Capitão Campos de Barros: o desencanto de Abril e a luta obstinada pelos ideais da Revolução

Mais conhecido como Capitão Campos de Barros, José Augusto Campos de Barros desde cedo mostrou apetência para a vida militar. Adepto da disciplina e do rigor, assumiu funções de grande responsabilidade, muito especialmente quando no desempenho de funções de Comando, substituindo oficiais de patente superior, a nível do exército e conviveu com figuras de proa da política nacional. Desiludido com os políticos, reconhece que o espírito de Abril morreu praticamente à nascença.

Apesar de ligado sentimentalmente a Lousada há seis décadas, Campos de Barros nasceu há 81 anos em Castelões de Cepeda, Paredes, onde residiu até completar o 12.º ano, na cidade Invicta, depois de 5 anos frequentando o Colégio Antero de Quental, onde fez amizades que perduram no tempo. Filho de mãe doméstica e pai sócio-gerente de uma empresa de produção de vinhos, destinados ao mercado interno e exportação, recorda uma infância e juventude despreocupadas até aos 16 anos, altura em que alguns reveses a nível familiar, vieram perturbar profundamente os seus hábitos. Confessa ter saudades desses tempos da juventude e confessa, do mesmo modo, ser, desde muito jovem, um apaixonado pelo desporto, tendo praticado hóquei em patins, em representou do União Parede. Depois, com dezoito anos, ingressou na universidade, no Porto, nos preparatórios de engenharia, mas cedo percebeu não ser essa a sua área privilegiada, tendo concorrido à extinta Escola do Exército, na Amadora que passou a Academia Militar, volvido um ano. Foi na capital que realizou a sua formação académica e militar, constatando que a opção escolhida se enquadrava “com os meus ideais de disciplina e de servir”, diz. A vida em Lisboa corria bem a todos os níveis, incluindo as relações de amizade. “O espírito vivido entre os cadetes era fantástico! Foi um período muito bom, em que conheci oficiais de enorme categoria. Nunca mais esqueço”, recorda.

Comandante aos 23 anos

Ao cabo de três anos, terminada a especialidade de artilharia, deslocou-se para Vendas Novas, a fim de realizar o Tirocínio, entretanto interrompido, pela necessidade de oficiais para os quadros permanentes, para enviar para Angola, na sequência da Guerra Colonial. Mobilizado para a ex-colónia, juntamente com outros alferes do quadro permanente, tornou-se adjunto do comandante de Companhia, tendo, no entanto, assumido funções de comando da Unidade aos 23 anos, quando o comandante teve de ser evacuado na sequência de uma doença. Campos de Barros comandou, assim, uma companhia de 150 homens. “Fez-me homem, fez-me crescer”, diz.

Em Angola de 1962 a 1964, passou naturalmente por períodos mais difíceis no interior, que os militares designavam por “mato”. Mas a sua paixão pela ex-colónia não esmoreceu. Chegou mesmo a pensar instalar-se em Angola, quando da passagem à Reserva, por acidente em Serviço. Gostou daquela terra, assim que pôs os pés em solo africano. “Era como se estivesse em casa”, recorda. Conta, que muitas experiências, que viveu no território contrariam a ideia que se tem do domínio português: “Fui a uma gelataria e estava, à entrada, um cidadão branco a engraxar os sapatos de um negro”, conta.

Para trás ficaram grandes amizades. Regressado do Ultramar foi colocado em Penafiel e pouco depois chamado para frequentar o curso de “Analista de informação das transmissões”, na Trafaria. o que lhe permitiu ser voluntário para servir em Moçambique e Chefiar uma equipa de interceção das redes TSF, tendo como alvo prioritário eventuais redes da Frelimo, que era suposto existirem, conforme comprovado, alguns meses depois. As comunicações do inimigo, juntamente com outras de origem diversa, eram analisadas e as que se revestiam de interesse originavam relatórios, encaminhados para as entidades competentes. Orgulha-se de ser na altura a pessoa mais bem informada nessa área. Entre os anos 66 e 70, chegou-lhe às mãos muita informação sigilosa, alguma encriptada, sendo as mensagens em tais condições submetidas à apreciação dos especialistas, os chamados criptólogos, que, com mais ou menos dificuldade, conseguiam a sua “tradução”. Especialistas que trabalhavam na “sombra”, mas a quem o Serviço de Informações muito deve O convite, feito pelo mais alto responsável militar de Moçambique para prorrogar por dois anos as funções que exercia foi de imediato aceite, mas a resposta tardia de Lisboa, numa altura em que a mulher e os filhos tinham já embarcado para o Continente, fê-lo desistir e regressar ele também. Nesta missão exigente, Campos de Barros encontrou também o maior problema militar da sua carreira, que o levou a enfrentar um Oficial General, a quem teve a ousadia de chamar “mentiroso”, segundo conta. Acrescenta que não teve qualquer processo, porque tinha razão e o oficial teve a clarividência para tal reconhecer, mas a honrosa condecoração que lhe era devida, esfumou-se.
O Capitão passou ainda pelos Açores, mas agora numa missão de paz, onde comandou uma bateria. Sentiu-se muito considerado na ilha, sendo convidado para os eventos mais importantes. Foi aí e no decorrer de um deles, que conheceu pessoalmente Marcelo Caetano.

