúvidas sobre a interpretação da lei, deveria ter sido pedido previamente em relação aos negócios efetuados por familiares de membros do governo com qualquer organismo do Estado. E o negócio só avançaria se a PGR desse parecer favorável. Se fosse desfavorável, nada feito… Ter dúvidas sobre a lei só depois de ter rebentado o escândalo público é de um cinismo assinalável. Primeiro problema do pedido.
Para além disso, quando, como e por quem irão os portugueses tomar conhecimento do parecer da PGR? Ninguém sabe. E como ninguém sabe, todos podem dar palpites… Ora aqui vai o meu: o tal parecer só “tarde e mal” chegará ao conhecimento dos portugueses, sobretudo se for desfavorável aos interesses de Costa,e já não será em “tempo útil” para obrigar à demissão dos Ministros e Secretários de Estado, nem em tempo útil para obrigar à anulação dos negócios, como está, “preto no branco”, previsto nessa lei. Segundo problema do pedido.
Quanto ao recado que António Costa nos mandou pelo MNE, é o grau zero da hipocrisia e da dissimulação na política. Como toda a gente sabe, as leis são, de facto, para ler literalmente. A bíblia, por exemplo, é que se pode e deve ler metaforicamente. As leis não. Se as leis não fossem para interpretar literalmente, não era possível, desde logo, estabelecer um Estado de direito. Mesmo com interpretações “à letra” diferentes advogados veem sempre coisas diferentes, de acordo com os seus interesses, no mesmo ponto de determinada lei. Imaginemos, agora, que os advogados, os juízes, os políticos e todos os cidadãos começavam a interpretar metaforicamente as leis… Primeiro problema do recado.
O recado transmitido pelo MNE vinha ainda embrulhado noutra lógica apenas construída para atirar areia aos olhos dos portugueses. Disse o MNE que os familiares dos membros do governo, como todos os portugueses, têm direito ao seu “ganha-pão” e que não podem ser prejudicados só por terem familiares no governo. Ó Sr. Ministro, analise a lei e vai ver que há solução para esse gravíssimo problema. Como é evidente, a lei não proíbe os familiares de membros do governo de desenvolverem os seus negócios e de garantirem o sustento das suas famílias. A lei só proíbe de o fazerem com o Estado. E percebe-se muito bem porquê. Só quem não quiser é que não percebe. Portanto, Sr. Ministro, há sempre um de dois caminhos: ou o paizinho do ministro faz negócios só com privados (e há muita gente que vive só de fazer negócios entre privados) e o menino pode ser ministro, ou, então, o menino não vai para ministro para o paizinho continuar a fazer negócios legalmente com o Estado. O mesmo se aplica a todos os outros casos: ou há negócios com o Estado e a família não pode estar representada no governo, ou a família está representada no governo e, por isso mesmo, não pode fazer negócios com o Estado. A lei está muito bem feita e é muito clara. Parece que vão alterá-la. Com a bênção do Presidente da República? Deve ser para facilitar “estas coisas”. Segundo problema do recado.
Para a próxima, tal como prometido, irei escrever sobre o que entretanto se soube do nosso cândido Ministro das Finanças.
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