Professor, escritor, amante da etnografia são apenas três facetas de um homem com um horizonte alargado, que passou já por várias associações e se mantém muito ativo socialmente. Falamos de Altino Magalhães.
Altino Manuel da Cunha Pinheiro de Magalhães nasceu em Passinhos, Vila Caiz, concelho de Amarante, em 1955, no dia de Natal, o que dá ainda mais significado a um dia tão especial. A festa é, por isso, a dobrar. Só há um senão: “É um dia especial, mas, por outro lado, só recebo uma prenda!…”, diz, em tom de brincadeira, acrescentando que o mais importante é a reunião familiar na sua casa.
Apesar de nascido em Amarante, encontramos as origens familiares do lado materno em Caíde de Rei, o que explica a sua residência no concelho de Lousada.
Filho de pai ferroviário e mãe doméstica, Altino é filho único. Descreve a sua infância como normal. Como muitos rapazes da época, fugia de casa para brincar com os amigos. No seu caso, a fuga justificava-se pelo facto de não ter companhia para as brincadeiras em casa: “Não tinha ninguém em casa para brincar”. Tinha, porém, a oportunidade de conhecer outros locais, que muitos outros da sua idade não tinham, em virtude da profissão do pai: “Com 9 anos, tinha a oportunidade de andar por várias estações. Passei pela estação de Mondim de Basto, Nine (Vila Nova de Famalicão)… Antigamente, os ferroviários andavam muito de estação em estação”, justifica.
Professor primário com apenas 19 anos
Os dois primeiros anos da escola primária foram frequentados em Mondim de Basto. Já a terceira e quarta classes foram feitas em Vila Caiz. Depois de concluída a quarta classe, frequentou a Escola Comercial de Amarante, onde concluiu o correspondente ao nono ano atual. Fez a secção preparatória aos institutos comerciais, mas o pai adoeceu. Com menos possibilidades, pois contava só com a ajuda da mãe, resolveu ingressar no Magistério Primário em Penafiel. Aos dezanove anos, era professor primário.
A carreira de professor não foi a concretização de um sonho, mas acabou por se tornar uma paixão: “Não pretendia ser professor, mas depois comecei a gostar muito da profissão e cheguei ao fim da carreira com gosto”, conta. O seu objetivo era trabalhar com os números, como contabilista, “no entanto, as circunstâncias da vida assim me obrigaram”. Ser professor afigurou-se uma meta alcançável mais rapidamente: “Em dois anos fiquei professor, ganhando assim já um ordenado que fazia falta em nossa casa”, explica.
Entretanto, teve a sorte de, mesmo apurado, não ter cumprido o serviço militar, pois passou à reserva territorial.
“Lousada é onde se está bem, onde se sente calor humano, onde se sente a amizade entre as pessoas”
O início da carreira de professor, em 1975, colocou Lousada no seu caminho. O professor ficou colocado na Escola Primária da Sede 3, nas Pocinhas. Na altura, na vila, havia três núcleos, um dos quais era no edifício ocupado atualmente pela Biblioteca Municipal, outro no local onde é hoje a sede da Junta de Freguesia de Cristelos e o terceiro estava na Quinta das Pocinhas, mais tarde tornado serviços técnicos da Câmara Municipal. “Era mesmo onde está agora o Centro Interpretativo do Românico”, esclarece.
No início da carreira, ainda muito jovem e “com medo de falhar, mas com entusiamo”, contou com a ajuda dos professores mais velhos. Recorda o professor Santos, a dona Teresa Valinhas e o professor Adriano Fernandes, “três professores já da velha guarda e que me ajudaram bastante, a mim e a outros jovens que viemos parar a este “mundo”. Criamos até um certo à-vontade para desenvolver a nossa atividade tendo-os por detrás como anjos da guarda”, recorda.
Dos alunos que passaram pela sua sala, ficaram-lhe muitos na memória. “Recordo-me de alguns dos meus alunos, pois quase todos são do centro da vila. Todos me cumprimentam. Estamos a combinar um jantar com os meus primeiros alunos. Ainda acompanho a vida de alguns deles. Eu tinha alunos com treze ou catorze anos”, afirma.

