A magia luminosa da noite de domingo da Festa Grande de Lousada é conseguida através de uma manifestação cultural secular do povo lousadense, que com grande empenhamento participa na colocação e posterior ignição de milhares de tigelinhas pelo jardim do monte do Senhor dos Aflitos.
A tradição dita que na tarde de domingo das festas, logo após a missa solene e procissão religiosa, várias famílias se instalem no jardim do monte do Senhor dos Aflitos, para um repasto tipo piquenique, mais ou menos improvisado, e convívio comunitário, donde se envolvem na colocação de milhares de tigelinhas e faróis, para no momento crepuscular tomarem a dianteira de ver quem mais tigelinhas acende, dando início ao maravilhoso espetáculo noturno de inúmeras tigelinhas iluminando o monte do Senhor dos Aflitos, com maior encantamento à meia-noite, quando a iluminação elétrica se apaga e resplandecem todas aquelas luzinhas cintilantes, como se fossem a alma e pela alma de todos os lousadenses, que uma vez mais se enchem de orgulho pelo sentimento coletivo de ser lousadense e de amor ao seu “torrão”. Um espetáculo original, autêntico e sem igual!
Cada cidadão, no pluralismo dos seus valores, é um protagonista ativo deste costume, porque participa autonomamente com a comissão organizadora das festas e demais forasteiros, em espírito de harmonia, compreensão e interajuda, mas também de convívio, diversão e altruísmo, porque quer “fazer bem para bem receber” quem Lousada visita. A tradição das tigelinhas é um ato cultural de base comunitária, porque todos envolve e todos beneficia. Este envolvimento comunitário faz deste acontecimento um momento único e inspirador de harmonia, paz, confraternização e inclusão multicultural. Aqui reside o verdadeiro património cultural das tigelinhas e a sua marca distintiva face a qualquer outro evento, de afirmação da identidade de um povo, uma comunidade, um território.
O costume de colocar tigelinhas de barro com cera e com pavio, para adornar o jardim do monte do Senhor dos Aflitos remonta aos primórdios das festas grandes do concelho. Alguns artesãos locais, com a sua arte, engenho e ajuda de familiares, amigos e vizinhos, promoviam a feitura de balões ou faróis para iluminar as festas e, para além disso, confecionavam cebo e pavio para os milhares de tigelinhas de barro, que a cada ano festivo encadeavam o jardim do Senhor dos Aflitos em noite de festa. Houve anos que tal dedicação resultou em milhares lumes, colocados pelos populares no jardim e árvores do monte, fazendo deste um acontecimento comunitário de inolvidável beleza.
Esta tradição mantém-se enraizada a tal ponto de continuar a atrair o envolvimento e a participação de milhares de lousadenses e a visita de muitos mais forasteiros. Qualquer cartaz das festas destaca a realização do evento, espevitando memórias vivas coletivas de realizações passadas, com atratividade para mais uma edição, sempre especial, da noite das tigelinhas. Para além de ser um dos maiores enfeites de toda a festa é também um dos melhores meios de atração à população, convidando-as a irem à romaria e nela participarem, que perdura até ao limite do pavio, de encanto, contemplação, surpresa e extasia a milhares de forasteiros.
Assim se faz de magia a Festa Grande: única, autêntica, transmitida de geração em geração, anualmente recriada e repetida pela população local, incutindo-lhes um sentimento de continuidade, respeito pelo passado, mas também de abertura, inovação e inclusão social, que muito entusiasma e dignifica a comunidade lousadense.
Este ano não há Festa Grande, nem Noite das Tigelinhas. Mas para o ano cá estaremos, motivados em dobro, para dar continuidade à magia luminosa das Festas Grandes de Lousada.
Por Carlos Manuel Nunes
Bibliografia consultada:
SILVA, Agostinho Vieira; TEIXEIRA, Filomena; CARVALHEIRAS, José Carlos; SILVA, José Carlos; FERNANDES, Luís Ângelo; FONSECA, Mário; PACHECO, A. Marques; PACHECO, Miguel. Centenário da Festa Grande do Concelho de Lousada [1905-2005]. Lousada, Litolousada, 2005.
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