por | 28 Mai, 2020 | Cultura, Grandes Louzadenses

“A vida sem os artistas seria mais difícil” Patrícia Queiroz

Tal como outras áreas da sociedade, também as atividades culturais que implicam aglomerados de pessoas se viram obrigadas a parar. Um duro revés para o público, mas também para os agentes culturais, que se viram privados da sua fonte de rendimentos.

O Louzadense esteve à conversa com a atriz Patrícia Queiroz, que viu também os seus espetáculos cancelados ou adiados. A incerteza instalou-se.
Na RTP, a sua rubrica de humor foi suprimida na Praça da Alegria, para se reduzir o número de pessoas em estúdio. “Inicialmente, reduziram os figurantes e depois foram reduzindo algumas rubricas, inclusive a minha e até a equipa técnica”, conta.

Também o café-teatro Pérola Negra, que desde outubro recebia com regularidade espetáculos, viu canceladas as atividades. “Cabaret Infinito” era o nome das atividades culturais realizadas todos os meses, nas quais Patrícia Queirós participava. “Já tinha estado lá em janeiro e em fevereiro. Com casa cheia em março, estivemos nem meio mês, com muita pena”, diz.

Artistas ficam sem rendimentos

Sem data para a estreia ficou a coprodução que envolve o teatro de S. João e na qual a atriz participa. Os ensaios foram adiados e a estreia já não será em junho, como previsto. “No fundo, aquilo que nos é permitido fazer é estar em casa, tentando fazer alguma pesquisa, para trabalhos no futuro, tentando aproveitar o tempo para escrever, eventualmente para ter alguns contactos, perspetivando o futuro”, refere.

Na verdade, Patrícia Queiroz considera que esta pandemia veio pôr a nu e agravar as dificuldades já sentidas em várias áreas, incluindo a cultural. “Estamos a bater no fundo. A estrutura é tão desatualizada que era inevitável… Quando tu constróis uma casa e não colocas pilares, vem um vento ou uma tempestade e a casa pode cair. Eu por acaso tenho uma boa retaguarda familiar, mas há muitas pessoas que estão a passar muitas dificuldades”, afirma. A situação é ainda mais grave considerando que alguns artistas são “assalariados intermitentes”. “Um artista raramente tem um salário. Por isso é que vemos muitos artistas a darem aulas para garantirem o mínimo e, se acontece uma coisa fraturante como esta, é evidente que as coisas se agravam”, esclarece.

Apoios estatais insuficientes

A atriz lousadense considera que o milhão de euros destinado a apoiar a cultura, em virtude das consequências do estado de emergência, mostra que o estado central “não tem noção” da realidade, sendo claramente insuficiente. “Esse milhão de euros vai eventualmente chegar a pessoas que tiveram que concorrer com um projeto artístico”, explica. A atriz acrescenta que o apoio é a contrapartida de um projeto que pode vencer um concurso ou não. “Isto significa que, para receberes um apoio, tens de perceber quando é que podes voltar a trabalhar, tens que prever que tipo de espetáculo se pode fazer. Quando, na verdade, não sabemos nada. E isto gera uma angústia tremenda”, confessa. E os artistas que não são contemplados com estes apoios? “O que estamos a falar é de pessoas que já não têm dinheiro para comer”, diz. Patrícia conta que está a ser criado um movimento de apoio entre artistas, em que aqueles que podem ajudam os colegas.

Carreira artística começou a ser encarada como profissão

Patrícia Queirós teme que esta situação da pandemia possa ser um duro golpe para a forma como são encaradas as artes e o espetáculo, que tinha vindo a sofrer alterações nos últimos anos. As artes e o teatro em particular começaram a afigurar-se como uma profissão. Os pais que eram reticentes em relação ao sustento que uma carreira artística poderia dar aos filhos começaram a olhar de forma diferente para as artes. “Os pais, nos últimos anos, já veem a cultura como uma forma de vida. De repente, mudou o paradigma na sociedade portuguesa. As artes começaram a ser vistas como uma profissão. O que é certo é que, felizmente, aumentou o número de alunos nas escolas das artes.”, diz.

O número de artistas aumentou consideravelmente nos últimos anos, sem a correspondente mudança nas políticas culturais, na opinião da atriz, que aponta os problemas: “Principalmente a estrutura e a visão das coisas mantêm-se muito atrasadas. Não houve uma atualização, os apoios são praticamente os mesmos, a forma quase tecnocrata como se vê os projetos gera muita contestação… Artistas não são só aqueles que aparecem na televisão. Nós já temos dificuldades há muitos anos. Isto só veio colocar tudo a nu”, sustenta.

A abertura dos teatros poderá acontecer já a partir de 1 de junho, mas Patrícia Queiroz assegura que tal não será possível, tendo em conta que não houve ensaios. “Vai demorar um bocadinho a engrenar”, refere, acrescentando que há ainda a considerar outros fatores, como a confiança do público, que poderá ainda ter algum receio. O momento é, pois, de expectativa. “Vai ser uma grande surpresa, estou desejosa de perceber, pois vejo que as pessoas estão sedentas de sair, conviver, ver coisas. O que me preocupa é a possibilidade de uma segunda vaga com um novo confinamento e isso pode condicionar muito mais o futuro”, diz.

Cais Cultural de Caíde de Rei reinventou-se

Em Lousada, a cultura também está a meio gás. O teatro da Linha 5 no Cais Cultural de Caíde de Rei, que diz muito à atriz, tem toda a atividade suspensa. “Estamos com uma produção de um novo espetáculo que iria arrancar em março, no FESTAC, o Festival de Teatro Amador do Cais, e que foi suspenso, obviamente, isto mesmo antes do estado de emergência”, conta. Neste momento, as atividades concentram-se nos meios digitais. “O Cais reinventou-se, ainda bem. Já que não podemos fazer teatro presencialmente, vamos avançar com um projeto que estava em gaveta para divulgação online, nomeadamente as entrevistas às terças-feiras e um programa mais de humor na sexta-feira. É evidente que é pedido aos artistas que sejam criativos, mas estamos a falar de teatro amador sem remuneração”, salienta.

Neste momento em que nos vimos privados de tanto, Patrícia pede que as pessoas acompanhem os artistas, pois ficou muito claro que sem eles a vida seria mais difícil. Sem música, sem livros, sem um filme o confinamento teria sido intolerável. “Apelo à comunidade civil que se junte à causa dos artistas, pois isto não é uma causa só nossa”, remata.

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