Ensino de Adultos muito enriquecedor
Em Lousada lecionou apenas um ano. Seguiu-se Torrados, em Felgueiras, no seu itinerário profissional. Aí parou seis anos, após os quais regressou a Lousada, para lecionar em Sub-Ribas Meinedo. Seguiram-se as escolas de Caíde, da Estação e a de Pereira 1, em Sobreira. Depois de alguns anos a ensinar crianças, viveu uma experiência no Ensino de Adultos, durante quatro anos, dois em Romariz, Meinedo, e dois em Santa Eulália de Barrosas. “Gostei muito de educar adultos. Na altura, era mais a necessidade de ensinar as pessoas para terem a quarta classe e poderem singrar no emprego. Lembro-me que tínhamos muitos alunos que eram funcionários públicos e não tinham a quarta classe. “A lei obrigou-os a apresentar o diploma para subir de categoria”, conta. Embora para a maioria a motivação maior fosse o diploma para subir de escalão, para outros, foi a necessidade de aprender a ler e escrever que os levou aos bancos da escola.
Durante o período em que trabalhou com adultos, o professor ensinou, mas também aprendeu com os alunos, alguns com cinquenta e sessenta anos: “Transmitiam a moralidade das vivências que tinham, traziam os seus problemas familiares, os contactos com os chefes diretos, experiências de vida riquíssimas”, recorda. Altino Magalhães diz que era muito engraçado ler os textos dos seus alunos, com os quais aprendia muito sobre “o que era a vida de trabalho”. “A escola era uma forma de entretimento, de adquirir conhecimento, de convívio, de passar um pouco da noite”, afirma.
No seu currículo, consta ainda a função de Animador Pedagógico do PIPSE – Projeto Interministerial de Promoção do Sucesso Escolar, ao longo de três anos, e uma década de coordenação da Equipa de Educação Especial e Apoios Educativos no concelho de Lousada.
As tarefas de gestão escolar também lhe passaram pelas mãos. Esteve na Comissão Instaladora do Agrupamento de Escolas de Lousada Este, onde desempenhou depois as funções de vice-diretor. O final da carreira foi quase um regresso às origens, a Sub-Ribas, onde terminou a carreira em 2008. “Depois de 2013, ainda fui Diretor Pedagógico do Colégio São José de Bairros e estive sempre ligado à educação e ensino e na formação de pessoas e de pessoal docente e não docente, também nos concelhos de Felgueiras, Amarante, Marco de Canaveses e Paredes ”, acrescenta.
Por considerar importante a formação profissional, mas também para progredir na carreira, com os respetivos acréscimos financeiros, Altino Magalhães, já professor, terminou o 7º Ano (equivalente ao 12º Ano) e fez a licenciatura em Direção Pedagógica e Administração Escolar, no Instituto João Piaget, em Arcozelo. Na Universidade do Minho, concluiu os Estudos Superiores Especializados na área das Ciências da Natureza e da Matemática.
Burocracia desmotiva professores
O professor Altino não tem uma visão muito positiva da evolução da educação em Portugal, por considerar que os professores perdem demasiado tempo em funções burocráticas, desfocando-se do essencial, que é ensinar. “A partir de dada altura, eu comecei a sentir muita burocracia e um bocado de necessidade de o Ministério fiscalizar os professores e o seu trabalho. Mais burocracia, mais teoria e pouca prática!”, descreve. Esta situação, no seu ponto de vista, está na origem da desmotivação de muitos docentes: “Até que, mais no final da carreira, senti as pessoas desmotivadas, pois ligava-se mais aos papéis do que aos conhecimentos que as crianças e jovens tinham de adquirir. Acho que foi uma mudança para pior”, considera.
Relativamente, às competências e conhecimentos adquiridos pelos alunos, lamenta apenas que haja “um certo descuido nas letras”, o que, na sua opinião, tem a ver com a “falta de exigência, um certo facilitismo”, refere.
Ao longo dos 33 anos de carreira, a paixão por formar pessoas e estar ligado à juventude foi-se adensando. Daí ao associativismo foi um passo. “Sempre gostei de conviver com jovens e crianças e tive sempre a paixão e necessidade de transmitir aos outros deixando algum legado aos jovens e às crianças, no sentido da valorização pessoal e profissional das pessoas”, afirma.
