A tradição ainda se mantém viva
Na Casa da Barria, em Cernadelo, encontramos bem viva a tradição das vindimas. Ali são ainda os pés que ajudam a extrair o néctar da uva ao pisá-la, a etapa final de uma festa. Aqui a tradição portuguesa, apesar de a quinta ter acompanhado a evolução dos tempos, em alguns aspetos ainda é o que era. As vindimas são um verdadeiro marco da etnografia portuguesa e participar no seu processo é uma forma de fugir à rotina do quotidiano e reunir a família e amigos em torno deste ritual anual.
Situada na antiga freguesia de Cernadelo, a Casa da Barria foi construída em 1750 e tem cerca de 3 hectares de vinha (2 hectares tradicionais e 1 hectare mais moderno). A maior parte é videira antiga, edificada em ramadas. Casa da Barria é uma marca registada.

O Louzadense chegou já no final da festa, na altura dos comes e bebes. Fomos imediatamente convidados a pegar numa caneca. E foi ao som da cantiga da dona Graça que nos juntamos ao convívio:
“Vindimas, vindimadeiras
Da uva que dá o vinho
Sobe escada, e desce escada
E ergue o cesto com jeitinho”.
Jovens não querem meter os pés no vinho
Glória Carvalho, proprietária da quinta, refere que, apesar de tentarem manter viva a tradição, não é tarefa fácil. “Antigamente era uma grande festa. Agora ninguém quer vir, o que é uma pena. A juventude não quer! Se falarmos em meter os pés no vinho, eles dizem que nem pensar. Os jovens querem todos ser doutores”, lamenta. Por isso, “temos dificuldade em arranjar pessoas. Tivemos de ir buscar pessoas a Boim. Fizemos a vindima nestes dois dias. É tudo feito de forma tradicional, até o lagar é de pedra”, explica. Este ano, participaram nas vindimas 18 pessoas.

A proprietária esclarece que correu tudo muito bem. Embora a quantidade seja menor comparativamente com os anos anteriores, em que a cifra chegou às vinte pipas, espera que a qualidade os deixe satisfeitos. Glória Carvalho realça que o vinho produzido na Casa da Barria “é um vinho natural, enquanto os outros têm mais produtos, sendo mais adamados. Para mim, o vinho melhor é natural”. Um vinho natural que, antigamente fazia das suas: “Esta quinta era do meu avô, o senhor Carvalho da Barria, e antigamente não faltava gente para trabalhar. Não saía daqui ninguém que não ficasse bêbado!”

Tempo de trabalho, mas também de brincadeira
Manuel Machado, de Cernadelo, vizinho da Quinta, recorda os velhos tempos: “Aqui era uma borga, tocava-se viola, bebia-se um copo de vinho e aguardente… Era de sol a sol, não havia horário. Comia-se bem!”, refere. Participante na festa desde os seus dezasseis anos, recorda que não faltava gente e lamenta que “tudo vá morrendo”. Na altura, o divertimento fazia parte do trabalho. Manuel relata algumas situações engraçadas: “As mulheres faziam partidas. As cesteiras, enquanto esperavam pelos homens que vinham do lagar, cosiam-lhes as calças e depois eles não conseguiam vesti-las e lá ficavam eles à rasca de cuecas. Nós há uns anos repetimos isso e foi muito engraçado”, recorda.

Natália Tomaz e Luís Ventura são dois dos funcionários da quinta. Ele é português e ela espanhola. Conheceram-se por causa da bebida. Ela trabalhava num hotel e Luís numa obra em Espanha, onde o encarregado não deixava entrar cerveja. Mas, com uns sinais pré-combinados, Luís virava a grua para o hotel e ela colocava a cerveja em cima. “Depois à noite fazia contas com ela”, diz, acrescentando que estão juntos há 16 anos. “Eu estive lá quinze anos, agora está ela aqui. Já temos dois filhos”, conta.
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