O recente caso “Luanda Leaks”, que tem no seu epicentro a empresária Isabel dos Santos, filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, obrigou os jornalistas e analistas políticos a recuperar a palavra “cleptocracia”. Neste texto de opinião, mais do que a palavra interessa esclarecer o conceito e as suas diversas implicações. Até porque a palavra se explica rapidamente: é de origem grega e tem duas partes “clepto” (roubar) e “cracia” (forma de governo). Mas deixemos, então, a palavra e passemos ao conceito.
No que diz respeito aos regimes de governo dos países, há, para além da democracia, outras formas de exercer o poder e a liderança por parte dos políticos que, ao longo dos tempos, têm sido utilizadas com maior ou menor frequência. Atualmente temos no mundo, entre outros, exemplos claros de teocracias, de oligarquias, de tecnocracias ou de cleptocracias. Uma das maiores diferenças entre elas é que as primeiras, as teocracias, são facilmente identificáveis porque os políticos no poder são os líderes religiosos do país em questão, como acontece no Irão, enquanto que as restantes (oligarquias, tecnocracias e cleptocracias) não são de tão fácil identificação, pois aparecem quase sempre disfarçadas de democracias.
Importa, pois, perceber muito bem que tipos de democracias existem hoje no mundo. Todas as democracias existentes são realmente democráticas? Ou podemos encontrar exemplos de democracias tecnocráticas e de democracias oligárquicas? E exemplos de democracias cleptocráticas, será que existem?
A cleptocracia, como já foi referido, designa uma forma de governo liderada por políticos que admitem e promovem o roubo de dinheiros públicos. Nas definições mais desenvolvidas, disponíveis em dicionários tradicionais ou em dicionários online, é possível encontrar outros conceitos associados a estes: a cleptocracia é um sistema político que admite como normal a corrupção; a cleptocracia é a exploração das riquezas de um determinado país em favor sobretudo da sua elite política; os cleptocratas são aqueles que defendem e admitem as cleptocracias, etc…
Ora, estes conceitos associados à cleptocracia sugerem que uma “cleptocracia pura e dura” será, hoje em dia, difícil de instalar e de sustentar em qualquer parte do mundo, mesmo nas zonas do globo mais dadas a este tipo de fenómenos. No entanto, o caso será completamente diferente se recuperarmos a noção de democracias cleptocráticas, em que a corrupção, embora não seja considerada normal, é tolerada; em que os impostos recolhidos são colocados sobretudo ao serviço das elites políticas e económicas dos respetivos países; em que há políticos eleitos que funcionam como cleptocratas, defendendo mais os interesses de quem acumula riqueza do que os interesses do povo.
Isto é, será que todas as democracias ocidentais são verdadeiras democracias ou são democracias dominadas por fenómenos cleptocráticos? Num país em que se acentua constantemente a diferença entre os mais ricos e os mais pobres, sobretudo porque a elite económica arrecada cada vez mais riqueza, estamos num democracia-democracia ou numa democracia-cleptocracia? Num país em que uma parte substancial da riqueza produzida vai parar às mãos e às contas bancárias de 10% ou a 20% da população, enquanto a restante população tem de se contentar com viver um pouco abaixo ou um pouco acima do limiar da pobreza, estamos numa democracia-democracia ou estamos numa democracia-cleptocracia? Num país onde um casal, em que ambos trabalham e ganham o ordenado mínimo, vive abaixo do limiar da pobreza porque tem dois ou três filhos e os bancos desse país apresentam lucros de milhões de euros, que, por sua vez, vão gerar os lucros de muitos milhões de euros de outros bancos internacionais e de grandes “aglomerados financeiros” ou de “fundos de investimento”, estamos numa democracia-democracia ou numa democracia-cleptocracia?
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