por | 10 Jul, 2020 | Opinião

A digitalização do ensino, os 400 milhões e o futuro do país

O Sr. Ministro da Educação anunciou, na semana passada, que está a ser desenhado um programa de “digitalização do ensino”, que irá consistir sobretudo na atribuição de computadores a todos os alunos e professores das escolas públicas portuguesas e que irá envolver verbas a rondar os 400 milhões de euros.

Como cidadão, como pai e como professor defendo que os investimentos em Educação garantem sempre, em termos estratégicos, uma enorme rentabilidade ao nosso país, especialmente a médio e a longo prazo. Isto é, os investimentos em Educação são sempre estruturais/estratégicos para o desenvolvimento sustentado de qualquer sociedade moderna, ganhando especial relevância em países como o nosso, em que uma grande parte da população ativa ainda tem índices de escolaridade relativamente baixos e em que precisamos de garantir uma escolaridade de grande qualidade às novas gerações. Por isso é que é tão determinante ser assertivo e criterioso na forma e nas fórmulas escolhidas para se concretizarem os investimentos em Educação. Ao falhar um investimento desta dimensão, por se escolherem formas ou fórmulas menos aconselháveis, podemos estar a comprometer o futuro das próximas gerações e com isso podemos estar mesmo a hipotecar o desenvolvimento do próprio país.

Infelizmente para todos nós e para os nossos filhos, a quem vamos deixar uma pesada herança de dívida pública, o que não faltam no nosso país são exemplos de investimentos públicos feitos sem critério, quer em Educação, quer noutras áreas, sem que se percebam as verdadeiras causas que estão na sua origem, os quais, por norma, se revelam, com o tempo, ruinosos, ou, na melhor das hipóteses, inócuos. Para centrar a nossa atenção apenas na Educação e dar um exemplo de que todos se lembram e que ilustra bem um investimento ruinoso ou inócuo, feito em nome de objetivos pouco claros (para ser simpático!), falemos dos famosos “Magalhães”. Usar a retórica política para justificar um programa de “digitalização do ensino” foi, no tempo de José Sócrates, uma fórmula para encobrir negócios de transparência duvidosa com algumas empresas e com a Venezuela de Hugo Chávez. Como sabemos hoje, o investimento em computadores foi apenas um pretexto para fazer circular milhões de euros por empresas amigas do PS de José Sócrates e de amigos políticos e pessoais de José Sócrates.
Convém, pois, que estejamos todos atentos porque a forma e as fórmulas escolhidas para se concretizar este investimento de 400 milhões de euros para a “digitalização do ensino” hão de revelar as verdadeiras causas e os verdadeiros motivos que estão na base desta medida. Espero que haja bom senso, transparência e equidade na aplicação destas verbas. Espero que não se tomem decisões por critérios puramente políticos ou político-partidários, o que é ainda pior, e que não voltemos a ter os espetáculos tristes e caros do costume.

Não sei se todos os alunos do ensino público precisam que o Estado lhes ofereça um computador. Não sei que outras medidas estão a ser pensadas no âmbito deste programa. Não sei se a “digitalização do ensino” se faz com 200, 300 ou 400 milhões de euros porque ainda não vi, nem ouvi falar em nenhum projeto/programa devidamente estruturado e com os respetivos custos calculados com alguma precisão e coerência. Não sei, como suponho que ninguém sabe, muitas coisas sobre a aplicação dos tais 400 milhões de euros.


Sei, no entanto, que na posição em que se encontra o Ministro da Educação, neste momento e com tantos milhões para “distribuir”, era preciso ter coragem, independência e peso político para se tomarem as melhores decisões para a Educação e não as melhores decisões político-partidárias. Sei que isso é tudo o que tem faltado ao atual Ministro da Educação. Sei também que ter um discurso de aposta no desenvolvimento do país ao mesmo tempo que, por baixo do pano, se ajuda e promove os amigos com os investimentos públicos e nas empresas públicas é uma prática entranhada nos partidos do poder.


Como já escrevi, por diversas vezes, a propósito dos nossos políticos, devemos julgá-los não pelo que dizem, mas pelo que fazem. Eu assim farei em relação a este investimento de 400 milhões de euros: estou mais interessado em ver a forma e as fórmulas escolhidas para o concretizar, do que em ouvir a retórica política do Sr. Ministro da Educação ou do Sr. Primeiro Ministro em relação à aposta na Educação e ao desenvolvimento do país…

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