Pós-COVID19: Irão as empresas aguentar o abanão?

Todos sabemos que a pandemia terá efeitos colaterais, que irão muito além da saúde dos portugueses. Para além das mudanças sociais relativas ao relacionamento, a economia sofrerá, de forma bastante acentuada, as consequências do confinamento, que levou ao encerramento de espaços comerciais e ao abrandamento da atividade produtiva. Os números do desemprego dispararam, sendo também muitas as empresas que recorreram ao lay-off. O Estado pôs em marcha algumas medidas de apoio às empresas. Serão suficientes para evitar o afundamento da economia? Assunção Neto é economista e, na entrevista que se segue, fala-nos dessas medidas, da sua eficácia e da capacidade que terão as empresas para se adaptar às novas circunstâncias.

Face à pandemia da Covid-19, o Estado implementou algumas Medidas/Apoios. O que destacaria, quer em relação às empresas, quer aos trabalhadores?

Tendo o Estado em mãos decisões várias, numa tentativa de atenuar o impacto económico, por forma, a tomar medidas de suporte à vida, sucedeu-se iniciativas/medidas, por vezes insuficientes, tardias (pelo processo burocrático exigido ao circuito decisório) e pouco eficazes, para ultrapassar e mitigar os tremendos constrangimentos, de índole económico e financeiro, que as empresas e os trabalhadores enfrentam, por forma, a garantir liquidez às empresas, a proteger o emprego e evitar a destruição/insolvências das empresas (por incumprimentos diversos – pagamento de salários, rendas, impostos, fornecedores). Medidas avulsas e face às necessidades, que têm vindo a sofrer constantes ajustes que, por vezes carecem de exequibilidade e flexibilidade. Porém, a justificar uma reavaliação, nas repercussões económicas, nos mecanismos de apoio, alinhados com as efetivas necessidades das empresas, de forma integrada, sustentável e coordenada, evitando o colapso do país. Os apoios devem ser usados eficientemente e direcionados para quem efetivamente precisa, por vezes, incorre em oportunismo.

Medidas essas, que consistem na Injeção de Liquidez (Linhas de financiamento para tesouraria, fundo de maneio, etc), subscritas pelos bancos, outras como Moratórias de crédito, Regime Lay Off de empresas privadas.

Acontece que, não estamos perante financiamentos a fundo perdido e o que é contratado hoje terá que ser pago amanhã e com juros. Porém, existe por parte das empresas a possibilidade para com a banca, de equacionar a negociação de empréstimos, novos prazos, revisão das condições de taxa de juro, para dar cumprimento às suas responsabilidades.

Emerge, outras respostas para as empresas, em situação económica difícil, como procurarem negociar novos prazos de recebimento/pagamento para com clientes/fornecedores, para não bloquear a sua atividade. O cenário económico e financeiro, veio causar constrangimentos nas empresas, que, possivelmente, terão impacto no seu passivo. Para tal, existem mecanismos, que já existiam no passado, de reestruturação do passivo, como o Processo Especial de Revitalização (PER) e o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE), que visam permitir o estabelecimento de negociações entre a empresa devedora e os seus credores.

Recentemente, com a retoma da economia foi lançado outro apoio direcionado a investimento das empresas de adaptação às novas condições do contexto da pandemia da Covid-19, aplicando-se a quase todos os setores – Programa ADAPTAR. Apoiando as empresas na adaptação dos seus estabelecimentos, métodos de organização de trabalho.

O Governo deve prolongar algumas medidas de apoio às empresas, como o lay-off simplificado e as moratórias de crédito, não retirando precocemente esta rede de proteção socioeconómica, para que não se perca o esforço que tem sido feito para preservar empresas e emprego.

Quais os impactos imediatos da Covid19 para as empresas?

Num momento de pandemia, a saúde é central às preocupações da humanidade e domina o contexto que vivemos. A equação saúde das empresas e dos colaboradores forçou o trabalho ao “home office” – transição para o trabalho em casa – trabalho remoto – teletrabalho.