Associativismo faz parte da sua vida
O trabalho associativo começou muito cedo na vida de Altino Magalhães. Com apenas quinze anos, foi cofundador de uma associação da sua terra, “nuns fundos de uma casa”: “Sem luz, criamos um clube, para passarmos um bocadinho do tempo a jogar às cartas, dominó, a conversar, a beber uma cervejinha”, conta.
Depois desta experiência inicial, terminado o curso do Magistério, já depois do falecimento do pai e a viver em Caíde de Rei com a mãe, na casa dos avós maternos, decidiu ligar-se ao futebol. Em 1977, há três anos em Caíde, foi um dos fundadores do Caíde de Rei Sport Clube. Tudo começou num café, cujo proprietário viria a ser seu cunhado. Aí se realizaram as primeiras reuniões, que resultaram na fundação do clube. “Estive três a quatro anos na direção, cujo presidente era o professor Fernando Trigo”.
Mais tarde, a lecionar em Meinedo, o folclore surge com maior acutilância na sua vida, embora o seu interesse por esta área venha de trás: “A maior parte dos meus alunos de noite, faziam parte do grupo folclórico “As Lavradeiras do Vale do Sousa”. Foi aí que aproveitei a oportunidade para dar continuidade ao meu interesse pelo associativismo e pelos grupos folclóricos”, recorda. Integrou a direção do grupo folclórico, mas não ganhou raízes apenas aí, embora tenha já 35 anos da sua vida dedicada a este grupo, sendo atualmente presidente da Assembleia Geral. Assim, passou por várias associações do concelho, com destaque para a ACML (Associação de Cultura Musical de Lousada), tendo feito parte da direção de Paulo Cunha, por volta de 1990: “Foi o início da escola da música, na altura da construção do auditório e das instalações. Muito trabalho teve essa direção com a Banda de Música e a criação da Academia de Música de Lousada.
Depois desta experiência, regressou ao Caíde de Rei Futebol Clube, onde esteve mais seis anos.
Os convites para escrever o seu nome na história de importantes associações do concelho, “felizmente”, sempre foram muitos. Por isso, encontramos o seu nome na vice-presidência da Mesa da Assembleia Geral da Associação Desportiva de Lousada, cargo que ocupou durante quatro anos, no mandato de Sandro Sousa. Atualmente, é vice-presidente da Assembleia da Cooperativa InovLousada e confrade da Confraria do Bazulaque de Magneto.
Paixão pela etnografia
A escrita é uma das paixões de Altino Magalhães. Foi colaborador do Jornal de Caíde, TVS, Jornal de Lousada e Yes Lousada, entre outros. Uma monografia do concelho de Lousada contou também com a sua participação. Mas é a etnografia que alimenta muitos dos seus textos. O trabalho de pesquisa começou no grupo folclórico “As Lavradeiras do Vale do Sousa”: “Quando começamos a recolha dos usos e costumes aqui de Lousada, comecei a aperceber-me que eram muito engraçadas as coisas antigas. Também com o grupo folclórico da minha terra, Vila Caiz, comecei a perceber que havia algumas coisas em comum e comecei a ter gosto pelos instrumentos, pelas tradições, pela cultura, nomeadamente a cultura do linho e dos produtos agrícolas”, conta. Quem alimentou esta curiosidade foi Ana Perdigão, a conhecida Aninhas, “uma das fundadoras do grupo folclórico e talvez a maior impulsionadora da cultura etnofolclórica desta região. Tudo o que temos aprovado pela Federação do Folclore Português deve-se muito a todo um esforço de algumas pessoas de Meinedo e Lousada, mas principalmente da Aninhas, do seu irmão Júlio Perdigão e dos fundadores do Grupo ”, lembra, mostrando-se orgulhoso por ter dado o seu contributo para o sucesso do trabalho desenvolvido.
“As pessoas eram pobres, tinham poucos recursos, mas viviam bem alegres e felizes”
O gosto pelo antigo não coloca Altino Magalhães no passado. Sem deixar de valorizar o progresso e a modernidade, considera o conhecimento dos modos de vida antigos essencial para se perceber o Homem: “As pessoas eram pobres, tinham poucos recursos, mas viviam bem alegres e felizes”, salienta, acrescentando que as danças e cantares expressavam a alegria de viver.
Outras áreas de interesse no passado são a medicina popular e os valores que orientavam as pessoas. Altino Magalhães recorda o valor da palavra de outros tempos: “Palavra dada era honrada. Baseado nesses princípios, achei sempre muito interessante e importante descobrir como é que se vivia antigamente”, diz.
