Evocar o 25 de Abril, hoje nos seus 46 anos, é não só recordar mas também olhar para a atualidade e tentar projetar o futuro.
Olhando para o passado, vejo-me em Junho de 1971, a regressar da Guiné, onde comandei uma companhia de caçadores, numa guerra que me fez abrir os olhos para a situação que se vivia em Portugal há já 45 anos.
Lembro os sentimentos, algo contraditórios mas reconfortantes e animadores, que se digladiavam no meu interior.
De um lado, a satisfação, resultante da maneira como conseguira enfrentar a guerra, que me confortava – é sempre animador sentir que, perante situações complicadas, algumas extremas, tivemos a capacidade de lhes fazer frente e não soçobrar!
Por outro lado, a angústia sofrida pela descoberta de que estava a ser utilizado para ajudar a suportar um regime iníquo, ilegítimo e que impunha uma guerra que descobrira ser injusta e sem fim à vista, questionava-me sobre a importância da minha realização pessoal, como Homem e como militar, e impunha-me que utilizasse essa capacidade demonstrada na guerra para uma finalidade mais consentânea com os valores por que sempre pugnara e tentava praticar.
O que, felizmente, me empurrou para uma férrea determinação em contribuir para terminar com o estado de coisas a que se chegara!
Continuando a olhar para o passado, revejo toda a odisseia que foi a conspiração, a ação de derrube da ditadura e a enorme transformação provocada no meu país.
Dava assim cumprimento à promessa que fizera a mim próprio, no regresso da guerra colonial!
No percurso das recordações, aparecem as memórias das lutas, tremendas lutas, contra os que tentaram inviabilizar a consumação de um sonho, que acalentou um grupo de jovens oficiais e os levou a tudo arriscar para abrir as portas à Liberdade, alcançar a Paz e lançar os alicerces de uma sociedade livre, democrática, mais justa e mais solidária.
Que, ao resultar, permitiu a esses jovens a realização de um feito único na História universal, inscrevendo os seus nomes em letras de ouro nos anais dessa mesma História!
Olhando para o presente, vejo-me a olhar para o espelho e não sentir vergonha do que vejo!
Isso, porque sinto que, juntamente com os meus companheiros de jornada, conseguimos servir e não servirmo-nos!
E como é reconfortante, comparar o país de há 46 anos com o país de hoje!
Como é reconfortante sentir que contribuímos, com uma pequena parte que seja, para ajudar a construir um Portugal mais livre, mais democrático, mais igual, mais justo, mais desenvolvido e em paz!
Como é reconfortante ver um país integrado, de corpo inteiro e sem subserviências, na comunidade internacional!
Como é reconfortante constatar as boas relações com os povos que colonizávamos e com quem estávamos em guerra, hoje condutores das rédeas dos novos países que entretanto criaram!
Ao olhar para o presente, recordando o passado, não posso deixar de sentir um estado de espírito de que valeu a pena! Um sentimento de realização!
Mas, ao olhar para o futuro, apesar das sombras negras que pairam no horizonte, vejo-me a deitar mão ao passado e a ganhar a determinação para, tal como então, vencer as batalhas que se apresentam perante nós e teremos de travar!
Vai ser necessário Coragem?
Nada mais natural!
Nada se consegue sem luta, também aqui “não há almoços grátis”!
Temos a experiência necessária e suficiente para saber enfrentar os desafios atuais e futuros.
Não deitemos fora, não desprezemos as nossas capacidades!
Mantendo os valores de Abril, os valores da Liberdade, da Igualdade, da Solidariedade, da Fraternidade, da Justiça, da Paz, do respeito pela Natureza, da Verdade, todos respaldados pelo valor da Responsabilidade, vamos vencer o vírus e vamos conseguir construir melhores sociedades!
São estes os sentimentos que, numa situação de confinamento, me permitem olhar para o futuro com esperança, com a convicção de que o meu neto Vicente terá um futuro melhor do que o vivido pelos seus avós e pelos seus pais!
É esta a mensagem que vos quero deixar, com um grande abraço de Abril!
Abril de 2020
Vasco Lourenço
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