A verdade sobre a origem da revolução de Abril

Os anos foram passando e depressa chegou 1974, ano da apelidada “Revolução dos Cravos”, pois de um “Golpe de Estado se tratou. Estava no Porto, como Comandante interino do CICA1, quando se começou a preparar a “revolução”. Sem papas na língua, diz que a génese do movimento que originou a revolução de Abril está na publicação de legislação que posicionava alguns oficiais milicianos, depois de frequentarem um curto curso, em posto superior aos capitães envolvidos na preparação do que seria o “Golpe de Estado”, o que foi considerada uma tremenda injustiça, até considerando que muitos dos referidos oficiais milicianos tinham servido sob o seu Comando. “Verificamos a força que tínhamos, face à anulação da legislação, e foi nessa altura que se começou a ir mais além”, conta, acrescentando que não há muita gente com coragem de dizer a verdade”.

Apesar de um acidente o ter atirado para a Reserva, na altura em que comandava o CICA 1, casa mãe, no norte, do 25 de Abril, as competências de Campos de Barros e as muitas ligações que mantinha com elementos das diversas Unidades do Porto fizeram com que fosse convidado para integrar a equipa que preparava a “Revolução”. “Deram-me a função de espião, a nível das entidades militares e da sociedade civil. Forneci informações muito úteis”, refere.

“Apareceram no ramo civil e militar os oportunistas de Abril”

O dia 25 de Abril de 1974 é lembrado pelo capitão como o dia “glorioso com que sonhamos e acreditamos que os ideais de liberdade e democracia se iriam concretizar”, diz. Mas à convicção e ao entusiasmo sucedeu o desencanto. “A partir do dia 26, ousaria dizer, comecei a duvidar”, afirma. “Apareceram no ramo civil e militar os oportunistas de Abril”, justifica.
Admite que sente uma grande mágoa por ver que os sonhos de Abril se começaram a esfumar praticamente no dia seguinte ao da Revolução. “E estamos a pagar ainda esse preço”, realça. “Vejo ainda agora pessoas que se intitulam de grandes democratas e que estiveram profundamente envolvidas no PREC”, acrescenta.

A ligação a Lousada começou com a paixão pela sua esposa, há mais de 60 anos. Parte do namoro decorreu na “Casa de Monte Sines”, em Covas, da qual os pais da namorada eram proprietários. Mas a convicção de que aquela viria a ser a sua esposa nasceu mesmo antes de falar com ela. O Capitão conta como foi: “Passeava à noite com uns amigos no jardim de Paredes. Vinha em sentido contrário um casal, meu conhecido, acompanhado de uma jovem, com quem nunca havia falado. Disse aos amigos que me acompanhavam, que ia cumprimentar o casal, porque vinha acompanhado daquela que, afirmei, seria a minha mulher”.

Um amor à primeira vista, que deu em casamento, depois de um namoro que passou também pela Assembleia, onde havia bailes. O casamento realizou-se em Luanda, Angola, corria o ano de 1962. Mais tarde, a esposa viria a herdar a quinta dos pais e o casal mudou-se definitivamente para Covas, Lousada, já lá vão 25 anos.

Sá Carneiro: o grande exemplo

Já em Lousada, desenvolveu a sua atividade política enquanto social- democrata, mas sempre como Independente. Admite que sempre gostou da política e que deixou de estar filiado no PSD “quando o partido deixou de ser social-democrata”. Dos tempos de militância do PSD recorda com saudades Sá Carneiro, que diz ter tido a honra de conhecer pessoalmente. Campos de Barros evoca uma situação marcante, que traz na memória até ao presente. Numa reunião no Bonfim, no Porto, na sede da Junta de Freguesia e no seguimento do Congresso realizado no Vale Formoso, estavam vários membros do Partido no interior do edifício, quando foram “cercados pelos democratas do PREC”. “Toda a gente saiu para defender as instalações. Fiquei com Sá Carneiro, por ser o representante da Secção do PSD, do Bonfim. Desse acontecimento, guarda uma fotografia com o líder histórico do Partido, que considera um verdadeiro tesouro. E o teor da conversa que, durante cerca de 20 minutos, manteve com enorme Estadista, levará com ele para o túmulo quando falecer. “Se houvesse pessoas que encarnassem o seu espírito, Portugal seria diferente”, diz sobre Francisco Sá Carneiro. “Se tivessem o espírito de servir como ele! Não é invocá-lo, para tirar dividendos políticos”, acrescenta.