De entre as que não tiveram de fechar portas e suspender a sua atividade, assistimos a inúmeras empresas a “reformatar/reinventar” as suas operações, como empresas têxteis que reconduziram a sua produção para batas, máscaras e outro tipo de equipamento de proteção; indústrias “pesadas” que se reconverteram para produzir ventiladores; fabricantes de perfumes que passaram a produzir produtos desinfetantes. Outras recorreram ao mecanismo lay-off simplificado, deixando milhares de trabalhadores temporariamente inativos, mas assegurando os postos de trabalho.

Como reagiram as empresas portuguesas?

Um desafio a que poucas estavam preparadas. Uns porque, não tinham os recursos necessários, outros ausência da cultura de trabalho remoto. Mas as empresas reagiram. E percebeu-se que, por vezes, complicavam transições e adiavam investimentos e processos sem razão. É o lado B desta crise, a capacidade humana de reagir e de se adaptar a condições adversas, num contexto amplamente difícil e inesperado. Têm respondido como primeira preocupação à saúde e à segurança das pessoas. Houve uma boa reação e capacidade de organização.

Acredito que, a tecnologia nos ajudou a responder a esta crise.
Como é que esta situação está a ser vivida e gerida?

As empresas estão a gerir em modo de navegação à vista, reagindo à crise, adaptando a sua oferta, e ainda preparando o que vai ser o futuro.
Existem três dimensões que têm de ser acauteladas, a Saúde, conseguir garantir a saúde e a proteção das pessoas, a Economia, os agentes económicos reagiram a esta pandemia, mantendo a atividade dentro do possível, para reduzir o impacto desta crise, por fim, a Liberdade Individual, perceber como vai ser a nova realidade. São desafios a que todos temos de responder.

Que riscos no durante e pós COVID-19?

Serão muitos os riscos, como o risco cibernético que aumentou significativamente o número de pessoas que estão hoje em trabalho remoto; os riscos de crédito e de liquidez dispararam para níveis semelhantes ao da crise anterior; o risco político para as empresas que têm exposição internacional; o risco das pessoas, em que a solidez psicológica pode não ser a mesma que no passado.

A ligação entre o risco das pessoas e o risco da economia urge na capacidade de nos reinventarmos, de nos adaptarmos a esta realidade. Numa alusão ao resultado, devia existir uma maior capacidade em gestão de crise por parte das empresas, mapeando os riscos e delinean

Estamos preparados para a retoma da economia? Que economia durante o desconfinamento?

Retomar a economia é estar presente uma nova realidade que, terá por base a segurança e a saúde das pessoas. Temos de sublinhar o risco das pessoas, porque se colocarmos o risco da economia à frente do risco das pessoas, pode o risco das pessoas “vociferar” o risco da economia.
Com a reabertura gradual da economia, teremos um novo normal, dúvidas se levantam, sobre a capacidade das empresas retomarem as suas atividades. Uma paralisação, com efeitos na procura, e um futuro ainda constrangido por medidas de contenção da pandemia, de obstáculos para empresas fragilizadas. Ninguém contesta a prudência com que devem ser retomadas as atividades empresariais, contudo, limitações impostas implicam custos e dificultam a rentabilidade dos negócios, exigindo uma gestão mais criativa, que se adapte aos condicionalismos decorrentes do processo de desconfinamento.

O regresso trará efeitos positivos se gerar um ambiente de confiança entre os agentes económicos. A reabertura económica não poderá significar um retrocesso na contenção da pandemia, sob pena dos consumidores não se sentirem seguros ou até o Governo ser forçado a restabelecer as medidas de confinamento.

O que acha que se segue para as empresas no amanhã?

Uma aprendizagem, um equilíbrio entre tecnologia e humanidade. Perante este cenário, terá de estar presente a capacidade das empresas de transformação, adaptação, criatividade, polivalência, flexibilidade, diferentes formas de negócio, reinventar, reagir, desenhar novos negócios. Aposta na digitalização, formas de trabalho diferentes.

Começar a construir uma economia ancorada na transição digital é a alavanca para o futuro. O clima de incerteza que vivemos impôs às organizações uma aposta no digital. É imperativo que as organizações tenham hoje uma estratégia digital que as mantenham próximas dos clientes e dos fornecedores, que permita reduzir custos, aumentar receitas, prever as vendas, agilizar e otimizar todos os processos para que continuem produtivas, rentáveis e eficientes.