Durante um longo período, foi feita a recolha de elementos junto de pessoas de mais idade. Conversas, gravações, fotografias, levantamento de trajes nas casas senhoriais, como a de Ronfe e a da Ramada, na freguesia de Meinedo, as idas ao fundo dos baús e das arcas à procura de trajes para fazer cópias, resultaram num dossiê completo sobre a história dos trajes, das modas, das canções e das músicas. “Compilamos tudo para sermos federados. Foi uma alegria quando o conseguimos. Foi o objetivo principal em 1990. Era fulcral, de uma importância… Dava-nos outro estatuto. Houve comemoração com pompa e circunstância”, lembra.
O processo de produção e transformação do linho foi um projeto particularmente caro a Altino Magalhães, que originou um trabalho de vídeo e várias dramatizações. Mas as desfolhadas e as vindimas também fazem parte dos projetos de recuperação da história. “Nas desfolhadas, quando aparecia o milho-rei, os beijinhos que se dava às meninas; nas vindimas, por exemplo, quando os rapazes chamavam pelas cesteiras… Essas representações o grupo fazia-as muito bem, era muito bonito”, recorda, lamentando que agora não se façam tanto. “Era uma alegria que acabava sempre com a merenda que vinha no fim, com as modas que se dançavam e cantavam e que agora ainda reproduzimos. Havia também nesses anos mais convívio, mais amizade, mais bairrismo”, sustenta.
Altino Magalhães e “As Lavradeiras do Vale do Sousa” têm levado as tradições lusas além-fronteiras. Suécia, Itália, Espanha, França foram alguns dos destinos: “Levar a bandeira nacional e do concelho é uma emoção muito grande. Ver os emigrantes a aplaudir aumenta a responsabilidade. São momentos agradáveis e interessantes, que motivam para trabalhar cada vez mais, para que as tradições não acabem, pois cada vez mais é difícil arranjar pessoas que, por carolice, pertençam aos grupos folclóricos, mas ainda se vão arranjando”.
A vida política
Apesar de se interessar pela política, de ter vivido o 25 de Abril com entusiasmo e os tempos agitados que se seguiram à Revolução, nunca se expôs em demasia, talvez por estar mais focado no início da vida profissional: “Felizmente, eu estava mortinho por ganhar dinheiro e começar a trabalhar. Nunca deixei a política de lado, vivia-a de uma forma entusiasta, nunca deixando de lado as manifestações”, diz.
Mais tarde, já casado e a viver em Lousada, foi convidado pelo Dr. Mário Fonseca para pertencer ao grupo municipal do PS, tendo sido eleito deputado municipal por 4 anos, tendo sido o porta voz do seu Grupo na Assembleia Municipal de Lousada”. Foi uma experiência interessante. Tentei dar ideias e ajudar um pouco na resolução de muitos problemas que existiam na altura, nomeadamente na educação. Até fiz parte do Conselho de Educação e da Comissão de Cidades Geminadas, tendo feito intercâmbios culturais com Tulle e Renteria”, afirma.
Casou em outubro de 1981. Depois disso, ainda viveu quatro anos em Caíde de Rei, mas construiu casa em Meinedo, onde reside. A esposa, Isabel Oliveira, também professora, é de Caíde de Rei. Conheceu-a enquanto organista no Grupo Coral de Caíde de Rei na segunda metade da década de 70. O casal tem dois filhos e dois netos, que são a sua grande alegria.
Há décadas em Lousada, que o fazem sentir mais lousadense que amarantino, considera que o concelho evoluiu muito desde que cá chegou, principalmente na educação: “Nota-se uma diferença muito grande, para melhor. Era uma vilazinha do interior, muito pequena, rural e, ao longo dos anos, fui verificando o seu desenvolvimento a todos os níveis, sendo uma vila moderna, com outras condições e infraestruturas, mas o desenvolvimento maior foi na educação e relevo também a evolução no que diz respeito ao ambiente”, sustenta. “Lousada é onde se está bem, onde se sente calor humano, onde se sente a amizade entre as pessoas”, “Lousada para mim, foi, é e sempre será, uma VILA ACOLHEDORA!…” remata.
Parabéns, Prof Altino. Bonita história de vida. Felicidades.