Convidado por Leonel Vieira para ser candidato, como Independente, a deputado municipal em Lousada, aceitou. Desses tempos, guarda boas recordações, mas constata que, “por vezes, tinha mais apoios da oposição do que da Coligação que integrava”. Lembra um episódio em que os deputados da Coligação abandonaram a Assembleia Municipal, tendo ele ficado sozinho.

Participou com fervor nas campanhas com Leonel Vieira, a quem reconhece muitas qualidades e do qual é amigo, e atribuiu as razões das suas derrotas à “falta de qualidade de muitas pessoas que o rodeavam, a quem faltava franqueza e lealdade, para além de darem mostras de muita inexperiência Politica, apesar de reconhecer “qualidade num grupo reduzido de pessoas que o acompanhavam, mas não terão sido devidamente aproveitadas”. Acrescenta que Leonel Vieira poderia ter sido muito útil a Lousada. “É das poucas pessoas da Coligação com quem mantenho as mais amistosas relações”, diz.

Quanto ao desempenho do atual presidente da autarquia lousadense em Lousada, reconhece que tem sido “uma agradável surpresa”. “O desempenho do atual presidente da Câmara, com quem tive acesos debates, nas Assembleias Municipais, revelou qualidades e capacidade que me surpreenderam, afirma.

A desilusão do Nós Cidadãos

A nível nacional, foi um dos fundadores do Movimento “Nós, Cidadãos”, que se veio a revelar a “maior desilusão política”. Refere que tudo fez para que o Movimento se prolongasse, como tal, mas viu-o transformar-se em partido, contra a sua vontade. “No 1º Congresso, fazia parte da lista para presidente do Conselho Nacional. Aceitei para tentar evitar o que estava à espera… A parte mais negativa é que foi por responsabilidade de alguém que muito considerava, antes de entrar no partido”, conta.

“Desfeito o partido”, resta ao Capitão uma aprendizagem: “Permitiu-me conhecer melhor a categoria de alguns pseudodemocratas que integram a política nacional”, lamenta, reiterando que “o político põe a sua vida ao serviço do bem comum, para servir o país. Muitas pessoas tentaram servir-se do partido”, lamenta. Foi no último Conselho Nacional em que participou, depois de ter pedido a demissão do Cargo que desempenhava, que pediu a palavra para clarificar a sua posição, garantindo a sua presença no Congresso em preparação. Nesse Congresso do “faz de conta”, a muito custo, pois queriam impedir a sua intervenção, conta que expôs o que a sua consciência ditou. “Foi um escândalo”, mas garantiu o apoio de muitos militantes. Foi o fim do partido.

O Capitão Campos de Barros continua a residir em Lousada, terra de “pessoas simpáticas” e onde se sentiu sempre bem acolhido. Enaltece a aposta no desporto e “dá a mão à palmatória”, diz, ao admitir que a aposta no Complexo Desportivo foi visionária, mas mostrou-se acertada. Com três filhos, todos professores, dois dos quais na área do desporto, é com satisfação que viu os netos treinarem em Lousada, na preparação para os campeonatos europeus de basquetebol de sub-16 e sub-18…

25 de Abril em tempos de isolamento

Sobre os tempos difíceis do presente, diz que são “lamentáveis” a todos os níveis e fala sem rodeios da polémica acerca das comemorações do 25 de Abril no parlamento nacional. “Sendo quem é, não é surpresa nenhuma”, diz, referindo-se a Ferro Rodrigues.
Com tristeza diz, que morrerá sem ter vivido verdadeiramente o espírito de Abril, a que soma a desilusão com as “pessoas que se servem da política em vez de com a política, servir o país”.

Apesar de desiludido, garante que, enquanto estiver com o mínimo de capacidade física e intelectual, não baixará a guarda. “Mantenho-me na luta”, promete. Deixa uma mensagem final a todos os leitores: “Sejam possuídos pelo espírito de servir, leais e úteis ao país”.

2 Comments

  1. Florentino Barbedo Soares

    Foi uma honra servir em Moçambique (Nampula) sob as suas ordens. Senhor de elevada integridade e carácter inquestionável. Com os meus 77 anos mantenho-o com muita honra em memória!

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  2. Florentino Barbedo Soares

    Se algum camarada do nosso tempo em Moçambique ler este comentário contacte-me sff!

    Reply

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