Tempo de vindimas (I) – Quinta de Lourosa

O tempo arrefeceu, as folhas começaram a cair e chegaram as primeiras chuvas. É altura de colher as uvas e fazer o vinho. Mais do que um procedimento agrícola, este foi, ao longo dos séculos, um momento de festa, aproveitado para a brincadeira e a confraternização. Mas será tudo ainda como dantes? O Louzadense esteve em duas quintas lousadenses e dá-lhe a conhecer o processo das vindimas.

Integrado numa região de vinho verde, o concelho de Lousada apresenta várias castas. Nos vinhos brancos, o arinto, o loureiro, o avesso e o alvarinho; nos tintos, a touriga nacional e o vinhão.
Na Quinta de Lourosa encontramos todas estas castas, num espaço de 27 hectares. Um crescimento assinalável se tivermos em conta os 4 hectares de há trinta anos. Compras de terrenos e arrendamentos permitiram este crescimento.

Este ano, a qualidade do vinho será boa, garante Joana de Castro, engenheira e proprietária da Quinta, embora o verão fresco tenha feito subir a acidez, que poderá descer durante a fermentação: “Temos é que dividir os lotes e aproveitamos o vinho que está a sair da prensa, que tem menos acidez e, com ele, equilibramos a acidez do vinho”, explica.

Vinha totalmente mecanizada na Quinta de Lourosa

A Quinta de Lourosa orgulha-se de estar na vanguarda do progresso e “sempre a fazer experiências”: “Neste momento, temos aqui uns ensaios de sistemas totalmente mecanizados. Isto porque, hoje em dia, o problema é que tudo o que é feito à mão é muito caro. Como estamos numa região onde os vinhos verdes não são vendidos muito caros, não podemos ter ideias de fazer um vinho quase artesanal. Somos pioneiros na região dos vinhos verdes e temos aqui uma vinha totalmente mecanizada, que não tem intervenção humana”, explica Joana de Castro. A proprietária esclarece que metade da área já é vindimada com máquinas, sendo o capital humano usado para tarefas que requerem maior inteligência. Pode parecer estranho para os leitores menos familiarizados com estes processos, mas a vindima mecânica “garante maior qualidade e maior produção, pois as pessoas também erram”. “Se houver bagos verdes na uva, a máquina não colhe esses bagos, só colhe os maduros, enquanto as pessoas que estão a vindimar colhem o cacho inteiro. A máquina só consegue puxar os bagos maduros, pois aspira só as uvas, nem o engaço vem”, explica.

Jovens fogem da agricultura

Mesmo com os processos de mecanização, torna-se necessário recorrer a muita mão de obra, que, por vezes, é escassa: “Na verdade, nós temos de utilizar as máquinas porque as pessoas querem ser todas engenheiras. Eu devo ser a única engenheira que anda com os pezinhos molhados aqui no terreno e, ao mesmo tempo, tenho aqui o portátil. O pessoal não gosta de puxar nem pelo corpo, nem pela cabeça”, refere.

Joana lamenta que, sendo Lousada é um concelho agrícola, não tenha quase ninguém a trabalhar na agricultura: “Vá perguntar aos jovens da escola quem é que quer seguir agricultura! Quase ninguém. Os pais não querem. É uma área tão bonita e tão boa como as outras. Há pessoas na cidade que olham para a agricultura de uma forma romanceada, mas a agricultura é um parente pobre. Estranho é que todo o mundo quer ir para medicina e depois ficam frustrados. Por isso é que há muitos que depois querem ter quintas. Porque será?”

Potencial turístico aproveitado

Apesar de os tempos serem diferentes e não existir a azáfama das vindimas manuais de outrora, com a tradicional pisa da uva, a Quinta de Lourosa distingue-se das demais por ter vida. Joana explica que, contrariamente ao que acontece em muitas quintas, em que os proprietários vivem na cidade e entregam as quintas aos trabalhadores, na sua propriedade, os proprietários estão presentes, a dinamização de atividades é uma constante e a porta está sempre aberta para receber e aprender com as pessoas. “Claro que temos mais visitas de fora de Lousada do que de Lousada, mas isso é normal. Temos também a parte do turismo, que é uma forma de potenciar a quinta”. A casa restaurada recebe os hóspedes, que podem, assim, perceber o que é uma quinta e conhecer as atividades realizadas no quotidiano: “Há pessoas que gostam de participar, como há outros que querem estar no cantinho deles”, refere, acrescentando que têm tido muitas visitas e a estratégia tem passado por fazer com que os visitantes consumam. Preços especiais para as Rotas Gourmet são uma dessas estratégias.

Como dissemos, a vindima não está 100% mecanizada nesta quinta. Encontramos, por isso, alguns trabalhadores da freguesia a vindimar numa área sem acesso das máquinas, que nos falaram das diferenças em relação ao passado: “Antigamente, era subir e descer escadas! A própria prensa era puxada à mão. Agora é tudo elétrico, com máquinas para tudo”. Com o trabalho facilitado, estes trabalhadores mostram a satisfação de recolher o fruto e poderem contribuir para a apresentação do produto final.

Rogério de Castro, o senhor do vinho

Para Rogério de Castro, pai de Joana, a vinha não tem segredos. É professor catedrático no Instituto Superior de Agronomia e um dos mais conceituados cientistas portugueses no estudo da viticultura. Elege os seus terrenos como campo preferencial das suas investigações. O Professor apresenta-nos alguns cachos de uvas: “Olhe que espetáculo, uvas bonitas. É o corolário de um de trabalho do ano inteiro”. Para Rogério de Castro, a relação com o fruto é uma relação de amor: “São muitos filhos que temos aqui, cada bocadinho destes é um filho”, diz.

O trabalho do enólogo é de constante experimentação, que complementa o seu trabalho em sala de aula: “As experiências ajudam as salas de aula e as salas de aula ajudam aqui”, diz, acrescentando que é normal ter estagiários na Quinta todos os anos.

Para o sucesso da Quinta, contribui o trabalho de emparcelamento funcional, que permite juntar parcelas arrendadas de vários proprietários, já “este país não tem feito o emparcelamento fundiário”.

“Terroir Lousada” lançado muito em breve

Muito do vinho produzido na Quinta de Lourosa tem sido exportado. Joana de Castro conta-nos que Lousada está a fazer um investimento na marca Terroir Lousada, no qual a Quinta de Lourosa está incluída. Trata-se de uma “forma de Lousada juntar sinergias e assim promover o seu vinho”. É um apoiado pela autarquia e criado pela empresa Sem Igual em Meinedo, que vai ser lançado em outubro. A engenheira acrescenta que é a aposta numa marca que junta três vertentes que definem a identidade do território lousadense: o clima, o solo e as pessoas. As quintas são todas diferentes, produzem vinhos diferentes, mas estão unidas neste projeto pela “personalidade dos vinhos Terroir Lousada”.

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