Nesta edição especial da Revolução dos Cravos, recordamos a forma como o 25 de Abril foi vivido por alguns lousadenses ilustres da altura. Já não estão entre nós, mas deixaram-nos o seu testemunho, que evocamos, para relembrar um marco tão importante para Portugal.
A liberdade da palavra
Abílio Alves Moreira é um nome bem conhecido de todos os lousadenses. Ficou para a história como o “médico do povo”, mas este homem, multifacetado, foi também diretor das finanças, ator, professor e autor de textos políticos, com forte cariz ideológico, publicados na imprensa local.
Dos seus escritos, recuperamos as suas palavras, datadas de maio de 1974, sobre a luta dos “que nunca compactuaram com a ditadura manifesta ou latente, da oligarquia dominante, e foram trazendo sempre ao conhecimento da Nação os erros que praticava”.

Ao escrever livremente um mês após a Revolução, Abílio Alves Moreira considerava a liberdade da palavra a maior conquista de Abril. Palavra essa que encarava como instrumento para outras conquistas: “Queremos usá-la para apoiar a Junta de Salvação”, escreveu.
De entre os sonhos a que Abril abria portas, o “médico do povo” elencava “a abolição dos monopólios”, “o convívio cívico, sem hierarquias humilhantes”, “o ensino válido, formativo e informativo” e “o fim do mito da pobreza inevitável”. “E, neste quase inverno da minha vida, eu quero para todos uma primavera que me foi negada”, concluía.
O poder local após o 25 de Abril de 1974
Rui Feijó foi o primeiro presidente da Câmara de Lousada nomeado após do 25 de Abril. Em 2007, em declarações ao Jornal de Lousada, falava da importância da Revolução para o poder local. “Lousada, antes do 25 de Abril, estava morta. Andava habituada a que decidissem por ela, não existia autonomia e a população não tinha voz ativa. Quando havia eleições, os presidentes da câmara eram colocados pelo governo e, normalmente, eram proprietários de quintas e de casas senhoriais”, disse. Após da Revolução dos Cravos, “só o facto de haver uma Assembleia Municipal e de termos a possibilidade de elegermos o nosso presidente da Câmara e sua vereação tornou a sociedade mais representativa e livre”, considerava.

Recordava que, quando chegou à Câmara, não havia dinheiro sequer para pagar aos jardineiros. “O que valeu foi o valor de representação que eu recebia, que deu para colmatar alguns pagamentos”, referiu.
Recordou, em 2007, que a Revolução foi bem aceite, principalmente por significar o fim da Guerra Colonial. Lousada, que descrevia como “terra morta”, mudou, graças à liberdade de expressão. Os comícios e as eleições anularam o “desinteresse em participar na vida pública” que se vivia até então.
Recorde-se que Rui Feijó passou três dias na prisão sem conhecer o motivo, antes da Revolução. Após o 25 de Abril, verificou que tinha sido um engano. Outros, porém, passaram as “passas do Algarve”, como o próprio afirmava, referindo-se a Arnaldo Mesquita.
“Os fascistas continuaram a dominar”, Arnaldo Mesquita
Arnaldo Mesquita, advogado lousadense e político, também descreveu, de forma sentida, o Salazarismo e a Revolução dos Cravos ao mesmo jornal.
Sobre o Estado Novo, considerava-o “uma ditadura terrível, dos ricos, dos muito ricos, opressora e exploradora da maioria”. Preso três vezes pela PIDE, esteve no Aljube de Lisboa e no Forte de Cascais. Foram, ao todo, dois anos de reclusão. Foi torturado, impedido de dormir durante 150 horas e massacrado com perguntas.
Em entrevista publicada no Jornal de Lousada, o concelho é recordado como terra agrícola, conduzido a nível camarário por “senhores feudais”, “que prosseguiam a política da sua classe e não estavam interessados no desenvolvimento do concelho”.

Dos alvores da Revolução, recorda um comício em 1973, autorizado por Joaquim Burmester, responsável pela Câmara, “para criar a ilusão de eleições mais ou menos sérias”, mas que acabou com repressão policial e “muitas cabeças partidas”, mostrando “a burla eleitoral que tinha sido preparada”.
Os tempos que se seguiram ao 25 de Abril foram de calma em Lousada. “Parecia que nada tinha acontecido”, dizia. Não deixou de notar que os fascistas continuavam a dominar, lembrando as primeiras eleições democráticas, “mas não livres”, em que a esquerda foi incomodada pelos fascistas, “que nos criaram problemas sem conta”, disse.
Em 2007, Arnaldo Mesquita dizia ver a direita avançar, “agora sobre a cobertura do neoliberalismo de José Sócrates”. Justamente aquilo que Arnaldo Mesquita não desejava.
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