Com estas soluções os gestores conseguem ter uma visão da organização, que lhes permite agir rapidamente perante qualquer oportunidade, desafio ou risco.

O presente coloca-nos o desafio intelectual de projetar cenários, eles próprios em cima de cenários.

Acha que a maioria estava preparada para ter trabalhadores em teletrabalho e tinham os meios necessários?

A cultura e os processos estão feitos para a realidade de ontem e as próprias pessoas não foram preparadas para esta mudança. Além que, fizeram um esforço de digitalização incrível e uma mudança na cultura do trabalho. Não há decisão mais difícil do que pensar em medidas que afetem as pessoas, seja de forma temporária ou definitiva, olhando para as várias opções, considerando a sustentabilidade da empresa, para garantir a sobrevivência dos seus trabalhadores.

O que se afigura quanto à produção nacional?

Afigura-se que, a crise pandémica deu alerta da forte dependência das economias desenvolvidas em relação às cadeias de valor globais, na sua maioria centradas na China, “fábrica do mundo”, que abastece a Europa. Necessário reconfigurar as cadeias de valor globais, uma oportunidade para a Europa e para Portugal reforçarem a sua capacidade produtiva e valorizarem os seus produtos, no quadro do mercado único à escala global. A nossa base industrial estava muito centrada em sectores expostos à globalização. No relançamento económico do país, há atividades de elevado valor acrescentado em que somos ou podemos vir a ser muito competitivos, como a mobilidade sustentável, as tecnologias de informação, a robótica, a inteligência artificial, a saúde/farmacêutica, entre outras. Para este processo de reindustrialização são necessários empresários com apetência pelas oportunidades de negócio na indústria, investidores internacionais, um Estado que incentive (por via fiscal) e desburocratize o investimento no sector secundário e instituições financeiras.

A travagem forçada da economia mundial mostrou que o nível de interdependência produtiva e de deslocalização, apesar de ganhos em termos de custos produtivos, tem elevados custos de autonomia, auto-subsistência e poluição.

Num cenário de pandemias é tempo de reconsiderar os prós e contras deste encadeamento mundial da produção e distribuição, percebendo que há riscos que importa controlar. Acresce que, faz sentido voltar a pensar em produção mais local, em maior autonomia (agrícola, industrial) e numa distribuição mais baseada na proximidade. Este abrandamento forçado mostrou, como o mundo regenera-se, e se, o ser humano andar mais devagar, não será um problema, mas sim, um tempo para a família e para o pensar.

Se os números do desemprego estão a aumentar, o que será fundamental fazer?

Fundamental é reinventar e reagir. Fazer uma navegação consciente e à vista. Há outras oportunidades de negócio, mecanismos que nos podem ajudar a sobreviver e ações para que o amanhã se efetive.

As empresas têm de reagir de forma estratégica e transparente, sem oportunismos, mas procurando oportunidades para posicionarem no mercado. E planear, criando cenários, ainda que incertos, que declinem um desafio, que ajudem a reerguer da crise, reconhecendo que a velocidade será diferente consoante os sectores e compreendendo o que é possível, como um catalisador mais a esse retomar.

Em termos de novas formas de trabalho, acha que vai trazer mudanças?

Enquanto empresas complicávamos essas transições, como o digital, o trabalho remoto, e adiávamos investimentos e processos. Hoje percebemos que, Amanhã vamos equilibrar. Reconhecer que situações a distância aproxima e melhora a qualidade de vida e que, o espaço de trabalho/ambiente de trabalho é uma fonte de partilha, criatividade e inovação. A tecnologia não nos vai substituir.

O que acha que ainda está por fazer e que urge assegurar?

Por fazer muito, mas o urgente é garantir que consigamos controlar o vírus. Acelerar a nossa nova normalidade. No Hoje fazemos o acompanhamento – reação à crise. Na Oportunidade perceber onde e como ser relevante – novo contexto. No Amanhã desenharmos e ajudarmos a construir cenários que preparem as empresas para reagir a um mundo novo – preparar o amanhã.

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